Pauliceia ainda desvairada

A história da cidade de São Paulo, que completa neste 2013 seus 459 anos de vida, nos causa admiração e apreensão ao mesmo tempo. Isto porque São Paulo, que foi fundada pelos jesuítas Manoel de Nóbrega e José de Anchieta no século XVI, até o início dos oitocentos tinha pequeno significado no contexto colonial. Foi somente em 1827, com a inauguração do curso de Direito junto ao convento franciscano, que a Academia ‘tirou a cidade de seu sono’, quando passou a formar aqueles que dirigiriam a administração pública do novo país. Depois, ainda no mesmo século, na virada para sua segunda metade, outro importante fato: a valorização da produção do café. Fez a economia brasileira se reintegrar ao contexto internacional. Nas fazendas se criava o produto que era escoado pelo porto de Santos para o exterior. Porém, na capital da província, estavam os serviços bancários e financeiros que financiavam o negócio. Foi uma espécie de segunda fundação. E a proclamação republicana fortaleceu ainda mais a gente paulista, econômica e politicamente. A partir de então, a cidade passaria a sofrer freqüentes transfigurações.

A estrada de ferro, os Barões do Café, os migrantes e os imigrantes. Muita construção e demolição. Residências de taipa tão características do princípio do século praticamente sumiram. Formas e reformas. A especulação imobiliária cada vez mais falou alto em meio a dinâmica da ordem e progresso. Em 1922, no Centenário da Independência, os paulistanos viram a “Semana da Arte Moderna” discutir tradições e vanguarda em pleno Theatro Municipal: Tupi or not tupi, that’s the question… A ‘Paulicéia Desvairada’, conforme o intelectual Mário de Andrade.

A importância de sua economia e política atraia cada vez mais gente. Ocupações eram realizadas sem maiores planejamentos. Fábricas e casas eram edificadas. Áreas verdes, mananciais, tudo ia sendo atropelado na ânsia de ser moderno a qualquer custo, sem planejamento decente do poder público. Sem a mínima noção de sustentabilidade. E para os pobres, mão de obra explorada, quanto mais longe mais barato. E, aliás, bem mais precário e isolado. A metrópole já despontava nos anos 1940. Com ela suas virtudes e pavores.

A grande urbe teve metrô apenas em 1974. O transporte incentivado havia sido a diesel, mais caro e menos eficiente. E, mesmo assim, temos em uso apenas 120 km de corredores de ônibus. E o metrô pouco mais de 70 km de extensão, atendendo 4 milhões de passageiros/dia. O paulistano foi empurrado para o carro: circulam agora mais de 7 milhões de veículos. Um terço perde mais de três horas por dia no trânsito e 19% mais de quatro horas. Lógica insana e estresse total. Pelo menos 20% da população têm transtorno por ansiedade.

Hoje, a megalópole está dividida em 96 distritos. Em 20 deles não há delegacia policial. 45 não têm biblioteca municipal, 59 não há centro cultural, 59 não têm nenhum cinema ou teatro. 56 distritos não têm equipamentos públicos de esporte e em 38 distritos não é possível encontrar um parque (ONG Nossa São Paulo). Descaso evidente com uma grande massa de habitantes em uma cidade que detém 11,8% do PIB nacional. Esse ‘apartheid’, essa discriminação estimula o conflito, a sensação de inferioridade e a ira. Faz latejar as grandes diferenças sociais, alimentando a violência. O ano começou com uma pesquisa apontando que 91% dos entrevistados acreditam que a cidade é pouco ou nada segura e 56% mudariam de cidade por causa da violência. São os desvínculos.

Em pleno século XXI, com 11,2 milhões de pessoas, São Paulo carece de menos individualismo. É preciso um governo aglutinador, com coragem e verdadeiro espírito público, que trabalhe no sentido de unir e não fomentar as discrepâncias. Não há soluções simples. Num projeto coletivo, justo, todos precisamos agir em sintonia. 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior, São Paulo, 23 de janeiro de 2013

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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