Resistirá o legado de Hugo Chávez?

Nesta semana a vizinha Venezuela sofreu a perda do seu líder, o presidente Hugo Chávez, que estava no poder havia 14 anos. Personagem polêmico caracterizou-se por ser uma dessas figuras que costumam gerar dois tipos de sentimentos antagônicos: ou se gosta ou se tem aversão. Não tem meios termos. Mas, com toda certeza, teve enorme importância histórica.

Nascido numa família de classe média, ele entrou para a carreira militar quando jovem. Formou-se engenheiro com especialidade militar. Em fevereiro de 1992 participou da tentativa de golpe militar contra o então presidente Carlos Andrés Perez. Frustrado, amargou dois anos de cadeia pelo ato. Quando ocorreu a mudança no governo, foi anistiado. Ao sair da prisão abandonou a carreira nas forças armadas. Começou, então, sua caminhada na política partidária. Fundou em 1997 o Movimento 5ª República, inspirado em ideais socialistas e nacionalistas. Levantou a bandeira contra a miséria e a corrupção, em sua opinião praticada pelo enriquecimento da elite em detrimento das camadas populares, através dos conchavos com multinacionais e pagamentos de propinas no mercado de petróleo. Em 1999, após ter recebido 56% dos votos, ele chegou ao poder. E colocou para funcionar as ideias que tinha. Fechou o Congresso e convocou uma nova Constituinte. No fim daquele ano, várias medidas foram aprovadas para dissabor da oposição. Entre elas, o país passou a se chamar República Bolivariana da Venezuela.

Dentro do novo quadro, promoveu maior interferência do Estado na economia. Fortaleceu os poderes do Executivo e eliminou o Senado. Apoiou os direitos culturais e linguísticos das comunidades indígenas. Em 2000, fez uma nova eleição, com base na Constituição recém nascida. E venceu novamente, o que desesperou a oposição. Então, em abril de 2002, era a vez dele, Chávez, sofrer tentativa de golpe. Chegou a ficar dois dias preso. Mas, seu grupo reverteu o quadro, reassumindo o controle e, assim, ele ganhou ainda mais prestigio junto à população venezuelana, sobretudo os mais humildes. Utilizando-se de eleições e referendos populares, num total de 15 votações, foi mantendo-se na presidência, enquanto os opositores, dentro e fora do país, passavam a demonizá-lo, chamando-o de populista, clientelista, corrupto e ditador.

A figura de Chávez, conhecido por ‘comandante’, incentivou uma nova perspectiva na América Latina, com uma visão mais próxima às demandas populares, refletindo na vitória de Evo Morales, na Bolívia, Rafael Correa no Equador e José Mujica, do Uruguai, por exemplo. Chávez foi uma das referências na construção da chamada Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América-ALBA, uma plataforma de cooperação internacional baseada no princípio da integração social, política e econômica entre os países da América Latina e do Caribe. Também foi um dos mentores em 2008 do UNASUL – União das Nações Sul-Americanas, envolvendo os 12 países com o objetivo de construir um espaço de articulação cultural, social, econômico e político na região. Confrontava, evidentemente, as posições do governo norte-americano e seus aliados, representado na figura de George W. Bush. Sobre este, em 2006, na Assembleia Geral da ONU, declarou Chávez: “Ontem o diabo esteve aqui, neste mesmo lugar, e ainda cheira a enxofre.” Ano seguinte, em um encontro internacional em Santiago do Chile, ele ouviu do rei da Espanha, ecoando a irritação oposicionista: “Chávez, por que não se cala?” Pouco antes, Chávez acusara o ex-primeiro ministro espanhol Aznar de apoiar o fracassado golpe de 2002 em Caracas.

A Venezuela, alvo da atenção internacional, tem reservas de petróleo estimadas em 297 bilhões de barris, ligeiramente superiores às da Arábia Saudita, que é o maior produtor mundial. Enquanto esteve no poder, com o voto popular, Chávez dobrou os gastos sociais com a receita do petróleo, antes evadida para contas no exterior; erradicou o analfabetismo; multiplicou por 16 o total de médicos a serviço da população, com apoio de Cuba; multiplicou por 5 o número de professores, tabelou produtos essenciais; ampliou vagas no serviço público, reduziu a pobreza em 37% e cortou à metade o desemprego. É o país com menor desigualdade na região. Em 2002 disse na 2ª Cúpula União Europeia – América Latina: “o neoliberalismo é o caminho para o inferno”. Imediatamente à confirmação de sua morte, analistas de mercado já começavam a apostar no benefício do retorno de empresas estrangeiras para explorar petróleo no país, pois “seus sucessores não demonstram a mesma força de empatia e caráter”, segundo avaliaram, prevendo para médio prazo duros tempos ao chavismo e tudo o que significa. A dívida pública disparou durante o governo de Chávez, passando de US$ 28 bilhões para US$ 130 bilhões, há forte inflação e a Cia. petroleira estatal tem perdido produtividade. Contudo, o próprio New York Times apontou que, não deixando construção de auto-estradas e grandes edifícios, ele legou à sua gente ‘uma nova forma de ver e sentir o seu país’.

Fica, assim, a grande dúvida: sem a sua presença carismática, o que fará agora o povo venezuelano? Vai resistir ao implacável cerco conservador? Mais que isso: nessa transição entra em jogo o destino político dos avanços e conquistas de governos latino-americanos progressistas. Como se protegerão os partidários do bolivarianismo? Intensas emoções em perspectiva para os próximos tempos no continente são aguardadas.  São Paulo, 07 de março de 2013

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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