FHC diz que CPLP deixou de ser importante para o Brasil com Bolsonaro

Ex-Presidente da República do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, posa a foto durante a entrevista à agência Lusa, Lisboa, 26 de junho de 2019. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Da Redação
com Lusa

O ex-Presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso defendeu que é “importante” o seu país manter-se na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), mas acha que o atual Governo brasileiro não vê interesse na organização.

“Como atitude é bom que o Brasil se mantenha na CPLP. Economicamente não, mas culturalmente é importante. Mas os brasileiros muitas vezes não sabem disso”, afirmou Fernando Henrique Cardoso em entrevista à Lusa em Lisboa.

Porém, o ex-Presidente não vê que a organização “tenha interesse” para o atual governo brasileiro, liderado por Jair Bolsonaro.

“O governo de Bolsonaro não demonstrou até agora, na política externa, outros interesses que não sejam com os Estados Unidos. Com o mundo ocidental cristão”.

Ora, sendo o maior cliente do Brasil a China, “esse é um problema objetivo”, afirmou.

Para o antigo Presidente, o seu país “não pode tomar uma posição antecipadamente a favor de um dos lados (…). Temos é que ver qual é o nosso interesse nacional”.

Mas, neste momento o Brasil está “um pouco paralisado por uma luta ideológica, que não tem nada a ver com o interesse real das pessoas do Brasil”, referiu.

“Eles inventaram um fantasma, um mundo antiocidental, anticristão”, afirmou, referindo-se ao atual executivo brasileiro.

Ainda em relação à CPLP aponta que o Brasil tem interesse direto em alguns países de África: “Na CPLP o que contava mais para nós era Angola e um pouco de Moçambique”, em termos econômicos.

Mas esse interesse diminuiu, também graças à Lava Jato, considerou Henrique Cardoso, a mega operação de investigação anticorrupção levada a cabo no Brasil, que conduziu muitas das figuras do mundo empresarial e político do Brasil à prisão nos últimos anos.

“Empresas brasileiras que se multinacionalizaram sofreram com o processo da Lava Jato. Esse foi também um erro da Lava Jato, porque não responsabilizaram só os empresários, acabaram com as empresas, e isso é ruim para o país. Nós perdemos instrumentos de ação empresarial”, afirmou Henrique Cardoso.

“Falta liderança a Bolsonaro”, afirmou Fernando Henrique Cardoso, em entrevista à Lusa, em Lisboa, onde se deslocou esta semana para participar numa conferência internacional sobre droga.

“O Presidente atual está perdendo apoio”, porque lhe falta também “entender a responsabilidade do poder” que tem, considerou.

Bolsonaro “está há muito pouco tempo no governo para perder apoio (…) dos que votaram nele. E aí, sabe como é na política, atribui-se a culpa e é um processo que se autoalimenta de desilusão”, avisou Fernando Henrique Cardoso, que foi presidente do Brasil por dois mandatos, de 1995 até 2002.

Reforma política

FHC disse que o seu país está num processo de “transição” para novas lideranças e defendeu uma grande reforma política, aproximando eleitos de eleitores. No caso do Brasil, a nível político, “não só as instituições têm de se renovar como as gerações têm de se renovar”, afirmou.

“Os tribunais estão funcionando, o congresso está tomando decisões e a liberdade se manteve. Alguns setores estão assustados, e têm lá as suas razões, mais pela verbalização do que pela ação”, do atual Presidente, considerou Fernando Henrique Cardoso.

No “desenho das instituições [políticas] tem alguma coisa que não está funcionando. Eu acho que é preciso uma reforma viável”, afirmou.

E para que essa reforma avance, é necessário levar o povo a acreditar nos partidos, defendeu Fernando Henrique Cardoso.

Neste contexto, disse que “a reforma mais importante é mudar o voto, fazer o voto distrital misto, para aproximar mais o eleitor do seu representante”, em vez de ter por base a eleição por estado.

Na opinião do antigo chefe de Estado do Brasil, não pode continuar a existir a distância que hoje existe entre as duas figuras. Porque “o eleitor vota e esquece em quem votou”.

“Você vota numa lista enorme de pessoas e a base eleitoral é o estado. Ora, só o estado de São Paulo tem 45 milhões de habitantes”, explicou.

Por isso, o antigo chefe de Estado defendeu que “a reforma política sensata é introduzir o voto distrital misto, para fortalecer partidos”.

“É preciso ter instituições fortes, que garantam a continuidade, porque o grande chefe morre. No Brasil de hoje quem é que é grande chefe? Não sei. Os que existiam estão na cadeia. O Lula foi, mas está na cadeia. Então o melhor caminho não é o dos líderes carismáticos”, afirmou.

Moro

Sobre Sérgio Moro, atual ministro da Justiça brasileiro, disse é “um bom juiz”, mas precisa de mais para ser um bom governante.

“Eu conheço pouco Moro, vi-o algumas vezes, mas ele é juiz, eu acho que correto, procura ser, agora ministro é outra coisa. É preciso uma vivência política”, afirmou Fernando Henrique Cardoso em Lisboa, onde se deslocou esta semana para participar numa conferência sobre droga.

Sérgio Moro “tem um sentido histórico importante. Pela primeira vez, gente rica e poderosa no Brasil foi para a cadeia, em grande número. E não foi só ele [o responsável por isso], mas a Justiça. E ele simboliza isso”.

Por isso, “mexer com Moro, mexe ao mesmo tempo nessas questões”, alertou.

Considerando que Sérgio Moro tem popularidade, além de respeito como juiz, Fernando Henrique Cardoso salientou porém que essa fama “não quer dizer respeito”.

“Ele era um homem muito respeitado nas suas decisões como juiz, e o que é que estão tentando agora? Quebrar o respeito a ele. Dizendo olha ele fez isto, porque queria aquilo”, afirmou.

O que está acontecendo é “uma tentativa de diminuir a respeitabilidade do Moro”, frisou.

Para Fernando Henrique Cardoso, o pacote anticrime que o ministro da Justiça apresentou até tem “algumas medidas que são importantes e devem ser aprovadas”, como as que visam equipar melhor os sistemas de informação, porque, no Brasil, “há uma deficiência grande na repressão ao crime organizado por falta de conhecimento, de entender melhor como funciona” o crime organizado.

Fernando Henrique Cardoso foi citado em mensagens de Moro, divulgadas pelo jornal Intercept, mas o ex-Presidente minimizou o assunto.

“No meu caso não existe uma acusação efetiva de desvio de conduta. E nunca houve nenhum processo em função disso. Mandaram lá não sei para que instância e eu nem tomei conhecimento. Eu tenho a seguinte posição: Durmo à noite. E isso é o mais importante para quem foi presidente, ministro, senador”, respondeu.

O Intecept revelou na semana passada que o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, terá procurado descredibilizar as investigações sobre o ex-Presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso por não querer “melindrar alguém cujo apoio é importante”.

Sobre a possibilidade desta divulgação de mensagens poder levantar suspeitas sobre si, Fernando Henrique Cardoso respondeu: “suspeitas têm de ter alguma base. No meu caso não tem.”

“Alguém, em algum momento, terá dito que era preciso investigar se eu teria feito alguma coisa, e o Moro terá dito, olha, cuidado”, foi isto que aconteceu, na sua opinião.

Quanto às mensagens, Henrique Cardoso diz que não viu qualquer ato errado de Moro, minimizando: “O político é responsável não pelo que faz mas pela consequência dos seus atos”.

1 Comment

  1. Não tenho comentário, exceto o registro de contentamento em poder participar de uma comunidade lusófona com troca de mensagens e ideias. Rogerio Belda

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