Realidade Social e Ordem

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Numa perspectiva negativa, obviamente que a violência será um motivo de perturbação da ordem, quer a partir da generalidade das pessoas, quer a partir das Autoridades. Os atos de violência definem pessoas, ideias e objetivos, pelas suas intenções e consequências que produzem.

Os atos humanos de violência manifestam-se no homem, mas não o afetam no seu conteúdo profundo, nem qualificam para exprimir os seus fins últimos, todavia, o Cristianismo, não ignorando, nem subalternizando a violência, considera-a substituível, com vantagem imediata para os diferendos entre os homens, pela consciencialização do papel do amor ao próximo, dependendo da vontade do homem, tal substituição.

Qualquer que seja a constituição da sociedade, sempre haverá um certo número de regras, por muito rudimentares que sejam, que impõem uma determinada, hierarquização de princípios, de valores, de sentimentos, de emoções e dos papéis que cada um deve desempenhar e defender.

A violação das regras será, na maioria dos casos, uma violência que, naturalmente, suscitará uma reação violenta por parte de quem as impôs. Aqui pode-se colocar a questão de se avaliar até que ponto tais regras são justas ou injustas: se foram instituídas por um governo democrático; ou impostas pela força despótica de um regime absoluto e totalitário.

Resulta que a violência, a partir das cúpulas, será ainda mais perturbadora da ordem, do que a violência desencadeada pelas bases do povo anónimo, porque estas, de uma forma geral, não têm mecanismos repressivos ao seu alcance. Mas, seja qual for a proveniência da violência, ela, efetivamente, perturba a ordem no aspeto em que quebra a harmonia anteriormente existente.

Se se abordar o desencadear da violência, a partir das cúpulas do Poder e dos seus agentes, não se torna difícil descobrir, por detrás dela, situações de inaceitável incompetência daqueles que têm a obrigação de se assumir capazes, consensuais, dialogantes, tolerantes e pedagógicos.

Com efeito, verifica-se, frequentemente, que o recurso dos incompetentes aponta para a tomada de atitudes fechadas, violentas e ditatoriais, muitas vezes com risco da própria integridade física dos intervenientes, num processo de resolução de um conflito, numa determinada instituição.

Ora, se as regras sociais são impostas pela hierarquia, sem consulta às bases, e se tais normas são desfavoráveis à maioria das pessoas, obviamente que estas procurarão reagir contra o seu cumprimento e, desta reação, será possível a manifestação de atitudes violentas, principalmente de natureza física.

Aqui entra o primeiro aspeto da incompetência, na medida em que: se por um lado, os responsáveis pela aprovação, promulgação e execução de tais normas, não são capazes de explicar, conveniente e convincentemente, as razões e alcance das mesmas, até porque lhes poderá faltar a legitimidade que lhes advém da adesão popular;

Por outro lado, não são suficientemente compreensivos, face às razões morais, cívicas, religiosas e éticas que são expostas pelos grupos atingidos, assumindo, então, tais responsáveis, posições rígidas, comunicação autoritária e manifesta incapacidade para encontrar soluções alternativas, consensuais e de compromisso, apoiando-se, neste caso, no papel de Autoridade que, entretanto assumem, procurando desempenhar as respetivas funções de forma a poderem vir a merecer o elogio dos correligionários, ainda que tendo atuado contra os mais elementares e legítimos interesses das pessoas, incluindo, eventualmente, a violação dos direitos humanos, que todos os cidadãos têm o direito de usufruir.

A incompetência, assim assumida, não resolve nenhum problema de fundo, ainda que, aparentemente, e através dos mecanismos repressivos e punitivos, consiga, momentaneamente, controlar uma determinada situação.

A tudo o que já foi exposto, e partindo de uma posição de base, também se verificam atos de violência de uma maioria contra uma minoria, ainda que livremente escolhida por aquela, para defender os interesses coletivos, ou seja, a maioria não acata as normas legitimamente impostas pela minoria, que governa democraticamente, provocando alterações na ordem e paz sociais, com vista a pressionar os responsáveis da governação, no sentido destes modificarem as regras da convivência, ou dos interesses estranhos ao Bem-comum.

Em democracia, o governo do povo é exercido pelo povo, através dos seus representantes, livremente escolhidos. Esta regra de ouro, estabelecida entre as partes – povo e candidatos –, não pode ser violada por nenhum dos signatários do acordo, expressamente validado nas urnas, de contrário, mais tarde ou mais cedo, suceder-se-ão atos de violência de qualquer natureza, mesmo num regime democrático parlamentarista, ou seja, no regime da democracia representativa.

Ora, partindo do princípio, segundo o qual os candidatos ao governo do povo, depois de eleitos, vão cumprindo o acordo previamente estabelecido, com as mesmas regras do jogo à data da validação daquele, e se, posteriormente, o povo reage violentamente, o conflito só poderá ter uma, ou mesmo duas origens: ou os governantes são incompetentes sob vários aspetos e não cumprem o acordado; ou o povo não tem a formação cívica e a estatura ético-moral e patriótica suficientes para cumprir a sua parte.

Aqui surge a violência, exatamente a partir da base, devido a: insuficiente formação educacional e cívica da população, no pressuposto de que os governantes estão a cumprir o que foi antes estabelecido; ou os responsáveis políticos no poder, não estão a cumprir com o que prometeram para a celebração do acordo, isto é: não estão a honrar a palavra dada. Esta última situação, incumprimento das promessas e, em alguns casos, até fazem o contrário, infelizmente é a que se verifica com muita frequência.

Admitindo-se, então, que a reação popular não se justifica, minimamente, compete, necessariamente, aos governantes eleitos, reagir de forma a restabelecer a legalidade democrática, contra uma maioria que, certamente, devido a insuficiências da sua estrutura cívica e moral, não honrou os compromissos anteriormente assumidos, e que ela própria sufragou em eleições livres.

Nesta situação, é bem possível que chegue a existir violência sob diversas formas, nomeadamente: física, psicológica, ideológica, coerciva, ou outra e que, após a reposição da ordem, se conclua que não haveria outra alternativa para qualquer das partes envolvidas.

Para evitar situações originadas na impreparação dos cidadãos vem-se defendendo, desde há alguns anos, uma formação para a cidadania, ao longo da vida, a par da restante atualização no contexto profissional. Muito dificilmente um mau cidadão poderá ser um bom governante.

 

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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