Os Sonoros 90 anos do Rádio no Brasil

O dia 7 de Setembro é uma data bastante feliz para o povo brasileiro. Um momento cívico. Em primeiro lugar, claro, porque marca a independência frente ao domínio do governo português. É simbolicamente o dia que, como diz o nosso Hino Nacional, “o sol da liberdade em raios fúlgidos/ brilhou no céu da Pátria nesse instante”. A colônia lusa sul americana começaria a se transformar a partir daí em Estado Nacional e trilhar o caminho com suas próprias pernas. Mas, não é só. Também nesse dia outro motivo bastante significativo para nossa gente tem seu espaço comemorativo: é a ocasião de lembrarmos o nascimento da ‘Era do Rádio’ por aqui. A radiodifusão estava dando oficialmente a partida para valer por este país continente. E começando a colecionar incontáveis e entusiasmados ouvintes a partir de então.

A histórica experiência aconteceu durante a inauguração da Exposição do Centenário da Independência na capital federal à época, o Rio de Janeiro. O público, pasmo, pode ouvir um discurso do presidente Epitácio Pessoa. O evento deu-se na Esplanada do Castelo e o transmissor para a emissão foi instalado pela Westinghouse Electric Co. no alto do Corcovado. Uma estação de 500 w e uma antena de pico, ao lado de onde está hoje o Cristo Redentor. Logo depois à fala, ocorreu a execução de “O Guarany”, ópera do campineiro Carlos Gomes, grande nome da música de concerto no século XIX, diretamente do palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Consta que foram importados 80 receptores para se ouvir o evento. Esse primeiro momento tão especial foi captado em Niterói, em Petrópolis, na região da serra fluminense e também em São Paulo. Muita gente acreditava que era algo sobrenatural que estava acontecendo a seus ouvidos. Tudo isto há 90 anos, em 1922, quando se exaltava o centenário do ‘Grito do Ipiranga’ por D. Pedro I. Um fato sensacional. E o rádio, assim, de forma gradativa, tornou-se paixão dos brasileiros inquestionavelmente.

Desde então, várias iniciativas pelo desenvolvimento da radiofonia foram feitas. Por isso, em 1º de maio de 1923, através dos esforços do grupo liderado pelo médico, professor e antropólogo Edgar Roquette Pinto inaugurou-se a pioneira emissora brasileira, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, hoje denominada Rádio MEC, criada para atuar sem fins comerciais, apenas como promotora de cultura. Dizia seu fundador: “eis uma máquina importante para educar o nosso povo”. Porém, os paulistanos não ficaram atrás dos cariocas. Logo a seguir, em 30 de novembro daquele ano, começaram também os trabalhos da Sociedade Rádio Educadora Paulista. E isto repetiu-se ao longo do território brasileiro.

Os afeiçoados se multiplicaram com intensidade e a década de 1930 acabou por marcar o apogeu do rádio como veículo de comunicação de massa, refletindo as mudanças pelas quais o país passava, especialmente com o impulso dado desde o governo Getúlio Vargas. O crescimento da economia nacional atraía investimentos estrangeiros que encontravam no Brasil um mercado promissor. Proporcionaram um grande impulso à expansão radiofônica a indústria elétrica aliada à indústria fonográfica. Musica variada, radionovelas, notícias gerais e esportivas, entretenimento. Escreveram Ribeiro, Braguinha e Lamartine: “Nós somos as cantoras do rádio/ Levamos a vida a cantar/ De noite embalamos teu sonho/ De manhã nós vamos te acordar”. O rádio ia se tornando cada vez mais um grande companheiro das pessoas, norte a sul do país. Não que ele fosse barato de início, mas mesmo os que não o possuíam poderiam ouvi-lo a certa distância e aprender a cantar os sucessos que apareciam. Depois, com a ampliação da produção em maior escala e também o aparecimento e difusão dos transistores, os aparelhos se popularizaram ainda mais.

Um fato muito interessante e ilustrativo desse amor nacional pelo rádio é o contado sobre a canção do grande compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, “Nervos de Aço”, de 1938, gravada com retumbante sucesso por Francisco Alves, o Chico Viola, em 1947. Consta que nos jornais da Bahia, naquele tempo, os anúncios a procura de uma empregada doméstica continham a exigência de que a candidata não cantasse “Nervos de Aço” durante o trabalho. Sensacional história, sem a menor sombra de dúvida. Prova inconteste do vinculo entre esse veículo e a população. Coisa até agora presente, mesmo com o advento da televisão – que a princípio absorveu profissionais do próprio rádio – e mais recentemente da internet. Uma parceria duradoura.

Porém, este breve comentário sobre a grande aventura radiofônica no Brasil não teria sentido se não falássemos do genial padre Roberto Landell de Moura e sua contribuição formidável e desbravadora.

Ele era gaúcho de Porto Alegre, nascido em 1861, ainda período imperial. Personagem muito esquecido foi, simplesmente, o primeiro construtor de um transmissor sem fio para envio de mensagens. Isto aconteceu em 1892. Dois anos depois, em 1894, foi ele quem realizou a primeira transmissão por meio de ondas hertzianas que se tem notícias, feita entre o alto da Avenida Paulista e o alto de Santana, cobrindo uma distância de oito quilômetros dentro da cidade de São Paulo.

Extremamente curioso e talentoso, deslocou-se em 1901 aos Estados Unidos para desenvolver suas idéias. Em 1902, o jornal New York Herald já falava em suas proezas. Lá, em três anos, patenteou os seus inventos. Em 22 de novembro de 1904, Patente de N° – 775.337 para Telefone Sem Fio. Com o N° – 775.846, o Telegrafo Sem Fio e em 11 de outubro de 1904 Patente de N° – 771.917, para Transmissor de Ondas.  Visionário, voltando dos EUA entusiasmado, buscou apoio do governo brasileiro para avançar suas conquistas tecnológicas. Porém, a partir de então, sua vida começa a complicar. Um oficial de gabinete do Presidente Rodrigues Alves ficou boquiaberto ao saber que o padre falava em difusão sonora a qualquer distância. Tomando-o por desequilibrado, desconsiderando seus apelos, aconselhou o Presidente a não permitir o experimento, evitando vexames com o suposto maluco.

A sucessão de recusas o desiludiu e abalou sua saúde. Irritado, sem perspectivas de reconhecimento, destruiu os seus experimentos e parte de sua documentação científica. Arquivou o que restava e retornou plenamente ao sacerdócio, onde procurou consolo e abrigo. Era grande devoto de Nossa Senhora Aparecida. Morreu em 1928 na sua Porto Alegre natal, acompanhado por parentes e meia dúzia de fiéis amigos. Ele foi, bem antes de Guglielmo Marconi, quem teve a idéia de usar as ondas hertzianas com os objetivos, de forma prática ou rotineira, de comunicação. É o ‘pai do rádio’. Em 2011 o governo federal se redimiu e Landell de Moura teve seu nome inscrito no “Livro dos Heróis da Pátria”.

Fica aqui, então, nossa saudação a todos aqueles que fazem a magia da radiodifusão no país, informando, divertindo, estreitando laços, aproximando as pessoas e estimulando a imaginação. Seja pelo AM, FM, através das Ondas Curtas ou mesmo pela Web. Técnicos, produtores e locutores com suas marcantes vozes. Grandes companheiros a todo instante de nossos dias. Tomara que cada vez mais notícias alvissareiras possam ser irradiadas a todo volume e a alegria sem o menor ruído seja captada pelas antenas nos quatro cantos deste continental país verde e amarelo. São Paulo, 6 de Setembro de 2012

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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