Ocupações E Democracia

Esta primeira semana de Maio, mês que é aberto com o feriado marcando a luta dos trabalhadores, relembrando a violência contra operários de Chicago, em 1886, que exigiam aos seus patrões melhores condições de vida, além dos tradicionais comícios que marcam a data, os dias seguintes não tiveram menos movimentação, refletindo o cenário convulsivo do País no momento. Quero destacar dois destes fatos. Um, ocorrido em Brasília, capital federal, onde se debate no Congresso o chamado ‘golpe frio’, utilizando-se de manobras legais para se chegar ao impeachment . E o outro na capital paulista, a maior cidade do Brasil, onde estudantes não dão tréguas ao governador, questionando punições contra o roubo das merendas e por melhores condições de ensino. Vejamos.

O dia 5 de maio mal amanhecia e surgia a notícia de que o ministro Teori Zavascki, do STF – Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar determinando que Eduardo Cunha (PMDB-RJ) fosse afastado de seu mandato e, por consequência, da presidência da Câmara dos Deputados. Em verdade, o ministro Teori simplesmente atendeu a um pedido feito pela Procuradoria-Geral da República em dezembro 2015. O STF demorou, portanto, ao menos quatro meses para dar o parecer sobre a solicitação da Procuradoria, que alegou a utilização da posição de presidente da Câmara por Cunha para obstruir investigações contra ele realizadas pela Operação Lava Jato. O procurador-geral Rodrigo Janot listou 11 pontos que justificariam o afastamento de Cunha. No STF, à tarde, Teori disse aos colegas de toga que “além de representar um risco para as investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal”, a presidência de Cunha na Câmara “conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada”. Após duas horas de leitura e o voto favorável, todos os ministros do Supremo acompanharam o colega. Resultado: 11 votos a zero pelo afastamento do cargo e do mandato. Cunha, então, comentou a liminar: “Estranhamente ela é votada depois que o impeachment foi votado”.

Entre a notícia da liminar e a votação no STF, a Câmara dos Deputados pegou fogo. O vice, Waldir Maranhão (PP-MA), assumindo o lugar de Cunha, como um relâmpago, abriu e fechou em duas frases a sessão da casa. E mandou cortar os microfones dos parlamentares. Nisso, a deputada por São Paulo Luiza Erundina (PSOL), liderou a ocupação da mesa diretora para denunciar todos os desmandos realizados nos últimos tempos naquele espaço, falando sem o uso dos microfones, em uma sessão extraordinária, seguida por vários deputados. Para Erundina, a decisão do Supremo Tribunal Federal resgatou a dignidade da Câmara diante da nação, mas ainda foi um passo “insuficiente para consolidar a mudança que precisa ser feita no País”. Tanto é verdade, na tarde de sexta feira, a comissão do Senado aprovou que pedido de impeachment seja votado naquela casa, mesmo sem provas efetivas de crime contra Dilma. Mais um julgamento não técnico e sim político.

Por outro lado, na capital bandeirante, os estudantes de São Paulo voltaram a se organizar como no ano passado em virtude do pouco diálogo e transparência realizado pelo governador Geraldo Alckimin (PSDB). Por isso, a moçada resolveu ocupar as ETECs – Escolas Técnicas do Estado São Paulo e a também, de forma inédita, a Alesp – Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, exigindo a instalação de uma Comissão de Inquérito para investigar e punir os responsáveis pelo roubo da merenda em São Paulo, intitulado Operação Alba Branca. É importante destacar que um dos suspeitos de crime é o próprio presidente da Alesp e, há mais de 10 meses, as investigações do Ministério Público não conseguem avançar, justamente por serem travadas as ações dentro da Assembléia. Os estudantes querem os mafiosos sendo punidos e também avançar em negociações pela melhora do ensino público. Ao longo dos dias, o presidente da casa, Fernando Capez (PSDB/SP), resolveu obstruir o rodízio dos cerca de 80 ocupantes iniciais. Deputados oposicionistas ajudaram entregando alimentos. Capez fez ponto facultativo. Coronel Telhada deu voz de prisão a uma estudante que peitou o deputado. Pe. Julio Lancellotti levou pães e chocolates feitos pelos moradores de rua em solidariedade aos manifestantes. Na sexta feira pela manhã a PM efetivou a retirada dos adolescentes, cerca de 15 resistentes. As ETECs ainda estão ocupadas. A OAB São Paulo apóia o pedido dos estudantes para a CPI das merendas.

Em síntese: estes dois casos, Brasília e São Paulo, mostram que as desigualdades existentes no País somente irão ter um aprofundamento em seu combate se mobilizações de caráter popular permanecerem e se multiplicarem. Como disse Erundina em sua ‘ocupação’ na mesa diretora da Câmara dos Deputados, retirar um criminoso como Cunha da liderança parlamentar não basta para recuperar os danos causados por ele e seus comparsas às vistas do mundo, contra a democracia e os direitos sociais que correm risco. Na Alesp, a luta dos estudantes contra a máfia que suga os recursos públicos e também contra o sucateamento educacional no Estado mais rico da Federação tem que ser respaldados. São manifestações como estas que dão alento em tempos tão sombrios como os vividos agora.

P.S.: Sobre a frase de Eduardo Cunha, sem quaisquer dúvidas, podemos afirmar que ele cumpriu o seu papel como importante vetor do golpe, mas, com o tamanho de sua ‘ficha-suja’, torna-se elemento não mais desejável para um mínimo de moral no processo. Este, agora não requer mais seus serviços, podendo ser descartado com cuidado. O temor é que Cunha entregue nomes importantes, caso do próprio vice-presidente, Michel Temer, que por várias vezes falou da importância de Cunha e de seus trabalhos. Ambos são do PMDB, partido que traiu Dilma. Tudo dependerá das pressões da justiça contra ele e seus familiares. Evidentemente, se houver o interesse em averiguação, ele poderá entregar muita gente, pois seu nome está envolvido em denúncias de várias investigações, inclusive no exterior. Claro, repito, se houver interesse em aprofundar averiguações.  São Paulo, 6 de maio de 2016

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

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