Um estudo muito interessante

Foi dado a conhecer um estudo realizado pela Universidade Católica do Porto, de que pude ler alguns excertos num dos nossos grandes jornais nacionais. Um desses excertos chamou particularmente a minha atenção, porque nos dizia que os licenciados continuam com perfil de funcionários, não servindo para nada e faltando-lhes espírito de autonomia.

Achei este excerto deveras interessante, porque simplesmente o não entendo. Desde logo, o que se deve entender por espírito de autonomia? A uma primeira vista, esta questão pode até parecer simples, mas a verdade é que tudo é muito diferente desta aparente realidade. Vejamos alguns exemplos que ajudarão a clarificar o que está em jogo.

Imagine o leitor que ingressou em Medicina e concluiu o seu curso de licenciatura, e até na área que desejava. Como se poderá, numa tal circunstância, manifestar o seu espírito de autonomia, se acaso o tivesse e o mesmo tivesse sido exercitado por via da licenciatura obtida?

A resposta é logo muito difícil de dar, porque à saída de uma Faculdade de Medicina, nos termos da legislação vigente, pouco pode realizar-se. Se as classificações forem altas e conseguir um lugar de carreira docente universitária, bom, tem o caminho que procurava, mas não tem autonomia, porque o que vier a fazer estará incluso numa escola que trabalha, a níveis diversos do seu interesse e do interesse do País, na fronteira do conhecimento.

Se concluir o mestrado em certa área, o que fará depois? Bom, não sei. Talvez possa exercer alguma clínica, mas onde? Mesmo que possa, terá de ter dinheiro para montar uma estrutura com condições. Terá, ainda, de continuar a estudar, mesmo que apenas para estar a par do estado da arte, sem que tenha de fazer propriamente investigação e obter novos títulos acadêmicos.

Com alguma sorte e um desejo muito forte, poderá conseguir nova bolsa, mas agora para se doutorar. Ou seja: continua, em mui boa medida, sem autonomia, porque lá terá de continuar inserido numa escola da sua especialidade, com o seu orientador, porventura fora de Portugal. Bom, terminado o seu doutoramento com êxito, volta a levantar-se a questão: que fazer?

Ou seja: há um dado que é certo, e que é o fato se só por um mero acaso poder trabalhar de um modo estritamente autônomo. Ou porque acaba por entrar para uma estrutura pública, ou porque o faz no setor privado, nunca poderá dizer-se uma pessoa autônoma. Por exemplo: os investigadores da Fundação Champalimaud são pessoas sem mentalidade de funcionário e com autonomia? Nem sim nem não. Tiveram o mérito e a sorte de conseguir um lugar ou um contrato de investigação, mas isso nada tem a ver com a conclusão do tal estudo.

Mas suponha agora o leitor que teria seguido uma licenciatura e o consequente mestrado em Matemática Aplicada, e que havia conseguido uma média de curso de dezassete valores. Ainda assim, não conseguia um lugar para se doutorar. Que fazer? Dar explicações em casa? Juntar-se com colegas de áreas diversas e abrir um centro de explicações? Dar aulas, por um acaso, a alunos até ao quarto ano? Mas onde? Na Cochinchina? E como sobreviver nessa terra? E a constituição de família? Portanto, como se fazer autônomo numa tal situação?

Termino com um exemplo bem real e que mostra como eu tinha razão, já lá vão uns seis anos, quando manifestei o meu desacordo com as palavras do Presidente Cavaco Silva junto de uma comunidade portuguesa nos Estados Unidos: o caso da jovem portuguesa, Patrícia Castro, que se licenciou em Portugal, fez o seu mestrado, o seu doutoramento e o seu pós-doutoramento no estrangeiro, tendo trabalhado em Astrofísica como assistente de um dos últimos laureados com o Nobel da Física.

Talvez com saudade do País, dos amigos, e pretendendo constituir família, a Patrícia Castro regressou a Portugal, conseguindo ser bolseira no Instituto Superior Técnico por cerca de uns cinco anos. Simplesmente, a bolsa acabou, não mais foi renovada e a nossa jovem, já muitíssimo qualificada, teve de tentar resolver a sua situação a um outro nível, certamente aquém do que desejava e para que era capaz. Mostrou possuir autonomia? E continua a ser autônoma, ou tem mentalidade de funcionária? Será lógico e natural que continue a saltitar de emprego para emprego, até ao desemprego final?

Nós nunca tivemos uma comunidade jovem tão bem e tão vastamente preparada como nos dias de hoje. Simplesmente, os tais nossos empresários de grande referência – pintam-nos assim…– não têm a autonomia de pensamento para conseguirem ser criativos ao ponto de conseguirem criar trabalho para os seus concidadãos. Pelo contrário: bastou-lhes ouvir um manga de alpaca da famigerada União Europeia falar do fim permanente dos décimos terceiro e quarto meses, e logo vieram secundar o manga de alpaca, que vive lá por Bruxelas lautamente, sem ter de preocupar-se com o tempo, seja o atual ou o futuro…

Um dos nossos grandes problemas de hoje, porventura das próximas décadas, não os nossos trabalhadores, licenciados ou não, hoje já pagos miseravelmente, mas sim os nossos empregadores, que não têm mais capacidade para exercerem a sua profissão a não ser com uma miséria crescente dos que para si trabalham. Ou antes: o problema é português.

 

 

Por Hélio Bernardo Lopes
De Portugal

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