Risco e empreendedorismo. Portugal face a uma etapa de mudanças

Por Bruno Bobone

O risco, a ação de empreender projetos novos e entrar em terrenos proibidos, abandonando as nossas zonas de conforto, são factores que contribuem para a criação de valor. Criam valor porque todas as atitudes arriscadas e corajosas têm sempre um efeito de contágio social cujo impacto final é muitas vezes impossível medir ou antecipar.

Quando Henry Ford decidiu fabricar o Modelo T, o seu objetivo era, de acordo com as suas próprias palavras, criar um automóvel “para toda a gente”. Apesar da envergadura e ambição deste projeto, Ford não tinha a mínima intenção de provocar uma das maiores transformações socioeconómicas da história. E, no entanto, foi exatamente isso o que aconteceu.

Marie Curie, a primeira mulher a ganhar um Prémio Nobel, em 1903, apostou incansavelmente no seu talento e esforço, destacando-se em áreas do conhecimento científico que tradicionalmente, e até há muito pouco tempo, estavam reservadas exclusivamente aos homens. O valor da sua coragem é reconhecido ainda hoje e a sua figura é um símbolo e exemplo para muitas mulheres e homens de todo o mundo.

Estes exemplos mostram como as consequências da audácia, do empreendedorismo e do pioneirismo daqueles que se aventuram a arriscar acabam por influenciar a vida de muitas outras pessoas, contextos e épocas. Por isso mesmo, uma comunidade que não aprecie e valorize este tipo de atitudes é uma comunidade que estará condenada à estagnação económica e social.

A aversão ao risco em Portugal
Temo que em Portugal ainda não possamos contar com uma cultura sólida e enraizada que promova o empreendedorismo e a assunção de riscos e entenda os erros e fracassos como uma forma de aprendizagem. Sem esta cultura jamais seremos capazes de contar com um espírito empreendedor próprio.

Em Portugal temos de abandonar o anátema sobre o fracasso para que as pessoas não tenham medo de arriscar. Falta-nos percorrer um longo caminho até conseguirmos consolidarmo-nos como uma sociedade dinâmica, livre de obstáculos e preconceitos, que facilite os empreendimentos económicos, aumentando desta forma o nosso bem-estar social e a nossa dignidade como cidadãos.

Contudo, também reconheço com facilidade, e com agrado, que nos últimos anos foi possível observar um crescimento do número de portugueses que decidiram arriscar e empreender os seus próprios projectos e negócios, convertendo-se assim em empreendedores e empresários. Um estudo de 2016, apoiado pela Allianz Kulturstiftung, identificou esta tendência, classificando Lisboa como o quinto ecossistema de start-ups com melhores resultados na Europa, inclusive à frente de Estocolmo e Dublin.

Na minha opinião, existem vários factores que poderiam ajudar-nos a entender estas mudanças e a direcção que estão a tomar.

Um novo espírito empreendedor
Em primeiro lugar, a terrível crise económica que atravessámos teve como consequência uma das piores taxas de desemprego da história portuguesa recente, afectando de forma desproporcionada os nossos jovens.

Isto levou a que muitos deles criassem os seus próprios projectos e fontes de emprego, surgindo assim uma geração para quem o espírito empreendedor era praticamente a única solução de subsistência. O número de adultos envolvidos em projectos na sua fase inicial em Portugal durante este período cresceu de forma sustentada, de um mínimo de 4,4% em 2010 para 9,5% em 2016.

Posteriormente, após os piores momentos de inquietação económica terem sido ultrapassados, o mercado soube reconhecer e apoiar estas mudanças que se começavam a perceber no tecido empresarial português. Por isso, actualmente contamos com pelo menos 150 – 200 incubadoras de empresas no nosso país, estruturas fundamentais para a consolidação e êxito das iniciativas empreendedoras.

Estes desenvolvimentos permitiram que, o que começou por ser uma resposta de emergência por parte dos nossos jovens, se apresente hoje como um espírito empreendedor nascente, valorizando-se cada vez mais a sua capacidade para gerar riqueza e transformar ideias criativas e inovadoras em negócios rentáveis e sustentáveis.

Mudança das estruturas?
É aqui que radica o factor mais importante de transformação, já que o que vemos são os sinais duma mudança de natureza estrutural. Se antes muitos jovens recém-licenciados nas áreas de economia, gestão ou engenharia tinham como objectivo profissional trabalhar para uma grande multinacional, hoje muitos deles saem das universidades apetrechados com diplomas, business plans e simulações para montar os seus próprios negócios.

Desta forma, o tecido empresarial português vai-se transformando. Hoje contamos, por exemplo, com a Farfetch, Talkdesk e Outsystems, as primeiras 3 empresas com ADN português que conseguiram introduzir-se no exclusivo e restrito clube dos “unicórnios”, ou start-ups avaliadas em mais de mil milhões de dólares.

Os eventos de importância mundial que estão a chegar a Portugal são também um sinal claro desta época de mudanças: que o WebSummit tenha decidido continuar em Lisboa por mais 10 anos é uma oportunidade única para que o nosso país consolide o seu crescimento económico e o das suas empresas e para que impulsione o espírito empreendedor dos seus cidadãos.

Devemos reconhecer que as transformações que este período histórico traz consigo ainda são incipientes e, por isso, frágeis. Será difícil que possam modificar por si só alguns dos traços culturais portugueses mais enraizados e que limitam o nosso desenvolvimento económico.

No entanto, também é inegável que estamos a testemunhar uma mudança de época. Que este ambiente empresarial e de cultura mais favorável para o empreendedorismo português acabe por se consolidar definitivamente é responsabilidade de todos.

 

Por Bruno Bobone
Presidente da CCIP – Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa
Novembro – 2018

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