Indignação Globalizada

Dois eventos neste outubro se entrelaçam e nos fazem refletir sobre nossa conturbada época. O primeiro refere-se a duas datas de alertas no calendário das Nações Unidas. Uma diz respeito à luta pela segurança alimentar, no Dia Mundial da Alimentação (16 de Outubro). A outra é o Dia Internacional da Erradicação da Pobreza (17 de Outubro). Uma seqüência cuja coincidência faz muito sentido, por ter relações profundas entre si. O segundo evento, por sua vez, aponta à expansão dos movimentos sociais contra a crise financeira que aflige Europa e EUA. Caso do ‘Ocupem Wall Street’ e do 15 M na Espanha. No final de semana, dia 15 de Outubro, cerca de 80 países tiveram mobilizações. Seus participantes reivindicaram ‘democracia real já’ porque estão fartos dos abusos e explorações vivenciadas. Greves, paralisações e manifestações continuam acontecendo. Detalhemos então um pouco os fatos.
Começando pelas datas, a FAO/ ONU alertou que a crise econômica, os impactos energéticos, o aumento no preço dos alimentos, assim como fatores ambientais, colocam em risco a vida de milhões de pessoas no planeta a cada minuto. Estimativas da agência apontam que algo em torno de 1,4 bilhão de pessoas no mundo vivem em níveis de pobreza. E um sétimo das pessoas no planeta passa fome neste exato momento. Afirmam categoricamente que a inanição mata anualmente mais pessoas do que a aids, a malária e a tuberculose. Entre os anos de 2005 e 2008, vésperas da crise financeira internacional, os preços mundiais dos alimentos básicos alcançaram seus valores máximos em 30 anos. E o maior impacto disto recai precisamente sobre os mais pobres. Dados do Banco Mundial revelam que no biênio 2010-11 o aumento dos preços dos alimentos levou cerca de 70 milhões de pessoas para a pobreza extrema. Entre os alimentos mais afetados estão o milho e o arroz, duas coisas básicas para bilhões de pessoas. E essa árida realidade está presente especialmente nos países menos desenvolvidos, mais exatamente os localizados na África Subsaariana e no sul da Ásia.
Mas, não podemos também deixar de destacar duas coisas neste sentido: primeiro, o Brasil e países do Caribe melhoraram sua situação nos últimos anos devido aos programas de assistência social, no caso local o Bolsa Família e seus derivados. Todavia, é bom lembrar, há muitos países que não tem suporte financeiro para realizarem tal projeto devido a fraqueza de suas contas, com caixas extremamente limitados. Sério problema. O segundo ponto muito importante: a fome no mundo não ocorre pela insuficiência na produção de alimentos. Sim, o processo de modernização agrícola, a chamada ‘Revolução Verde’, elevou a oferta per capita de alimentos. Culpar o aumento da população, pura e simplesmente, é um argumento simplista, já que o grande problema da fome que violenta um grande percentual da população mundial é resultado da falta de renda – má distribuição – e não da insuficiente produção de alimentos. O caso do Brasil é exemplar: há 16 milhões de pessoas na faixa da miséria no país e, assim, portanto, correndo risco alimentar. Mas, isto não quer dizer que haja falta de alimentos em um país que exporta inclusive parcela considerável de sua produção agrícola e pecuária. A questão toda está, portanto, na mercantilização dos grãos, das commodities, que funciona com base nos interesses das grandes empresas, inclusive pelo seu uso como combustível.
E, apenas para fazer aqui um contraponto, para se ter uma idéia do ‘outro lado’ da moeda e o tamanho da insensatez existente, acaba de sair o novo Relatório da Riqueza Global, publicado pelo banco Credit Suisse. Os milionários e bilionários da Terra passaram a controlar 38,5% da riqueza mundial. A fortuna das 29,7 milhões de pessoas que têm mais de US$ 1 milhão (R$ 1,77 milhão) – eles representam menos de 1% da população mundial – alcançou US$ 89 trilhões (R$ 157,5 trilhões), ou seja, US$ 20 trilhões a mais do que no ano passado. E um detalhe: São Paulo é a sexta cidade no mundo em número de bilionários: 21 (Revista Forbes). Para essa gente não existe crise.
