Secretário Executivo da CPLP defende língua portuguesa com “potencial a desenvolver” em termos econômicos

Por Igor Lopes
Para e-Global

O diplomata português Francisco Ribeiro Telles está à frente da Secretaria Executiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) desde janeiro deste ano. Apesar do curto período, este responsável conhece bem a realidade dos países membros do grupo, muito em virtude da sua experiência profissional no campo das relações internacionais, além de ter passado por algumas embaixadas como as de Cabo Verde, Angola e Brasil. Vencedor da primeira edição do Prémio Francisco de Melo e Torres, em 2013, criado pela Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa para distinguir o Melhor Diplomata Económico, este Secretário Executivo tem se mostrado defensor da promoção da língua portuguesa e do fortalecimento dos países integrantes da CPLP em vários domínios.

Em entrevista exclusiva à nossa reportagem, Ribeiro Telles falou sobre o cotidiano da Comunidade, revelou que existem avanços no campo da mobilidade, da promoção da língua portuguesa e da cooperação na área dos oceanos, destacou como necessário estabelecer mecanismos eficientes de diálogo e envolvimento no seio da CPLP, avaliou positivamente o papel das Missões de Observação Eleitoral do grupo, reconheceu a importância da atuação de António Guterres na ONU como forma de divulgar a CPLP, sublinhou ser primordial apostar no potencial económico da língua portuguesa, falou sobre o Vocabulário Ortográfico Comum (VOC) e sinalizou que devem ser promovidas ações de capacitação de empresários com o intuito de se incrementar a segurança jurídica dos investimentos no espaço da CPLP.

Em termos gerais, quais são a importância e o peso político, social e económico de ter um cidadão português ocupando o cargo de Secretário Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa?

Em primeiro lugar tenho que agradecer ao governo do meu país ter-me considerado à altura do desafio de ocupar esta importante posição, bem como aos Chefes de Estado e de Governo de todos os Estados-Membros da CPLP, por terem depositado em mim a sua confiança. Desempenhar as funções de Secretário Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa constitui uma honra e um privilégio e, do ponto de vista pessoal, representa o culminar de uma carreira durante a qual tive a oportunidade e a felicidade de ter contato com todos os países integrantes da nossa organização.

Identifico também na minha gestão o encerramento simbólico de um ciclo na vida da CPLP, já que, com a assunção de um nacional português, todos os Estados-Membros fundadores da Comunidade terão tido um seu cidadão a ocupar esta função.

O facto de ser um diplomata auxilia nas suas novas funções?

Cada um dos meus antecessores trouxe consigo uma bagagem e uma experiência próprias que naturalmente influíram no modo como exerceram os seus respetivos mandatos. No meu caso, trago a experiência acumulada do ofício que venho exercendo ao longo da minha trajetória profissional, que é a diplomacia.

Como referi antes, tive a oportunidade de acompanhar e testemunhar acontecimentos importantes em vários Estados-Membros da CPLP, e vivi importantes períodos da minha vida em três deles (Cabo Verde, Angola e Brasil). Espero que esse conhecimento e essa convivência sejam mais-valias e contribuam para que eu possa desempenhar as minhas novas responsabilidades da melhor forma possível.

Que desafios encontrou, ou espera encontrar, durante a sua gestão à frente da CPLP?

A CPLP, como todo o organismo internacional, enfrenta o desafio permanente de renovar e fortalecer o compromisso político que lhe deu origem. Para tanto, precisa apresentar resultados concretos que reflitam, ao mesmo tempo, as aspirações comuns e os interesses de cada Estado-Membro.

Nesse momento, creio que estes resultados são particularmente relevantes no que diz respeito a avanços no campo da mobilidade, da promoção da língua portuguesa e da cooperação na área dos oceanos, que constituem as prioridades da atual presidência cabo-verdiana da Comunidade.

Devo ressaltar, ainda, que o universo da CPLP engloba hoje também um número significativo de Observadores Associados (18 países e uma organização internacional) e de Observadores Consultivos (grupo formado por cerca de 80 organizações da sociedade civil, fundações, universidades…). Estabelecer mecanismos eficientes de diálogo e envolvimento destes atores nas atividades da CPLP consiste também num desafio a ser enfrentado com uma certa urgência.

Em sua opinião, os propósitos da CPLP estão a ser alcançados? Existe, de facto, um trabalho reconhecido em termos de “união” entre os países de língua portuguesa?

