O Golpe Avança II

Fala-se muito em democracia. Ora, ela é bem mais do que uma ideia. Ela é uma construção que todos devemos participar. E isto de maneira onde o direito dos indivíduos deve ser respeitado profundamente, onde a justiça seja plena, correta e sem pender para a emoção, sendo usada racionalmente tratando os indivíduos como iguais, sendo rico ou pobre, branco ou negro, bacharel ou torneiro mecânico.

A democracia, ao longo da história republicana brasileira, sofreu bastante para chegar até aqui. Neste mês de março de 2016, para se ter uma ideia, completamos 31 anos sem que acontecesse o que foi rotineiro até então: ausência de liberdade para o povo e longos períodos de exceção. Democracia significa escolher governantes, ter livre e equilibrado funcionamento dos poderes e fazer valer a capacidade de fiscalização e controle pelo povo sobre quem exerce o comando. Por estes parâmetros fundamentais é perceptível que estamos ainda em um processo de amadurecimento, com boa distância de nações com longa continuidade democrática, como são os casos de Dinamarca, Reino Unido e Canadá. Mas, inquestionavelmente, vamos caminhando e aprendendo.

Nestas três décadas, o país foi sete vezes às urnas para eleger presidentes da República e ganhou uma nova Carta Magna. Através dela tivemos ampliados os direitos sociais, o STF realçou sua competência, o Ministério Público ganhou novas funções na área civil e, como derivada dessas questões constitucionais, foram criados o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, o Código do Meio Ambiente, o Marco Civil da Internet entre outros instrumentos importantes de direito. Porém, nem tudo são flores.

Estudiosos das Ciências Sociais mostram que, no geral, a população brasileira ainda tem atuação tímida em partidos políticos, sindicatos, orçamento participativo, conselhos de saúde, associações de moradores e afins, girando em torno de meros 2%. Lei da Ficha Limpa e Improbidade Administrativa foram exemplos de vontade popular que deram certo. Contudo, falta muito a se fazer. O sistema eleitoral e partidário não recebeu uma necessária reforma política. Em agosto/2015, com todo o debate sobre a relação promíscua entre políticos e empresários, o financiamento privado de campanhas eleitorais na Constituição foi confirmada pela Câmara, por 317 votos a favor e 162 contra e uma abstenção. Assim é que se deseja cortar as fontes de corrupção?

Ainda estamos sujeitos, também, à força da plutocracia e do peso dos grandes veículos de comunicação. Estes agentes exercem intensa pressão sobre os poderes constituídos e sobre a opinião pública. Em 2015 o Brasil tinha 8 bancos no ranking dos mais valiosos do mundo, com altíssima rentabilidade. Em meio a crise instaurada, os bancos no ano passado não tiveram crescimento menor do que 13%. O Itaú lucrou R$ 23,4 bi. Segundo o Banco Mundial, somos o 3º em spread bancário entre 114 países. Vale lembrar que em 2011 o governo Dilma fez esforço para baixar os juros e isto não agradou nem um pouco ao mercado. No caso da mídia, a concentração dela no País crava que apenas seis famílias controlam as principais empresas locais e absorvem 90% da receita publicitária pública e privada. Isto em 2015 chegou a ser tema de debate com agentes da ONU porque ausência de pluralidade é um risco para o direito à informação e, portanto, à democracia. Muitos analistas enxergam a imprensa como motor da oposição, uma vez que a oposição partidária tem se mostrado incompetente para fazer projetos e ganhar eleições. Exemplo: na semana passada, o senador petista Delcídio Amaral, preso desde novembro teria, em delação premiada, comprometido Lula e Dilma alegando que ambos conheciam irregularidades na Petrobrás. A acusação ‘vazou’ para a Revista Isto É. Em 48 horas Lula foi forçado a depor de maneira absurda à PF e MP. Curiosamente, Delcídio não confirmou o teor do publicado. Mas, e daí, não é? Além disto, na suposta delação, outros políticos foram arrolados como beneficiários de esquemas com a Petrobrás. Aécio Neves, PSDB, grande defensor da moralidade em seus discursos está no meio. Onde estão as manchetes garrafais? Onde estão os holofotes? Esse setor da imprensa está sendo desonesto. Falta o básico do básico: checar fontes, aula primária de jornalismo.  E vale destacar aqui também o papel de parte da justiça brasileira que, claramente, faz o jogo destes grupos interessados no impeachment e no desmonte da figura pública do ex-presidente Lula. Afinal, chovem denúncias contra a oposição, mas, tudo é muito lento, quando especialmente, ‘não vem ao caso para investigações’. Vide ‘mensalão mineiro’, que antecedeu ao do PT. Vide depoimentos da Lava Jato, envolvendo vários tucanos, que não vão adiante. Vide caso de Furnas. Vide helicóptero com meia tonelada de pasta de drogas. Vide Operação Zelotes que envolve gente da mídia e de ‘famílias de bem’ pouco próximas das forças populares e também não avança nos trabalhos de investigação. E muitos outros exemplos mais. Se é crime, se está na Lei, penalidade não pode ter partido ou classe social que o isenta. Fim de papo.

Desde o início de março vemos jornalistas flertando com a volta dos militares ‘para garantir a ordem pública’. Os quartéis estariam ‘temerosos com as crises política e econômica e desejam rapidez na solução e nome da Lei’. Isso é inadmissível. Uma abordagem desonesta. Típica de ignorantes da história e/ou bajuladores da ‘casa grande’. Não precisamos deste recurso.

Conforme a FAO/ONU o País entre 2001 e 2012 retirou 75% de pessoas da pobreza extrema e 65% da pobreza. Programas como o Fome Zero e Bolsa Família foram “cruciais para alcançar um crescimento inclusivo no país”. O crescimento da renda dos 20% mais carentes livrou o Brasil do global ‘Mapa da Fome’. Vivemos o ‘Pleno Emprego’ entre 2009 a 2014 (CAGED). Com toda crise existente, somos ainda uma das 10 maiores economias. O que precisamos é de isonomia, não seletividade e transparência da justiça para punir corruptos comprovados, de todos os matizes, assim como um Congresso zeloso, cidadão, pelo bem comum – não por apegos egoístas – para que, junto com a sociedade civil, prossigamos nossa jornada de desenvolvimento nacional dando empoderamento às minorias, respeitando as diferenças de opiniões e a voz soberana das urnas. Como se posicionou a CNBB há dois anos: ‘ditadura foi um erro’. Bastou. Mesmo porque os corruptos amam o silêncio imposto pelas ditaduras. E, infelizmente, cada vez mais fica claro que não é o ‘fim da corrupção’ o que todos estes senhores da oposição estão pretendendo. A Lei é para os inimigos. Aos amigos, isenção. Os verdadeiros democratas precisam se posicionar. São Paulo, 11 de março de 2016

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

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