Timor-Leste e as Necessidades

Por regra e por experiência, confio no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Uma prática e uma reflexão caldeadas ao longo de muitos anos, uma consciência atenta daquilo que é o interesse nacional na ordem externa e um sentido da oportunidade e da medida, que muitas vezes falta à chamada classe política, sempre ajudou a que as relações de Portugal com o mundo tivessem, no corpo profissional que são os diplomatas, excelentes intérpretes. Costumo mesmo ironizar, dizendo que, em Portugal, à frequente falta de uma política externa, a nossa posição internacional vive de uma diplomacia reiterada.

Mas a resultante de ação diplomática dentro do MNE não nasce de geração espontânea. Ela só surge depois do isolamento daqueles (e daquelas) que “fervem em pouca água” e têm posições quase militantes, bem como dos cultores obsessivo do imobilismo, dos convictos de que “o tempo tudo cura” e de que o melhor é não fazer nada. Arredado o peso de influência destas duas “escolas”, está criado o espaço de afirmação para as posições serenas, ponderadas e com sentido de equilíbrio. Quando a “diplomacia da canhoeira” (ou, no outro extremo, o tropismo “pró-causas”) e o atentismo bovino conseguem ser neutralizados, o “output” do MNE é geralmente de grande qualidade. São muitos anos de claustros do convento de Nossa Senhora das Necessidades que mo ensinaram.

Espero, assim, que os diplomatas portugueses, neste difícil momento que atravessam as nossas relações com Timor-Leste, possam dar provas de estar à altura do dever de aconselhamento aos titulares dos cargos políticos dentro da Casa, municiando-os com sugestões sobre os passos a seguir, sobre os contactos a efetuar, sobre as atitudes a assumir. É que urge garantir uma unidade na expressão das posições do Estado português face às autoridades timorenses. Como sempre acontece quando se percebe que alguma fragilidade afeta a “mão” das Necessidades, surgem por aí governantes de áreas sectoriais a permitir-se mandar “bocas”, agitando o estado dos seus dossiês técnicos específicos e os seus projetos para eles, esquecendo que só se implantaram e progrediram porque houve um quadro político geral que foi desenhado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. E que, se esse quadro geral for “por água abaixo”, o mesmo destino terão os seus “brinquedos”.

A minha preocupação perante esta situação só é atenuada pelo facto dos timorenses nos conhecerem “de gingeira”. Não é impunemente que se foi colónia deste atípico país europeu. No fundo, por mais que conjunturalmente se agitem, os novos Estados saídos da nossa aventura imperial “leem-nos” melhor que ninguém, conhecem os calendários de vitalidade política de quem por aqui está no conjuntural poder, percebem as nossas dificuldades, estão bem cientes das nossas qualidades e dos nossos defeitos. Aliás, cada um deles, à sua maneira, herdou umas e mas também os outros. Isso mesmo ajuda a explicar alguma coisa do que aconteceu em Timor, mas também nos permite ter esperança em que as feridas irão sarar. Mas todos temos de ajudar, não cometendo asneiras precipitadas e, sobretudo, evitando a empolgação mediática. Dos dois lados.

 
Por Francisco Seixas da Costa
Diplomata português. Ex-Embaixador de Portugal no Brasil.

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