Etiópia

O jornal britânico “The Guardian”, que há pouco havia denunciado a manipulação de dados sobre o acidente nuclear no Japão pelo seu governo, que buscava ocultar dados sobre a nova catástrofe nuclear, veio agora a público revelar que a Etiópia, ou mais precisamente o seu atual governo, está arrendando aos interessados que possam aparecer um pedaço do país por menos de 700 euros/mês por 50 anos. Equivale cerca de 35% da área continental de Portugal, três milhões de hectares, um quadrado com 173 km. Vai, concomitante, realocar as populações dessas áreas. Mais de 15 mil pessoas serão forçadas a migrar dali.
A Etiópia é um dos locais que registra história das mais antigas na humanidade. Desde o século X a.C. há organizações sociais na região. Ela está encravada no chamado ‘chifre da África’, cercada por Eritréia, Somália, Sudão e Quênia, com a segunda maior população do continente. É um país de predominância cristã, introduzido por missionários entre os séculos III e IV, havendo atualmente a convivência com islâmicos e rastafaris.
Além dos aspectos de riqueza cultural, a Etiópia é um dos países com maiores problemas de subnutrição do planeta. No ano de 2010 recebeu 700 mil toneladas de alimentos como ajuda humanitária. Mas, os investidores que ali aparecerem vão poder produzir colheitas de alto valor comercial como soja, óleo de palma, algodão e açúcar para exportação ao invés de cereais e outros vegetais para consumo das carentes populações etíopes. Assim, teme-se que aos impactos sociais junta-se a devastação ambiental porque terrenos serão queimados, as florestas abatidas e as zonas úmidas drenadas. Uma reconfiguração do ecossistema em grande escala. O governo oferece também aos investidores vários incentivos fiscais e estradas construídas com dinheiro público.
Planeja-se que a indústria exportadora terá por volta de 60 mil trabalhadores que vão ganhar menos de um dólar por dia. Tremendo contra senso: sua missão será trabalhar as terras para as quais não podem voltar com pleno direito e que haviam sido suas sempre.
Quais os benefícios para a população do país? Parece que quase nenhum. Ficam sem os alimentos e sem as terras para produzir e uma perspectiva de futuro comprometedora. Diferente do que acontece na zona acima do sahel onde as populações realizaram levantes populares como na Tunísia e no Egito, o poder repressivo do aparelho de Estado etíope garante a venda do antigo país em pedaços e coloca a economia ao serviço da extorsão. Ironicamente, há dias um relatório da ONU mostrou que a agricultura ecológica, desenvolvida por pequenos agricultores e sem se basear em químicos e pesticidas, pode dobrar a produção alimentar em África nos próximos dez anos. Mas, a perspectiva para a Etiópia, ao menos por enquanto é bem diferente.
Num momento em que um país soberano como a Líbia, que tem um IDH melhor que o brasileiro, está sendo invadido pelas potências estrangeiras para ‘democratizar’ o local, por que não se pensar em uma ação comunitária efetiva para investir na agricultura familiar e matar a fome em países como a Etiópia? Será que não seria este um mecanismo mais real de levar democracia aos povos africanos, isto é, possibilitando que eles possam se alimentar? São muito hipócritas essas relações internacionais, não acham?
São Paulo, 30 de março de 2011
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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