Mais de 200 artistas alertam para o estado da arte em Portugal

Da Redação
Com Lusa

Mais de 200 artistas vão entregar na quarta-feira uma carta ao primeiro-ministro, António Costa, em Lisboa, na qual alertam para a “situação preocupante da arte contemporânea em Portugal” que envolve mercado, crítica, galerias, coleções, instituições e museus.

Na missiva, intitulada “Estado da Arte em Portugal”, que será entregue na quarta-feira, às 18:00, no Palácio de São Bento, os artistas portugueses pedem “um fundo do Estado para aquisições, a criação de uma agência para a arte contemporânea separada da DGArtes [Direção-Geral das Artes] e urgentes alterações fiscais”.

A carta, que será entregue emoldurada, como “oferta simbólica ao primeiro-ministro”, é assinada por mais de 200 artistas plásticos de várias gerações, como Fernanda Fragateiro, Albuquerque Mendes, André Cepeda, Carlos Noronha Feio, Maria Trabulo, João Tabarra, Jorge Molder, Gabriela Albergaria, Isabel Aboim, Julião Sarmento, Inez Teixeira, Hugo Canoilas e João Cutileiro.

Os artistas acusam o Estado de, “ao longo dos anos, ter-se alheado das suas responsabilidades, porque é escassa a verba institucional dedicada à cultura e consequentemente às artes visuais”.

“Com a crise dos últimos anos, perdeu-se uma geração de artistas — ou terão os artistas de continuar a emigrar por falta de solução, nem vinda do Estado, nem do mercado? Restará aos artistas — velhos, novos, bons, maus — apenas o silêncio na sobrevivência? A frustração e o ressentimento? O conformismo e a desistência?”, lê-se na missiva, divulgada pelo artista Pedro Portugal.

Os signatários alertam para “o ‘fim’ do mercado e o ‘fim’ da crítica”, assinalando que o mercado da arte em Portugal “é uma falácia”.

“Nem há horizonte nem há visibilidade. A escala e posição demogeográfica de Portugal são os argumentos quando não há estratégia cultural”, criticam.

Escrevem ainda que “as galerias em Portugal não têm capacidade econômica para uma atividade sustentada e regular de investimento na produção, circulação e promoção do trabalho dos artistas nacionais”. “O circuito do Art World é frequentado por um muito reduzido número de galerias e sem fôlego competitivo, face aos parceiros internacionais”.

“As galerias contam com feiras epigonais (também as galerias estão na sobrevida) onde, com sorte, vendem um não português que as sustente o resto do ano”, dizem.

Acrescentam que “os atuais colecionadores que compram com continuidade e com coleções estruturadas escasseiam em Portugal”. “O que existe são apreciadores de arte e alguns curiosos que fazem compras pontuais: essa é a característica da grande percentagem dos compradores e que não faz um mercado”.

Descrevem ainda que, “nos últimos anos, alguns destes poucos compradores derivaram para os mercados internacionais e para a compra direta em leilões, abandonando ainda mais as galerias nacionais, não contribuindo positivamente para o mundo da arte a que gostam de pertencer e onde querem ser socialmente e artisticamente respeitados”.

“Hoje tudo mudou. O colapso de 2008 foi o super-argumento para bancos e empresas interromperem a aquisição de obras de arte”, dizem, acrescentando que as principais instituições culturais e colecionadores deixaram de comprar obras de arte.

Consideram ainda que os espaços onde a arte contemporânea é mostrada hoje “é uma manta de retalhos, resultante de um conjunto de coleções, pensadas casuisticamente e sem estratégia a médio e longo prazo”.

Defendem a criação de um programa para “fundar uma coleção de arte portuguesa contemporânea consequente para gerações futuras e um local, ou vários, onde pudesse ser visitada de forma permanente, como acontece nas outras capitais da Europa”.

“Não é necessário criar mais museus, o que é necessário é saber o que fazer com os atuais”, advogam.

“A arte é cada vez mais um pequeno — glamoroso — nicho do mercado de capitais. As grandes superfícies culturais são cúmplices do roteiro dessa valorização financeira. O pequeno colecionador ignorante quer reproduzir os critérios globais, sendo que o artista que ‘vale’ é sempre o ‘internacional’ que se vende na [leiloeira] Sotheby’s”, escrevem na missiva.

Durante a crise, “as leiloeiras venderam ao desbarato, desvalorizando irresponsavelmente artistas portugueses, e colocando algumas carreiras já solidificadas em situações complicadas”.

Criticam ainda o orçamento da Direção-Geral das Artes por – indicam – distribuir dez por cento para as artes visuais, e 80 por cento para as companhias de teatro, dança e interdisciplinaridade.

Consideram que “foi um erro” juntar no mesmo Instituto ou Direção Geral, as Artes Visuais e as Artes do Espetáculo, e lamentam que as organizações de classe de artistas se limitem as instituições como a Sociedade Nacional de Belas-Artes ou cooperativas como a Árvore ou a Diferença.

Defendem a necessidade de “todos os agentes que participam nesta arena, artistas, curadores, galeristas, instituições, críticos e outros agentes sejam mais reivindicativos e com um papel ativo junto das estruturas decisórias do Estado”.

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