Um País Moralmente Doente

Há muito o País não vivia um momento tão tenso, de conflitos vários, como este que estamos vivenciando em 2016.

Nesta semana, tivemos a ampliação da ocupação das escolas pelos estudantes, movimento este que sai da esfera da escola municipal do ensino médio e se reflete entre universitários, com manifestações em faculdades públicas e privadas ao longo do território nacional, caso de São Paulo, Rio, Goiás e Rio Grande do Sul. O que une os desejos dos estudantes é o não ao corte nas verbas para a educação e pesquisa, por melhoria das condições de ensino e participação mais democrática das comunidades na vida escolar. Apesar de muita gente apontar tais fatos como ‘invasão’ dos estudantes aos espaços escolares, na verdade, há forte simpatia popular pela causa, incluindo nos colégios o apoio de pais aos estudantes que, em diversas ocasiões, estão limpando, pintando, contando com palestras especiais nos ambientes ocupados (discurso de estudante paranaense na AL local  http://www.jb.com.br/pais/noticias/2016/10/27/discurso-de-aluna-na-assembleia-do-parana-repercute-mao-de-voces-esta-suja-de-sangue/ ). Vale lembrar que o estopim do movimento foi a ação de um grupo de alunos ao ocupar a escola estadual Fernão Dias Paes, na capital paulista, em novembro passado, para protestar contra projeto do governador Geraldo Alckmin (PSDB) que levaria ao fechamento de 94 escolas, pela implantação de um novo sistema de ciclos, implicando no remanejamento de mais de 300 mil alunos. E repercutiu, também, a questão da ‘máfia das merendas’, referente a corrupção governamental na contratação e fornecimento das refeições aos estudantes estaduais.

A tensão pelas ocupações, que já envolveu conflitos entre polícias militares e estudantes por diversas vezes, nesta semana resultou em um assassinato seguido de suicídio entre familiares. Um engenheiro de 60 anos discordou das posições políticas do filho, que cursava matemática na Federal de Goiás e apoiava as ocupações e protestos contra os cortes orçamentários do governo Temer. A briga na família foi testemunhada pela mãe, ex-delegada. O rapaz vendo a ira do pai tentou fugir, mas foi perseguido e baleado 4 vezes por ele que, em seguida, se matou em via pública. Caso horroroso.

Não muito longe de Goiânia, em Brasília, um grupo de extrema direita quebrou a porta de vidro de acesso ao plenário e invadiu a Câmara dos Deputados pedindo a volta dos militares e aplaudindo o juiz Sérgio Moro. Eles se articularam pelas redes sociais. Segundo a Agência Brasil, a polícia legislativa pediu a saída deles, suspeitando de posse de armas. Um segurança se feriu. Curiosamente, viralizou nas redes sociais uma das extremistas fazendo discurso contra a bandeira do Japão, posicionada ao lado da brasileira em um painel do prédio, tendo sido interpretada como uma “propaganda comunista” por causa da esfera vermelha em fundo branco. “Prova do crime da esquerda sobre o maior símbolo nacional”, diz a figura irada em vídeo patético ( http://www.brasilpost.com.br/2016/11/17/manifestante-confunde-comunista-bandeira-japao_n_13042982.html ). Há poucos metros dali, dentro do STF – Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowsky, juízes da Corte, batiam boca, com acusações mútuas de “falta de decoro há tempos”.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, o governador do PMDB Luiz Fernando Pezão promove projetos de cortes orçamentários, levando à revolta os servidores públicos. Redução de salários, aumento de impostos e extinção de políticas sociais a exemplo do correligionário Temer. Segundo economista da UFRJ, Mauro Osório (para o El País), o problema não são os gastos e sim as receitas que sumiram no Estado. Muitas isenções foram concedidas e retorno não foi o esperado. “Haverá salário, recurso para a saúde, para a segurança, para a educação?”, se questiona. A situação é assustadora para o técnico. “Centro do Rio vira campo de batalha em ato contra pacote de austeridade”, estampam os jornais (El País, 17/11/2016). Nesse meio, a Lava Jato também prendeu dois ex-governadores, Antony Garotinho (PR) e Sérgio Cabral (PMDB), acusados de receberem propina de construtoras e desvio de verbas em suas gestões. Clima infernal em terras fluminenses.

Por falar em Lava Jato, ao mesmo tempo, na chamada ‘República de Curitiba’, as delações continuam. Agora, o ex-diretor da Andrade Gutierrez, que acusou o PT de receber R$ 1 milhão em propina, na forma de doação partidária, voltou atrás. Mudou alegando ter feito ‘confusão’, revendo o que foi dito, alegando normalidade na contribuição. Curiosamente, esta mudança ocorreu após surgir na mídia um cheque de R$ 1 milhão na conta de Michel Temer em 2014. Isto coloca o atual presidente em situação delicada frente ao TSE – Tribunal Superior Eleitoral e também na Operação Lava Jato. O PMDB está na mira da Vara de Curitiba do Ministério Público. E sabe-se que há articulações para tentar desvincular Dilma de Temer na avaliação das contas do TSE para a chapa da dupla que venceu as eleições, cujo pedido foi feito pelo PSDB. A atual gestão quer um julgamento ‘em separado’ para ambos no Tribunal. Vai conseguir a manobra? Os tucanos estão à espreita. Enquanto isso, o presidente mexe-se dando jantares no Alvorada para convencer deputados e senadores das necessidades de aprovação das reformas apontadas por ele e equipe. Reformas ‘amargas’, em suas palavras, custos diretamente dirigidos às massas. O FMI disse esta semana que o País está perto de sair da recessão, mas, o fará se fizer as reformas fiscais. E precisa contar também com outras variáveis, como o setor externo, o preço das commodities e o ambiente político. Para o FMI, o PIB terá um déficit de 3,3% em 2016.

A ausência de diálogo e a falta de espírito republicano de nossos políticos e juristas, sob os holofotes da grande mídia comercial que promove seus interesses corporativos, levaram o País a uma crise de representatividade, exemplificada pela grande quantidade de votos brancos, nulos e ausências nas últimas eleições municipais, bem como pelos inúmeros protestos. Há uma incredulidade no ar, reforçada pela debilidade econômica cujo prazo para acabar é inexato, causando maior sentimento de insegurança na população. Assim, abrem-se espaços para discursos demagógicos, hipócritas e irracionais, como o ressurgimento de defensores da ditadura e da volta do regime militar para ‘salvar a Pátria’. Vemos um Brasil à deriva, enfraquecido, servindo de grande oportunidade aos interesses estrangeiros, vistos pelos novos gestores pós-impeachment como modelos. Quando um pai persegue o filho em plena rua para lhe fuzilar e, em seguida, se suicidar, fato este motivado pela temperatura política destes últimos anos, fica escancarado o trágico grau de doença social que se instalou entre nós. São Paulo, 18 de novembro de 2016.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

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