Dilma na ONU em pleno transe global

Neste dia 21 de setembro de 2011, pela primeira vez na história, uma reunião da Assembléia Geral das Nações Unidas – ONU foi aberta por uma mulher. E este tardio privilégio, após 66 anos de existência da entidade, foi realizado por uma latino-americana, a presidenta Dilma Rousseff, do Brasil. E ela não foi ‘a passeio’. Quando ocupou a tribuna para quebrar tamanho tabu, o fez com propriedade. Falou com firmeza sobre as posições do Brasil frente ao mundo em polvorosa que vivemos, deixando claro que a geopolítica está mudando e o antigo bloco do G7 (EUA, Inglaterra, França, Alemanha, Japão, Itália e Canadá) não consegue mais, sozinho, impor suas vontades absolutas como se deu ao longo do século XX. Seu discurso, feito em português, durou 24 minutos e foi, por quatro vezes, parado devido aos aplausos dos membros da ONU. Destacou, em língua pátria, cinco palavras femininas que lhes são caras: vida, alma, esperança, coragem e sinceridade. Ela é protagonista de um mundo em transe.
Dilma falou sobre o papel da mulher no mundo contemporâneo. E mostrou que sua presença ali simbolizava a democracia e a igualdade. Previu, então, que o século XXI será o tempo das mulheres. Momento de mudança para um equilíbrio verdadeiro entre os gêneros. Em suas falas nos eventos paralelos à reunião da Assembléia Geral Dilma lembrou que são as mulheres as que mais sofrem com a pobreza extrema, o analfabetismo, as falhas dos sistemas de saúde, os conflitos e a violência sexual. Destacou que no Brasil, por exemplo, onde 52% da população é feminina, sua representatividade no Congresso Nacional é de apenas 10%. O Brasil, aliás, conforme o Relatório “Desigualdade Global de Gênero/ 2009” da ONU, entre 134 países pesquisados, ocupa o vexatório 82º lugar.
Ela também abordou a falta de legitimidade que cada vez mais toma conta do Conselho de Segurança da ONU, que foi criado no período da ‘Guerra Fria’, iniciado no pós-1945 e estendendo-se até 1989 com a queda do ‘Muro de Berlim’, o final do Socialismo Real. Hoje as questões de geopolítica mudaram e o papel dessa entidade precisa ser revisto. Porém, há 18 anos essa pauta não tem avanços na discussão. Para Dilma, o Conselho de Segurança deve refletir a realidade contemporânea e, assim, incorporar novos membros permanentes e não permanentes, em especial, representantes dos países em desenvolvimento. E o Brasil “está pronto para assumir suas responsabilidades como membro permanente.” Lembrou dos acontecimentos envolvendo a ‘Primavera dos Povos Árabes’, que clama por maior liberdade e democracia no mundo islâmico e se o Conselho estivesse já reformado, a seu ver, teria sido um interlocutor muito mais apropriado para as necessidades existentes neste momento. E colocou: o Brasil se solidariza com o “ideal de liberdade” e repudia “com veemência a repressão brutal” que agrediu civis nestes movimentos. Ela própria foi vitima de tortura e cárcere na luta contra a ditadura.
Aproveitou também para saudar a chegada do Sudão do Sul, novo membro da ONU e, ao mesmo tempo, lamentar a ausência ainda do Estado da Palestina livre e autônomo. Aplaudida, Dilma afirmou que o sonho de soberania é um direito “legítimo do povo palestino” que, se realizado, ajudaria a promover a paz no Oriente Médio. “Acreditamos que é chegado o momento de termos a Palestina aqui representada a pleno título”, confrontando histórica posição de EUA e Israel. A Palestina seria o estado nº 194 da ONU. Não custa apontar que Barack Obama, também discursando Assembléia Geral, voltou a afirmar que “não há atalhos para a paz” e esta “não será alcançada por resoluções das Nações Unidas”. Serão palestinos e israelenses quem devem negociar acordos. Como se sabe, os palestinos querem de volta os territórios ocupados pelos israelenses desde 1967 e pedem que o mundo, através da ONU, assuma suas responsabilidades pelo fato apoiando a reintegração dos territórios. É importante lembrar que desde dezembro de 2010, ainda no governo Lula, o Itamaraty emitiu comunicado aderindo o reconhecimento do Estado da Palestina dentro das fronteiras de 1967, incluindo Cisjordânia, Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza. Existem hoje, pelo menos, 5 milhões de palestinos exilados.
Dilma também se posicionou frente a crise financeira contemporânea. Chamou o momento de “extremamente delicado” e criticou a falta de recursos políticos, especialmente dos países ricos, para resolver a questão. Citou o protecionismo exercido por eles, manipulações cambiais e o aumento no desemprego de sua força de trabalho, que ajudam a produzir algo em torno de 200 milhões no desvio por todo o globo. Criticou a grande liberdade exercida pelo capital financeiro especulativo e as decisões de vários governos ao optarem por caminhos recessivos como forma de corrigir suas dívidas, ao invés do crescimento econômico. Lembrou que o Brasil tem se saído bem em seu papel, na geração de emprego e da estabilidade da economia, com programas sociais. Mas, assim como outros países em desenvolvimento, tem capacidade de resistência limitada. Defende-se apoiado no seu mercado interno, porém, preocupa-se com os efeitos do cenário exterior.
Fechou sua participação voltando a falar novamente na importância do papel da mulher e parabenizando ao Secretário Geral Ban Ki-moon, por estimular debates sobre as questões de gênero. Foi, mais uma vez, ovacionada pela platéia.
Inquestionavelmente a presença da Presidenta do Brasil na ONU foi um fato pioneiro e histórico. E ele revela, como bom exemplo, as transformações do mundo contemporâneo com a ascensão feminina e a ampliação dos interlocutores políticos. O centro de gravidade das decisões está aos poucos se deslocando do ‘norte para o sul’. Países como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul têm mais o que dizer. Não bastam apenas as velhas potências do hemisfério setentrional. Novas dinâmicas que, para muitos, podem colocar a China – que tem uma forma de ‘jogar’ também questionável, diga-se, vide manipulação cambial, baixos salários, poluição e. o. – em 10 anos como a maior economia do mundo. Novas idéias, que defendem sustentabilidade do meio-ambiente. Novas políticas, que pretendem não vitimizar mais a população com desemprego para fazer superávits fiscais. Será um mundo melhor? Tomara. Mas, só o tempo para dizer com certeza.
São Paulo, 22 de setembro de 2011, a poucas horas da chegada da Primavera.

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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