Perguntas e respostas do presidente português

Nos últimos dias, o Presidente Cavaco Silva usou duas vezes da palavra a propósito da vida nacional: uma na África do Sul, em torno do imperativo da imagem da unidade portuguesa lá por fora, e outra numa entrevista ao semanário, SOL, onde colocou e respondeu a três questões que de há muito vêm andando por aí, pela comunicação social, em torno do prazo e do montante posto à nossa disposição por parte da Tróyka. É sobre estes temas que pretendo aqui escrever algumas palavras, para tal começando pela mais recente das duas intervenções.

Nestes últimos dias, creio que na África do Sul, o Presidente da República referiu, de facto, a importância da imagem da unidade política interna face ao exterior, mormente junto dos mercados e dos que, por via da Tróyka, nos têm vindo a apoiar. De resto, tinha até já referido, na tal entrevista ao SOL, que Portugal é hoje um país (mais) respeitado. Ou seja: no mínimo, sê-lo-ia menos há um bom tempo atrás, talvez um ano.

Simplesmente, não há muitos dias, Pedro Silva Pereira, em entrevista de passagem, referiu que o seu partido – o PS – não pode pôr de parte a hipótese de votar contra o Orçamento de Estado para 2013. Trata-se, porém, de uma afirmação de (quase) nulo interesse, visto ser sempre verdadeira: de facto, o PS não pode nunca pôr de parte uma tal hipótese. Nem o PS nenhum outro partido, incluindo os restantes da oposição.

Simplesmente, o problema está, digamos assim, mal formulado, porque o que está em jogo não é essa situação dicotómica que subjaz às palavras do deputado do PS. Está em jogo, isso sim, o tipo de orçamento (mais que) previsível que virá a ser apresentado pela atual maioria. Ou seja: trata-se de uma questão a ser tratada em termos probabilísticos e não por via do modo dicotómico ali apresentado por Pedro Silva Pereira. Aliás, tal como o fez também o Presidente Cavaco Silva.

Tudo, porém, se torna mais claro com as mais recentes palavras de Carlos Zorrinho, que diz pretender ver primeiro a proposta de Orçamento de Estado para 2013, de molde a poder depois tomar uma decisão. É, no fundo, sempre o mesmo problema, parecendo ser difícil perceber que a probabilidade desse orçamento vir a penalizar, ainda mais, a generalidade dos portugueses é extremamente grande. A uma primeira vista, chega mesmo a ficar a ideia de que, vindo o PS a não votar contra, serão todos os portugueses a ficar muito melhor e no caminho de um futuro de qualidade social crescente…

O que o Presidente Cavaco Silva não referiu foi que o facto de Portugal ser hoje um país (mais) respeitado se deve à nossa aproximação, velozmente assimptótica, às desumanas condições sociais presentes no Terceiro Mundo. De facto, não podendo Portugal sobreviver sem o que foi procurar há uns séculos atrás, ou sem o dinheiro a fundo perdido vindo da União Europeia, como contrapartida da destruição de boa parte do nosso tecido produtivo – agricultura, pescas e indústria –, a única variável de que dispomos, num país da máxima assimetria social na União Europeia, é prosseguir por aí: mais pobreza para a generalidade e mais vantagens para um ínfima minoria. Desta minoria, como se torna evidente, fazem parte os tais que agora nos respeitam mais…

Antes destas considerações, porém, o Presidente Cavaco Silva concedeu ao SOL a entrevista já antes referida. Nela, a dado passo, comentou um tema que de há muito anda por aí na boca de todos, sejam os partidos da oposição, seja uma diversidade vasta de economistas, alguns deles também académicos, nossos ou estrangeiros, pouco conhecidos ou laureados com o Nobel da Economia. Essa questão foi a seguinte: mais prazo para quê? E desenvolveu este tema sob a forma de três perguntas e outras tantas (suas) respostas.

