O Retorno de Camarate

Tive já a oportunidade de tratar o atentado de Camarate por diversas vezes, explicando o que penso ter-se passado, e que agora, de um modo sintético, direi deste modo: a generalidade das fontes de poder ao tempo do atentado estavam desejosas de ver sair Francisco Sá Carneiro da área da política.

Estavam, naturalmente, os militares, porque se havia criado um conflito aberto entre Francisco Sá Carneiro e aqueles, em torno da (errada) ideia deste de que havia chegado a hora daqueles regressarem aos quartéis. Uma infeliz ideia surgida logo ao tempo de Adelino da Palma Carlos à frente do Governo.

Também a Igreja Católica digeria um conflito com a presença de Francisco Sá Carneiro na área do poder, sobretudo, por via do seu divórcio, e tendo em conta que a sua presença no poder criaria sempre algum tipo de conflitualidade entre o Estado e a Igreja Católica. De resto, este tema foi até tristemente badalado aquando da sua visita oficial ao Reino Unido. E até por parte de quem não seria de esperar…

Mas também no interior do seu partido a conflitualidade foi uma constante, desde logo com Emídio Guerreiro, à esquerda, digamos, e com Sousa Franco, à direita, mas católica. Mais tarde, até com o esfrangalhamento do seu próprio grupo parlamentar, que se movimentou aí em torno de José Manuel Sérvulo Correia.

Com o PS, as relações eram politicamente cordiais, mas estava sempre omnipresente a recusa da Internacional Socialista em receber o PPD, dado que, para lá de outros fatores, Francisco Sá Carneiro e o PSD não eram, de facto, social-democratas.

Mas até com o CDS se podem encontrar dois tempos políticos: antes e durante a Aliança Democrática. Uma realidade conhecida, que ficou registada na grande comunicação social escrita, mas sobre que entendo dever não tecer aqui grandes considerações.

Mostra isto, pois, que Francisco Sá Carneiro era uma personalidade politicamente muito mais isolada do que muitos poderão imaginar. Aliás, tudo o que depois da sua morte se foi passando mostra bem como poucos se determinaram a levar por diante o levantamento da verdade que esteve por detrás do atentado.

Simplesmente, Francisco Sá Carneiro tinha a população, junto de quem criara uma imagem arrebatadora, marcada por uma tática do tudo ou do nada, o que, como sabem os mais velhos, é sempre muito galvanizadora junto da comunidade lusitana e da sua maneira de estar na vida.

Pois bem, eis que surgiu agora um texto de Francisco Farinha Simões, no qual refere que esteve ligado à CIA até 1989, e expondo o que diz saber sobre o que conduziu ao atentado de Camarate. Ora, o que nos diz agora este nosso concidadão? Bom, que foi o antigo embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, Frank Carllucci, quem encomendou a operação, descrevendo, depois, a sequência operacional até à noite fatídica de Camarate.

Ora, é preciso perceber que tal não é impossível, porque os Estados Unidos procederam desse modo em lugares diversos do Mundo, e sempre que necessário. Neste caso, tudo giraria ao redor da passagem de armas norte-americanas com destino ao Irão, mas em violação do decidido pelas Nações Unidas.

Acontece, porém, se acaso não erro, que tal argumento havia já sido exposto por Oswald Le Winter em Lisboa, onde creio que depôs numa das comissões de inquérito ao atentado de Camarate. E, se ainda aqui não me engano, estas suas declarações foram as primeiras publicamente conhecidas sobre o tema e sobre esta versão. O que significa que, a menos que outros dados venham a surgir, há sempre a possibilidade de se estar na presença de uma explicação recursiva.

Convém, porém, ter em conta o momento que se está a viver no seio da sociedade portuguesa. Um tema para o qual convém ter presente, no mínimo, estes dados.

Em primeiro lugar, até pela voz do próprio, é hoje sabido que o antigo embaixador dos Estados Unidos em Lisboa tinha aqui diversas amizades muito sólidas, sendo que até ténis jogou com Otelo Saraiva de Carvalho num campo da embaixada ou da residência.

Em segundo lugar, e por razões táticas evidentes, é natural que o embaixador pretendesse uma maior e mais profunda amizade com certa esquerda, civil ou militar, do que com a direita do tempo, dado que esta sofria da crítica feroz da generalidade dos portugueses, ao contrário da tal esquerda.

E, em terceiro lugar, porque o embaixador teria sempre de procurar um contacto profundo, próximo e amigo, com o ambiente militar. Até porque, como depois se viu à saciedade, o ambiente militar cumpriu, no tempo próprio, a promessa feita de regressar aos quartéis.

Por estas três razões, eu chamo aqui a atenção dos leitores para o alçapão desta explicação agora surgida. Indubitavelmente, é um momento estranho para chegar a público, sobretudo pelas recentes tomadas de posição dos capitães de Abril e de Mário Soares. Haverá de compreender-se que, com um ínfimo de imaginação, pode, a partir desta apregoada verdade, tecer-se uma infinda história ao redor do líder do PS, do seu partido e de muitos dos militares de Abril.

Um dado é certo: este trigésimo oitavo aniversário da Revolução de 25 de Abril mostrou o completo descontentamento dos portugueses com a veloz destruição da Constituição de 1976, mas também que os Capitães de Abril, Mário Soares e Manuel Alegre continuam a ser referências supremas para a generalidade dos portugueses, a caminho de não ter futuro. É essencial estar-se atento… Infelizmente, de um modo demasiado geral, o PS e os seus dirigentes não costumam estar. Restam-nos os Capitães de Abril e Luís Miguel Rocha.

 

 

Por Hélio Bernardo Lopes
De Portugal

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