Sim. Estou convencido de que, ao longo de seus quase 23 de existência, a CPLP conseguiu consolidar-se como uma organização singular, que reúne países diversos ligados por profundos laços históricos e culturais, e que oferece aos seus membros uma plataforma de diálogo, concertação e cooperação na qual todos se podem reconhecer.

Desde a sua criação, os Estados-Membros da CPLP atravessaram mudanças significativas, com avanços tangíveis no que respeita à sua estabilidade interna, à solidez das suas instituições e dos órgãos de soberania, à justiça social e à economia. Esse processo foi acompanhado de perto e, em muitas ocasiões, apoiado pela CPLP. Menciono, como um exemplo que me parece especialmente relevante, o papel das Missões de Observação Eleitoral da CPLP no acompanhamento de processos eleitorais em vários Estados-Membros, que constituem momentos importantes para o fortalecimento das instituições democráticas.

 

Qual é a relação da CPLP com os demais países do globo e com outros blocos políticos e económicos?

Uma das peculiaridades da CPLP é a dispersão geográfica de seus membros, que estão espalhados por quatro continentes. Nesse sentido, cada um de nossos Estados-Membros está também inserido nos processos de integração de suas respetivas regiões: União Europeia, Mercosul, ASEAN, União Africana, CEDEAO, SADC… Isso é potencialmente uma vantagem comparativa da organização.

Ao mesmo tempo, a dispersão geográfica tem desempenhado um papel importante no crescente interesse que a CPLP tem despertado junto de países que se têm vindo a aproximar da organização por meio da categoria de Observador Associado. Desde 2014, 16 países e uma organização internacional – a Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) – foram admitidos nesta categoria. A CPLP possui hoje 19 Observadores Associados e um significativo número de outros países já sinalizaram a sua intenção de requerer aquele estatuto no âmbito da preparação da próxima Conferência de Chefes de estado e de Governo, em Angola, 2020.

Que imagem a CPLP tem hoje no mundo?

A CPLP tem conseguido, em diversas ocasiões, consertar posições comuns e manifestar-se de forma conjunta em vários fora e eventos internacionais, especialmente no âmbito das Nações Unidas. Temos, também, logrado obter o apoio dos Estados-Membros da organização a candidaturas de cidadãos oriundos do espaço da Comunidade a importantes cargos no sistema internacional.

Não posso deixar de referir, naturalmente, o facto de o Secretário-Geral das Nações Unidas ser atualmente um nacional de um membro da CPLP. Estou seguro de que a atuação do Engenheiro António Guterres à frente das Nações Unidas tem tido e terá efeitos positivos sobre a imagem da CPLP como um todo. E devo, igualmente, recordar outros destacados dirigentes de organizações internacionais oriundos de países da CPLP, como o Embaixador Roberto Azêvedo, na OMC, José Graziano da Silva, na FAO, e António Vitorino, na OIM.

Em resumo, a CPLP é hoje uma organização que conquistou o seu espaço na complexa arquitetura da ordem internacional, o que certamente tem contribuído para o aumento exponencial do interesse de diversos países em se aproximarem da Comunidade, como referi acima.

Como Secretário Executivo, como avalia que deve ser a relação dos países africanos integrantes do grupo com as demais nações participantes? Qual é o papel da África nesse sentido de existência e funcionamento da Comunidade?

Cada Estado-Membro da CPLP tem características próprias que resultam de sua história e de seu processo de desenvolvimento político, social e económico. A CPLP oferece um espaço para que cada país membro possa manifestar e projetar os seus interesses e prioridades nacionais num ambiente de igualdade, tendo como horizonte a construção de consensos e o fortalecimento da ação conjunta em prol do desenvolvimento coletivo, do qual todos possam beneficiar.

Em termos empresariais, que medidas estão ser tomadas para que os países membros mereçam destaque no cenário internacional e comercial e possam se desenvolver?

Tem havido uma crescente mobilização de setores empresariais dos Estados-Membros da CPLP no sentido de estimular e incrementar as oportunidades económicas, de comércio e de investimentos no espaço da Comunidade. A Confederação Empresarial da CPLP, que detém o estatuto de Observador Consultivo da organização, tem exercido um papel de relevo nesse movimento e tem buscado sensibilizar os governos de cada Estado-Membro para a importância de que sejam tomadas iniciativas na esfera coletiva, com vista a uma maior cooperação económica entre os nossos países. Como noutras áreas setoriais, as reuniões ministeriais de Comércio e de Finanças enquadram e orientam as nossas ações conjuntas, e os contactos regulares entre agências de investimento dos Estados Membros devem ser cada vez mais incentivados, nomeadamente para promover ações de capacitação dos nossos empresários e para identificar propostas para incrementar a segurança jurídica dos investimentos no espaço da CPLP.

