Chacinas e a estupidez da justiça sem razão

Nesta sexta feira, 28 de agosto de 2015, um ato foi realizado na Avenida Paulista para não deixar cair no esquecimento e, mais que isso, cobrar efetivas ações do governo do Estado de São Paulo pela chacina ocorrida em Osasco e Barueri, na região metropolitana da capital, no dia 13 passado e mostrar solidariedade às famílias e amigos enlutados. O evento foi promovido por voluntários da organização não-governamental – ONG Rio de Paz.

O ato teve a colocação de 19 sacos pretos com os nomes das vítimas sobre a calçada em frente ao Museu de Arte de São Paulo, o MASP. Os voluntários também se vestiram de preto e se amordaçaram. A Avenida Paulista é um dos cartões postais da cidade e sede de inúmeras empresas importantes. Já é a segunda manifestação promovida pela Rio de Paz no local. O objetivo dos ativistas é alertar sobre o que acontece nas periferias e com a população pobre, com o descaso das autoridades. E de parcela da própria população.

E este triste caso é um forte exemplo.  Três grupos, com pelo menos 10 indivíduos armados e encapuzados em cada um deles, entre 20:30 e 23:10 hs, atiraram em moradores de 10 pontos de Osasco e Barueri. Foram registradas armas de 9 mm, usada nas Forças Armadas, 38 e 380, usada na Guarda Civil, e o antiquado 45. Em um dos ataques sabe-se que as vítimas foram enfileiradas e os criminosos questionaram se havia gente com antecedentes criminais. Feita a ‘triagem’, executaram sua ‘justiça’ ali mesmo. Seis dos 19 mortos tinham passagem pela polícia e não há maiores ligações entre as vitimas. A PM trabalha com uma hipótese de vingança, porque no início do mês dois policiais foram assassinados na região. Estavam à paisana e teriam reagido a assalto. É uma possibilidade, cujas apostas cada vez mais recebem apoiadores. E, se comprovada a irresponsabilidade, uma clara desonra à farda, por igualar o militar a um bandido.

A chacina aconteceu há duas semanas, porém, até agora, pouco foi esclarecido, mesmo com gravações de vídeo tendo captado algumas das cenas, revelando estratégias e atitudes dos criminosos, que puderam ser analisadas por especialistas. Esta ausência de respostas efetivas serve apenas para espalhar o terror na periferia, onde a presença da lei acaba sendo mais ‘rarefeita’. Há dois dias a Justiça Militar do Estado de São Paulo decretou a prisão preventiva de um soldado, suspeito de ter participado do barbarismo. Embora negue, ele foi reconhecido pessoalmente por um sobrevivente. Ao mesmo tempo, a mais recente vitima estava sendo enterrada em Osasco. Uma adolescente, 15 anos, que estava na calçada com uma amiga, quando foi atingida por um tiro dos violentos criminosos. É a maior chacina do ano até aqui, que já registrou outras cinco na Grande São Paulo. Segundo o Secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, três estão elucidadas. É, também, a maior chacina da história do Estado desde o Massacre do Carandiru, em 1992.

Em 2015, conforme organizações sociais em defesa dos pobres e população da periferia, estima-se que 72 pessoas foram assassinadas na região metropolitana em circunstâncias cujo ‘modus operandi’ é típico dos grupos de extermínio. E para essas entidades, é bastante comum a grande mídia comercial dar um viés pouco esclarecedor dos fatos, chegando mesmo a distorcê-los, dando ênfase a argumentos do tipo “alguns mortos têm passagens pela polícia”, como se o fato, por si só, legalizasse as execuções sumárias. Tremendo desserviço. E neste caso exemplar, como dissemos, dos 19 mortos, com registro havia 6. Irracional justiça. Assim, 13 desses infelizes, nem ao menos esse critério seletivo estúpido os envolvia. É a barbárie em pleno século XXI, dentro do Estado mais poderoso da Federação. Uma expansão de egoísmo, de não solidariedade ao próximo, especialmente aos mais vulneráveis, aos mais pobres. Espírito de ‘que se dane’, de responsabilização do miserável por ele ser assim, culpando-o por ‘tornar feio meu caminho’, pertencente que está na paisagem urbana da metrópole. Extermínio é a solução ou, no mínimo, o encarceramento.

A redução da maioridade penal (PEC 171/1993), acontecida há pouco, é reflexo disto, dessas distorções repetidas, que amplifica uma visão conservadora e obtusa, culpabilizando sempre o pobre pelos crimes. Um dos argumentos mais intensos e repetidos pelos seus defensores é a facilidade para fazer homicídios com que os jovens cometeriam tendo impunidade para tanto. Pois a UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância indica que apenas cerca de 1% dos homicídios registrados no país é cometido por adolescentes entre 16 e 17 anos. Em números absolutos, isso equivaleria a algo em torno de 500 casos por ano — o total de homicídios registrado no país em 2012, ano base das estimativas, foi de 56.337. Outro exemplo aqui: dados da Fundação Casa demonstram que 1,5% dos internos no Estado paulista cometeram homicídio. A maioria está detida por tráfico de drogas (41,8%) e roubo (44,1%).

E essa criminalização e as suas execuções sumárias acabam atingindo, em especial, jovens negros na periferia. Segundo o mais recente Mapa da Violência, entre as 56.337 pessoas assassinadas no país, 30.072 tinham entre 15 a 29 anos. Destes, 77% (23.160) eram negros. Para concluir estes fatos horrorosos e, infelizmente, repetitivos, embora as autoridades e grande imprensa lamentem e pouco realizem para mudar o cenário, segundo a ONU – Organização das Nações Unidas, em relatório inédito sobre prevenção global da violência, o documento revela que 475 mil pessoas foram assassinadas no mundo em 2012. Na Europa, os homicídios foram 10 mil. Nosso país tropical, ‘bonito por natureza, de gente alegre e cordial’, contribuiu com 47 mil mortos para a lamentável contabilidade internacional. Isto representa 10% do total global.

É a impunidade prevalecendo e a glamourização da violência, com alto grau de preconceito incluso, em nossa irada sociedade. São Paulo, 28 de agosto de 2015.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

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