Nós, jornalistas, e os oficiais de Hitler

Por Ronaldo Andrade 

 

Dizer apenas que “cumprimos ordens”, tais quais afirmaram no Julgamento de Nuremberg alguns membros que pertenceram ao governo hitlerista, talvez não nos absolva de nossos erros – ou pecados.

Muitos de nós, jornalistas, pensamos: “Somos apenas os mensageiros”, mas não é exatamente assim: ajudamos a construir as narrativas que os políticos e governantes, de todos os matizes partidários e ideológicos, desejam vender à população, e assim conquistar (e manipular) a opinião pública.

Não somos apenas mensageiros, meros (re)transmissores da notícia. Também influenciamos, sutilmente ou nem tanto – seja por meio de determinadas palavras e entonações que colocamos no texto impresso e de rádio, por exemplo, ou ainda por caras e bocas, no meio audiovisual (internet, TV, cinema). Aliás, caras e bocas abundam no noticiário televisivo brasileiro.

Nos exemplos citados demonstram-se a imparcialidade jornalística, que sabemos que é mito, e que agora o público, especialmente por meio das redes sociais, com suas virtudes e inúmeros defeitos, já percebeu: que os profissionais da Comunicação não são exatamente os “melhores separadores” do joio do trigo, que existem interesses políticos, ideológicos e financeiros presentes na atividade jornalística.

Joio e trigo, por sinal, muitas vezes estão juntos e entrelaçados, dificultando ainda mais o discernimento e julgamento dos fatos – ou fake news.

Cabe ressaltar que jornalistas e veículos de comunicação sofrem inúmeros ataques e pressões, e todas devem ser rechaçados para que a atividade jornalística e a liberdade de expressão, asseguradas pela Constituição Federal, possam ser exercidas em seus plenos poderes.

Confesso que só escrevo este texto por atualmente pouco depender, financeiramente, do jornalismo. Não o escreveria, provavelmente, se fosse o contrário. Mas, se pretendo falar de contradições, honestidade e hipocrisia, tenho de começar pelas minhas.

Ou estarei sendo tão ingênuo quanto o personagem de Tom Cruise no filme ‘Jerry Maguire – a grande virada”, esperando por uma conscientização de classe que não virá? No longa-metragem, o protagonista escreve um manual de boa conduta, de como os agentes esportivos devem agir, sugerindo uma honestidade de atuação que beira o suicídio – acaba sendo despedido, e posteriormente consegue sua redenção, o que convenhamos, é mesmo coisa de filme, pois na vida real seria mais difícil de acontecer caso alguém se dispusesse a tal.

Como disse certa vez um tesoureiro político, “transparência demais é burrice”, o famoso ‘sincericídio’; ou ainda a frase “o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”, dita por um ex-ministro da Economia (na época, Ministério da Fazenda).

No filme ‘Leões e cordeiros’, que aborda, entre outros, a relação Jornalismo-Política, a jornalista interpretada pela atriz Meryl Streep, numa das cenas mais emblemáticas, questiona seu editor sobre as informações transmitidas por um senador, algo como “temos de conectar os pontos para descobrir a verdade” – ou no caso, as mentiras dos fatos.

A jornalista fica no dilema entre publicar a história que acredita ser a verdadeira, distante das informações passadas pelo senador, e o compromisso profissional de obedecer a linha editorial do veículo de comunicação para qual trabalha (no caso, as ordens do editor, que “relembra” a necessidade dela receber seu salário).

Este texto, enfim, mais que um desabafo de um homem que sonhou ser jornalista e que hoje vê com preocupação e desilusão os caminhos que uma parte do Jornalismo tem enveredado, pretende, se possível, oferecer uma reflexão para que nós jornalistas – que comemoramos nosso dia em 7 de abril – possamos olhar o que estamos fazendo da profissão, com todos os percalços e dificuldades para exercê-la. “Tudo vale pena quando a alma não é pequena” (Fernando Pessoa). Tem valido a pena?

Em conversas reservadas que tenho com colegas jornalistas que atuam diariamente, confidenciam-me a dificuldade de trabalhar num ambiente extremamente polarizado politicamente, no qual muitas pautas são realizadas de forma ideológica, independentemente da editoria.

Se como dito anteriormente, se parte da audiência já constatou a imparcialidade de muitos veículos da Comunicação Social, alguns jornalistas ainda não perceberam que o público já percebeu que isso acontece, ou pior ainda, se fazem de desentendidos. Agir como os músicos na última noite do Titanic, que continuaram a tocar face ao iminente naufrágio, pode ser interpretado como um breve e último consolo, ou ainda como uma completa negação antes do inevitável fim. Neste caso, da credibilidade jornalística.

 

Por Ronaldo Andrade

Jornalista, fotógrafo. Correspondente do Jornal Mundo Lusíada na Baixada Santista desde 2007. Servidor público. Pós-graduado em Política e Relações Internacionais (Fundação Escola e Sociologia de São Paulo / SP) e em Gestão Pública Municipal (Universidade Federal Fluminense / RJ).

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