Sobre o ensino da língua portuguesa, qual é a importância desse código linguístico em termos comerciais, culturais e sociais?

Toda língua é mais do que um instrumento de comunicação. Ela carrega consigo valores, modos de pensar e a herança do universo cultural onde se desenvolveu.

No caso da língua portuguesa, trata-se de um património comum dos nossos países, que foi sendo alimentado ao longo dos séculos com as contribuições de todos aqueles que a adotaram, que hoje manifesta e reflete toda a diversidade da nossa Comunidade e que continua a evoluir e a enriquecer-se. E é também uma língua onde se produz e se divulga conhecimento.

Naturalmente, tendo em conta o grande número de falantes, há um claro valor económico na língua portuguesa ainda não plenamente reconhecido e aproveitado. Temos, nesse aspeto, um potencial a desenvolver. E esse potencial é ainda mais evidente quando consultamos as projeções demográficas das Nações Unidas para os nossos países, em particular Angola e Moçambique, cujas populações deverão aumentar exponencialmente até ao final do século.

 

Que tipo de trabalho é feito pela CPLP para que a língua portuguesa seja ensinada em países que não falam o português?

O compromisso com a promoção da língua portuguesa nos seus respetivos territórios ou nas organizações é um aspeto essencial do processo de admissão à categoria de Observador Associado da CPLP. Nesse sentido, a Comunidade conta hoje com 18 países e uma organização internacional comprometidos com a difusão da língua portuguesa. A concretização deste compromisso inclui a criação de cursos ou centros de estudo dedicados ao português em universidades e terá, no médio e no longo prazo, um efeito multiplicador significativo.

A este propósito, não posso deixar de destacar e enaltecer o trabalho que tem sido desenvolvido pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), sediado em Cabo Verde, e a liderança que tem exercido, por exemplo, por meio do Portal do Professor de Português Língua Estrangeira, que procura fornecer a professores de todo o mundo ferramentas para o ensino do português, adaptáveis à realidade de cada país.

Em sua opinião, o Acordo Ortográfico é uma medida acertada em termos de aproximação entre os países membros do grupo?

O Acordo Ortográfico resulta de um longo processo de negociação entre todos seus Estados signatários e está a seguir o seu caminho, com diferentes estágios de ratificação e implementação em cada país e com as naturais dificuldades que a adaptação às novas regras apresentam.

Do ponto de vista da CPLP, devo destacar o notável trabalho que o IILP vem desenvolvendo no apoio técnico a vários países no processo de elaboração dos seus Vocabulários Ortográficos Nacionais, que serão incorporados ao Vocabulário Ortográfico Comum (VOC), uma componente essencial do acordo e uma ferramenta única no mundo, de que mais nenhuma língua dispõe.

Como é trabalhada hoje a promoção da língua portuguesa?

A promoção da língua portuguesa no âmbito da CPLP tomou um novo impulso com o ciclo de Conferências sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial, que teve início com a Conferência de Brasília, em 2010, e que foi seguida pelas Conferências de Lisboa (2013) e Díli (2016).

Cada uma destas conferências aprovou um plano de ação que, tomados em conjunto, fornecem uma sólida estratégia de promoção e difusão da língua portuguesa, que engloba aspetos político-diplomáticos, como um esforço comum pela expansão do uso da língua portuguesa como língua de trabalho e oficial em organismos internacionais; aspetos didáticos, com o desenvolvimento de métodos e ferramentas comuns, como o Portal do Professor a que já me referi; e aspetos relacionados com o conhecimento científico, como a criação de repositórios científicos em português; entre outros. A próxima conferência acontecerá este ano, em Cabo Verde, em data a ser ainda definida.

Mas talvez a principal contribuição deste ciclo de conferências seja o de aprofundar o entendimento de que a promoção da língua portuguesa exige um esforço conjunto de todos os Estados-Membros, que explore as sinergias existentes entre as diversas iniciativas já existentes nas esferas nacionais.

Há algum tipo de parceria da CPLP com o Instituto Camões?

