Mercado de trabalho revela o resistente preconceito racial no Brasil em pleno Século XXI

A colonização do Brasil foi sustentada pela mão de obra escrava, especialmente dos africanos, embora muitos indígenas também tenham sido capturados para a labuta compulsória imposta pelos europeus conquistadores. Mas, de fato, a presença dos cativos do continente negro foi uma enormidade. Por serem considerados muito bons para o trabalho e pela existência de um comércio lucrativo para os negociantes, o trafico com esse artigo humano durou muito tempo. Foram ao todo 350 anos de trabalho escravo para um país que vem se formando a pouco mais de 500 anos. Em 1817, o Brasil tinha 3,6 milhões de habitantes e 1,9 milhão de escravos, ou seja, mais da metade da população! Em 1850, esse número pulou para 3,5 milhões de indivíduos. No total, nosso país trouxe da África algo em torno de 4 milhões de negros, quase a metade importada por todo o continente americano ao longo da história. E há pesquisadores que falam ter sido um número bem maior na realidade. De todo modo, como dizia o antropólogo e educador Darcy Ribeiro, o ‘povo brasileiro’ foi formado exatamente através deste encontro de índios – habitantes locais originais -, portugueses colonizadores e africanos, nos tornando diferentes de todo o restante do planeta. O fim da escravidão deu-se em 1888, com a Lei Áurea, através da assinatura da Princesa Isabel. Contudo, para isso, foi dura a luta, desde a resistência dos quilombos até os movimentos abolicionistas por todo o território nacional, confrontando a oposição de muitos senhores que não queriam o fim da escravidão por aqui. Ajudou muito também a postura do império britânico que se posicionava contrariamente ao uso de mão de obra escrava naquela época, embora eles próprios tivessem usado desse expediente em suas colonizações anteriormente. Mudaram de posição por conta da industrialização que levavam adiante e passaram a necessitar de maior número de consumidores, de gente assalariada, e não mais escravos. Foi uma libertação tardia. Enfim, um longo processo para conquistar igualdades de direito. Todavia, teríamos chegado a um bom termo a partir daí? Houve reconhecimento? Algum tipo de reparação? O pior é que não.

O destino das massas de afrodescendentes no Brasil republicano foi a criação de favelas, pois o país abraçava ainda durante a fase imperial os imigrantes europeus, que chegaram para ocupar espaço de trabalho no campo, especialmente para a lavoura cafeeira, riqueza nacional do período. Não foi concedido jamais ao elemento negro facilidades para a aquisição de terra ou de habitação. Dureza permanente para a ascensão social de seus descendentes. E o preconceito se estende ainda hoje com forte intensidade no país, pleno século XXI. Está aí para quem quiser enxergar, tirando o véu da hipocrisia da frente. E exemplo disso é o mercado de trabalho: uma experiência clara para se provar isso.

O Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos acaba de publicar uma pesquisa que mostra um trabalhador negro receber em média salário 36,11% menor que um trabalhador não negro. É um dos dados contundentes publicado no caderno “Os Negros no Mercado de Trabalho”. Os estudos foram feitos com base no Sistema Pesquisa Emprego e Desemprego (Sistema PED), realizado por meio do convênio entre o Dieese, a Fundação Seade, o Ministério do Trabalho e parceiros regionais no Distrito Federal e nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo.

É possível se observar que os negros recebem menos em qualquer comparação que se faça, seja por setores de atividades, seja por escolaridade. O segmento de negros é composto por pretos e pardos e o de não negros envolve brancos e amarelos. Vejamos alguns aspectos destacados no texto.

Segundo a pesquisa, no biênio 2011-2012, praticamente a metade dos ocupados 48,2% eram negros, porém suas remunerações por hora, em média, ficavam limitadas a 63,89% do ganho-hora dos não negros. E quanto maior for a escolaridade observada, mais se abre a desigualdade. Na Indústria de Transformação, por exemplo, o rendimento médio real por hora dos não negros ocupados foi de R$ 29,03 para aqueles que têm ensino superior, enquanto o de negros na mesma condição foi de R$ 17,39. A diferença era menor, embora desvantajosa sempre para os negros, no caso daqueles que tinham ensino médio (R$ 9,56 para não negros e R$ 7,13 para negros), fundamental completo (R$ 6,76 contra R$ 5,77) e fundamental incompleto (R$ 6,46 contra R$ 5,27).

Negros também têm mais dificuldades de chegar a cargos de direção e planejamento. Tomando como exemplo a experiência levantada em São Paulo: apenas 5,7% dos negros ocupavam esses cargos no biênio 2011-2012 ante 18,1% dos não negros. Os negros, porém, eram 61,1% em cargos de execução e 24,7% nos de apoio, na comparação com 52,1% e 23,3% dos não negros, respectivamente.

O preconceito racial deve ser execrado pela população como um todo e os direitos civis devem ser respeitados em um país que se propõe democrático e republicano. Pela desigualdade ainda presente e a resistência à sua extinção revelam-se claramente justas as políticas de quotas e inserções das minorias levadas adiante pelo Estado. Um dia, elas não mais deverão ser necessárias. Isto será verdade quando também for anulado o preconceito ainda resistente. São Paulo, 14 de novembro de 2013.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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