Em primeiro lugar, perguntou: mais prazo para realizar as reformas estruturais? E logo respondeu: mas isso é mais desemprego! Bom, caro leitor, fiquei um pouco, talvez mesmo bastante, admirado com a resposta. Desde logo, porque dá a sensação de se não terem ainda feito quaisquer reformas estruturais, o que não corresponde à realidade. E depois, porque a serem feitas tais reformas, como sempre se soube – foi por isso que nunca as mesmas foram feitas com o atual sentido neoliberal –, a sua principal e imediata consequência será, exatamente, mais desemprego!

Em segundo lugar, questionou: mais prazo para reforçar a solidez da banca? E de pronto respondeu: eu penso que a nossa (banca) tem uma solidez que não é inferior à média europeia! Bom, caríssimo leitor, aqui está uma resposta que não é verdadeira nem falsa, e por esta dupla razão: porque o cálculo do referido valor médio é completamente incerto e assente em dados desconhecidos – com a banca é sempre assim – e porque mesmo no nosso caso tudo foge, em mui larga medida, a um escrutínio público claro e aberto.

Mas se o Presidente Cavaco Silva se determinar a olhar para o que se passou nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Islândia, na Irlanda, em Espanha, entre outros, logo verá que na banca não se pode confiar nem dela se sabe nunca o que por lá vai. Mais: neste preciso momento, em pleno Congresso dos Estados Unidos, gente do mais alto gabarito defende, perante os congressistas, que a lei não se pode aplicar à banca nem ao grande mundo dos negócios, porque nos outros lados a lei é violada, e se a não violarem nos Estados Unidos acabarão por perder. É caso para perguntar: mais palavras para quê?! São os artistas da banca!!

E, em terceiro lugar, colocou esta questão: mais prazo para a redução do défice? E respondeu então: a análise do défice até à decima tem pouco interesse, porque é melhor delinear políticas que possam ter menor impacto contracionista em Portugal! Sem nada saber de Economia ou de Finanças, esta resposta parece-me a mais consistente.

Acontece que um dos Cinco Sábios que aconselham o Governo Alemão, Peter Bofinger, defende que os países em crise na zona euro suspendam as medidas de austeridade até saírem da recessão. Bom, sem ser economista nem financeiro, este argumento parece-me lógico e imbatível, embora requeira uma metodologia de ação política, naturalmente a controlar, que ajude a baixar, mesmo que lentamente, o défice e a dívida.

Tendo aqui que optar, eu fá-lo-ia sempre por esta proposta, e não pela do Presidente Cavaco Silva. No fundo, é o que o Governo atual, e até a banca, embora por uma outra via, estão a tentar pôr em marcha com os endividamentos por via dos empréstimos incobráveis às casas: se querem reaver o dinheiro e lhes não interesse ter casas que ninguém compra, será melhor redimensionar as condições do empréstimo, mormente as ligadas à continuidade e ao prazo de amortização. Opto, pois, pela solução referida pelo tal Sábio alemão, e não pela do Presidente Cavaco Silva.

Por fim, estas duas intervenções do Presidente Cavaco Silva mostram a sua completíssima sintonia com o pensamento político da atual maioria que governa o País. Em si, tal nada tem de mal, mas se o PS, de facto, pensa como diz, bom, então terá de optar: ou está contra a política deste Governo, apoiada pelo Presidente da República, e vota contra o próximo Orçamento de Estado para 2013, ou apoia a política do Governo e do Presidente Cavaco Silva, e abstém-se, fingindo discordar, embora sem se saber bem de quê nem porquê.

Perguntará agora o leitor: mas o que acha o Hélio que virá a dar-se? Pois é simples a minha resposta: historicamente encostado às cordas pela direita – a sua bengala política de sempre –, o PS de António José Seguro lá irá fazer o seu número político de sempre, ou seja, abster-se-á. O que significa que continuará a apoiar a política deste Governo e do Presidente Cavaco Silva, tal como se tem vindo a verificar. De resto, depois do Presidente da República se ter colocado completamente ao lado da política do Governo, assim recusando as ideias vagamente sugeridas pelo PS, nem uma palavra surgiu do lado de António José Seguro. O expectável, portanto. E, note-se bem, a velocidade do som em meio aquático é bem maior que no ar…

 

Por Hélio Bernardo Lopes
De Portugal

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