STF, a sociedade e a corrupção no Brasil

Por Rodrigo Augusto Prando

Em 14/03/2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a uma decisão fixando a Justiça Eleitoral como competente para julgar crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes do tipo de “colarinho branco” naqueles processos que envolvam, também, o crime de caixa dois de campanha e demais crimes eleitorais. A decisão, com placar bem justo, de 6 x 5, mostrou, novamente, um STF dividido, para dizer o mínimo. A votação do plenário do tribunal reclama reflexões de ordem jurídica e política, ambas searas no campo das Ciências Sociais que não são e nunca serão exatas.

Juridicamente, pouco posso contribuir com a discussão em voga. Contudo, trago ao leitor as considerações de Roberto Livianu, Promotor de Justiça, Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC) e especialista nos estudos de corrupção. Assim, assevera Livianu, em nota, que: “O sistema de Justiça Eleitoral no Brasil, assim como a Justiça Militar, por exemplo, foi concebido para a análise de temas extremamente específicos, como o registro de candidaturas e abusos de poder econômico nas campanhas eleitorais, havendo grave risco a partir dessa decisão [do STF] de aumento da impunidade, principal fator de perda da credibilidade do Poder Judiciário”. E, mais grave, segundo Livianu: “[…] a decisão pode implicar na anulação de inúmeras condenações proferidas com base nas regras em vigor contra acusados de graves violações ao patrimônio público, como o ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, o ex-Governador do Rio Sérgio Cabral e quase todos os casos em que atuou a operação Lava Jato […]”.

Depreende-se das ponderações acima que, politicamente, a decisão do STF pode, distante dos anseios da sociedade brasileira, confirmar a já famigerada falta de credibilidade da Justiça que, para muitos, é incapaz de levar os donos do poder a responder por seus atos criminosos. Há, na cultura política brasileira, uma tradicional relação promíscua entre a política e o poder econômico, pois, sabemos, políticos, quase sempre, representam uma elite econômica que, com excepcionais advogados, somados às brechas no ordenamento jurídico, conseguiram, durante décadas, protelar as decisões que os levariam à cadeia. Ricos e poderosos, políticos que se distanciam de seus papéis de representantes do povo, cometendo atos de corrupção, não chegavam a receber punições. Podiam apelar, em liberdade, até a última instância – o próprio STF – quando muitas vezes os crimes já haviam prescrevido ou já com idade avançada tinham outros benefícios. A sinalização era clara: o crime, especialmente cometido por políticos, contra os interesses da sociedade, compensava.

Os ministros do STF podem – e devem – julgar de acordo com suas convicções no que tange à interpretação das leis. Para isso estão lá. Entretanto, decisões sempre têm consequências, as falas de ministros têm consequências. As afirmações de Gilmar Mendes, por exemplo, utilizando-se de palavreado aquém da dignidade do cargo que ocupa, chamou membros do Ministério Público de gângster, gentalha e cretinos. E, pasmem, com a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, ouvindo as ofensas aos seus colegas calada. Há algo de muito errado em nosso país. Muito! E, não nos enganemos, pois, em breve, volta à tona a discussão da prisão em segunda instância e, novamente, a decisão do STF pode significar um abalo sísmico em nossa sociedade.

 

Por Rodrigo Augusto Prando
Cientista Político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É bacharel e licenciado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp/FCLAr.

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