O Instituto Camões participa ativamente nas atividades da CPLP na área de cooperação, na sua qualidade de ponto focal de Portugal na Reunião de Pontos Focais de Cooperação da Comunidade, órgão que tem como competência assessorar os demais órgãos da CPLP em todos os assuntos relativos à cooperação para o desenvolvimento no âmbito da organização. Neste foro, o Camões, em conjunto com os representantes dos outros Estados-Membros da CPLP, como a Agência Brasileira de Cooperação, por exemplo, têm dado uma importante contribuição no sentido de discutir, elaborar e implementar estratégias e ações multilaterais de cooperação no espaço da Comunidade.

Cabe observar também que o Instituto Camões está representado na Comissão Nacional de Portugal para o IILP e integra assim o Conselho Científico do IILP, formado pelas comissões nacionais de todos os Estados-Membros.

Tenho conversado com muitos luso-venezuelanos que estão a deixar a Venezuela, mas que optam por não se mudarem para Portugal em virtude de nunca terem aprendido português e receiam que a língua possa vir a ser um obstáculo na inserção em Portugal. A maioria desses cidadãos tem ido para países como Uruguai, Argentina e Espanha, pela questão da língua. Existe algum trabalho no sentido de preparar esse público para regressar a Portugal falando a língua das suas origens?

O IILP, que é a instituição da CPLP que tem como mandato a planificação e a execução de programas de promoção, defesa, enriquecimento e difusão da língua portuguesa, poderia eventualmente dar uma contribuição nesse sentido. Entretanto, não tenho conhecimento de que o Instituto tenha recebido qualquer pedido de apoio em relação a esta questão.

O que significa a iniciativa “2019 – Ano da CPLP para a juventude”? Que ações estão previstas e quais são os seus objetivos?

Uma larguíssima maioria da população dos Estados-Membros da CPLP é constituída por jovens com menos de 25 anos. Nesse sentido, o Ano da CPLP para Juventude busca fortalecer a participação efetiva dos jovens da Comunidade no planeamento, na concretização, na monitorização e na avaliação das políticas de desenvolvimento na CPLP, bem como fomentar a reflexão sobre questões urgentes relacionadas com a juventude, tais como a educação voltada para um mercado de trabalho em profunda transformação, a promoção do emprego jovem, a mobilidade juvenil e a valorização do nosso património comum.

A programação do ano inclui uma vasta gama de atividades e encontros, muitos dos quais promovidos em colaboração com entidades da sociedade civil. Destacaria, entre outras, a promoção da participação dos jovens da CPLP na II Conferência Mundial de Ministros responsáveis pela Juventude – Lisboa+21 – a 22 e 23 de junho, e na celebração do 100º aniversário da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Como está hoje a relação da CPLP com o Brasil, país que tão bem conhece? Que medidas bilaterais estão em marcha?

O Brasil desempenhou historicamente um papel da maior relevância no processo de idealização e de criação da CPLP. Mais recentemente, o Brasil assumiu a presidência da CPLP no biénio passado (2016-2018) e, durante esse período, liderou com grande empenho, competência e ambição a nossa ação conjunta.

O meu primeiro compromisso oficial como Secretário Executivo foi justamente a cerimónia de tomada de posse do Presidente Jair Bolsonaro, em 1 de janeiro, para a qual tive a honra de ser convidado. Na ocasião, pude renovar a minha convicção na força dos laços que unem o Brasil à CPLP e aos seus Estados-Membros.

De resto, em Lisboa, o Brasil mantém uma representação permanente junto da CPLP, autónoma relativamente à sua representação bilateral junto do Estado português, o que é também um importante sinal da relevância política atribuída à Comunidade e da atividade diplomática e de cooperação que é desenvolvida pelo Brasil no seu seio.

Por fim, o que espera do futuro da CPLP?

A CPLP encontra-se num momento muito especial de sua história. Nestes 22 anos de existência já atingiu um grau de maturidade que garante o seu lugar e a sua relevância própria na vida internacional. Mas continua a ser uma organização em crescimento, que enfrenta o desafio da adaptação à crescente volatilidade do mundo hoje.

Espero que saibamos, juntos, continuar a fazer frente aos desafios, de forma a que a CPLP possa contribuir de modo significativo para o desenvolvimento sustentável dos nossos países e para a constante melhoria da qualidade de vida de nossos cidadãos. Espero que os cidadãos do espaço da CPLP sintam, no seu quotidiano, o reflexo positivo do trabalho e da ambição do Secretariado Executivo e dos Estados Membros.

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