Por Antonio Delgado
A usucapião é uma figura jurídica que facilita processos legítimos de registos de propriedade que, por várias razões, não se encontram legalizadas.
São muitos os casos de pessoas que não conseguem registar os seus terrenos, casas ou que querem vendê-los mas não sabem qual o artigo ou descrição predial. Ou aqueles casos de pessoas que compraram verbalmente determinado prédio e nunca fizeram escritura nem regularizaram a situação. Mas o tempo vai passando e, no pior dos cenários, existe um sério risco de alguém se apropriar ilegitimamente desses bens.
Para estas situações, é permitida a posse por usucapião. No fundo, esta traduz-se na possibilidade de alguém que há mais de 15 anos, por exemplo, tenha resolvido começar a limpar e cultivar um terreno que a todos parecia abandonado e que hoje se possa tornar o seu legítimo dono.
Vamos deixar um exemplo prático deste processo imaginando a seguinte situação: O Senhor Joaquim, da aldeia de Monsaraz, começa a tratar de um terreno abandonado, limpa-o, cultiva-o e cuida dele como se o terreno fosse seu. Faz isto desde o ano de 2000 e vai quase todos os dias ao terreno onde até já construiu uns anexos para os animais. Nunca ninguém se opôs ou veio dizer que aquele terreno não era do Senhor Joaquim. Aos olhos das pessoas da aldeia que conhecem o Senhor Joaquim e o costumam ver no terreno, ele é o dono desta propriedade.
Hoje, depois de mais de 17 anos de uso ininterrupto do terreno, o Sr. Joaquim estará em condições de registar este terreno em seu nome. Como poderá fazê-lo? Em primeiro lugar, deverá levar uma planta do terreno com a área e as confrontações às Finanças para pedir a sua inscrição na matriz. Depois, vai à Conservatória do Registo Predial pedir uma “certidão negativa”, ou seja, o documento que comprova que o terreno não está registado. Por último, dirige-se a um Notário para a celebração da escritura de justificação notarial, devendo levar 3 testemunhas que irão comprovar a relação do Sr. Joaquim com aquele terreno. A escritura será publicada num jornal de expansão nacional ou local e, se ao fim de 30 dias contados após a publicação, ninguém reclamar, o Sr. Joaquim pode considerar-se dono do terreno.
Demos aqui este exemplo, mas a aquisição de um determinado bem por usucapião é um processo também muito usado em situações em que não é possível provar com documentos a posse de determinada propriedade. Por exemplo, em casos de heranças em que não se fez no devido tempo a escritura de habilitação de herdeiros, a usucapião torna-se uma forma expedita dos herdeiros legalizarem a posse.
Mas existem casos em que a posse por usucapião pode ser levada a cabo de forma ilegal, por má fé. São aqueles em que alguém se aproveita da ausência ou desconhecimento do dono para avançar e começar a utilizar o imóvel. Depois é só esperar ver os anos passar para se tornar o seu legítimo proprietário.
Em conclusão, a usucapião ajuda a resolver determinadas situações baseadas na boa-fé do possuidor. Todavia, pode facilitar negócios ilegítimos para aqueles que se servem deste mecanismo para se tornarem proprietários de imóveis que não lhes pertencem. Por isso, mais vale prevenir e tomar as devidas precauções.
Por Antonio Delgado
Advogado em Coimbra, Portugal, escreve a coluna “Realidade Jurídica” no Mundo Lusíada Online. www.legacis.eu
Excelente Artigo! Importante lembrar que o usucapião por abandono de lar conjugal, requisito do ‘abandono do lar’ deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel, somando à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável.