Portugal: Façamos Referendos

Há uns dias atrás, um pouco na onda da mais recente moda, como se uma tal realidade só agora fosse conhecida, Rui Rangel, num escrito seu num grande diário nacional, defendia que se promovesse um referendo sobre se deveria ter lugar em Portugal a possibilidade de incriminar os políticos por violações orçamentais. Confesso que não recordo agora se apenas considerou os casos de gravidade elevada, ou mesmo todos.
Mas claro que todos sabemos muitíssimo bem a resposta que os cidadãos dariam a uma tal pergunta, feita por via de um mecanismo de democracia direta. Como sabemos, por igual, a resposta sobre se se deveria introduzir pena perpétua e pena de morte para determinados crimes. E até mesmo sobre a presença de imigrantes em Portugal, mormente se fosse fixado um limite pequeno, também não duvido de que a resposta seria positiva.
Claro que a pergunta sugerida por Rui Rangel para tal referendo induz logo a resposta, não só pela enorme carga justiceira que comporta, como pelo clima entretanto criado, sendo que uma razoável imensidão sabia desde há muito o que se passava, mas sobre que pouquíssimos se quiseram pronunciar, para lá de que não faltaram oportunidades para o fazer ao longo das últimas décadas.
Mas agora pergunto eu: achará Rui Rangel que um referendo do mesmo tipo deverá também ser operado sobre erros graves dos magistrados, sejam judiciais ou procuradores? Claro que é minha convicção que Rui Rangel concorda com o sentido desta minha questão, mas a verdade é que este tipo de tema apresenta sempre uma baixíssima linearidade. Foi esta a razão que sempre determinou que me tenha oposto a que se atribuísse responsabilidade aos magistrados por via das suas decisões, uma vez que tudo passaria, então, a ser feito cautelosamente e sob uma pressão psicologicamente identificada. Em resumo: trata-se de um tema inútil, perigoso, e que vai a toque de caixa dos ecos políticos do momento.
Diferentes são os casos da universalidade e gratuidade no acesso a cuidados de saúde, ou à educação, ou à segurança nas situações de contingência, mormente na reforma e na velhice. Não é assim tão claro que todos os portugueses que fossem votar apoiassem o que ainda hoje se contém na Constituição da República, embora esteja em crer que tais regras seriam válida e amplamente sufragadas. Mas a questão é esta: se o dinheiro provém dos portugueses, através dos impostos, porque não podem eles decidir da sua aplicação?
Eu também acredito que Rui Rangel não visse nesta realidade inconveniente, mas a verdade é que, seja por que razão for, o legislador lá se determinou a impedir os portugueses de poder tomar uma tal decisão. E aqui sim, poderia escolher-se o próprio ato eleitoral para sufragar um conjunto vasto de propostas muito concretas em torno de casos de objetiva importância para os portugueses.
Por fim, um reparo: no fundo, Rui Rangel, mau grado ser uma personalidade mui qualificada e que categoria intelectual superior, parece não se ter dado conta do que é mais evidente na realidade que estamos hoje a viver, e que é o fato deste desastre ser a mais que lógica consequência da valorização do dinheiro, do lucro, da riqueza e do efémero, em detrimento da valorização da dimensão transcendente da pessoa humana. O problema, como se sabe, está a anos-luz de ser só português, e até os mais graves crimes financeiros e econômicos já hoje conhecidos pelo Congresso dos Estados Unidos não foram, nem nunca serão, punidos. Até os responsáveis da tristemente célebre Guerra do Iraque, com as suas inexistentes armas de destruição maciça, não foram punidos. Ou a recente execução sumária de Khadafi, passando pelo que está a dar-se com Baltazar Garzón, entre tantos outros casos.
Ou seja: o problema não tem nada que ver com o Direito, nem mesmo com a sua aplicação, mas com a moral, que deixou de estar presente, perante a sociedade materialista, sem referências de transcendência, que se está a criar. Até os chineses já se deram conta desta realidade, agora que puderam ver o alheamento dos seus cidadãos perante um horroroso duplo atropelamento de uma criança pequenita. É a mais que expectável marca do neoliberalismo globalizante dos nossos dias.

Hélio Bernardo Lopes
De Portugal

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