Quanto aos movimentos sociais que explodem pelo globo, eles apontam para um esgotamento da sociedade frente aos desmandos do poder financeiro internacional que abusa, ganha dinheiro na farra das especulações e, quando o circo dele quebra, exige que as populações paguem a conta, através dos cofres públicos, tirando dos serviços essenciais como saúde, educação e cortando direitos adquiridos. Dizem os ativistas sobre essa lógica perversa e muito cômoda de uso dos recursos estatais: “unidos em uma só voz, faremos saber aos políticos e às elites financeiras a quem eles servem, que agora somos nós, as pessoas, quem decidiremos nosso futuro”. E completa: “as pessoas não são mercadorias nas mãos de políticos e banqueiros”. “Somos 99% da humanidade vítima da barbárie social perpetrada sem piedade por esses senhores de gravata, salários de reis e contas bancárias com dinheiro que não pertence a eles” (Sítio Carta Maior).
Para se ter uma idéia mais precisa, no Velho Mundo, de acordo com números divulgados pelo Programa Europeu Alimentar, 43 milhões de habitantes encontram-se numa situação de risco nutricional e sem dinheiro para pagar uma refeição e 79 milhões vivem abaixo do limite da pobreza. Se os governos continuarem a fazer cortes orçamentários para financiar a crise dos bancos essa situação, claro, pode piorar. Em Portugal, por exemplo, se não houvesse a intervenção do Estado com auxílios, os 18% da população em risco alimentar hoje seriam mais de 41%. Do outro lado do Atlântico, nos EUA, a taxa de desemprego, há meses, está cravada nos 9,1%, com um período de espera de 40,3 semanas. São, então, 14 milhões em agonia no desvio.
Enfim, é extremamente significativo que a sociedade civil em diversos países se mobilize para dar um basta nesta estrutura existente. Uma ação indignada, positiva e global. É necessário que repensemos tudo isto: a desigualdade brutal e criminosa, o desdém pela situação do semelhante, o modelo de produção que não se importa com a sustentabilidade ecológica, a visão de mundo utilitária e consumista. O mundo não é ‘assim mesmo’, como se toda essa violência fosse algo ‘natural’. É preciso que lutemos para uma reeducação, uma nova cultura comunitária com mais justiça como valor maior. A roda da história começou a se mover mais rápido. O seu destino, quem decidirá, será o caráter de nossas ações.
São Paulo, 20 de outubro de 2011

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

2 Comments

  1. Pois é, e agora, por esses dias, há a estimativa de chegarmos à cifra de 7 bilhões de habitantes em nosso planeta, causando uma certa expectativa tanto pelo número, digamos, um tanto cabalista, e também gerando um debate quanto à capacidade de suporte (K), para toda essa população, considerando os recursos disponíveis, digo pelo ponto de vista biológico!
    É completamente preocupante todo esse cenário descrito pelo Prof. José Amaral, não só nesse artigo, como nos demais por ele publicados!
    Realmente, para podermos garantir um futuro para as futuras gerações, é extremamente necessário reconsiderar todo esse estado de coisas, reconsiderarmos os nossos “interesses” o quanto antes, para que não cheguemos em muito breve num estado em que não será mais viável esses ditos interesses: resumindo: não haja mais mundo!!!

  2. Penso que, se o Estado não socorrer os bancos e empresas a situação do país pode piorar, poís, são milhares de trabalhadores que estão na mão deste sistema perverso, pois bem, o Estado deveria agir como o MFI, deveria socorrer mas estatizar estas empresas, sentar na cadeira de presidente, usar a situação em beneficio da população.

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