Faz o que eu digo, mas não o que eu faço

 

Surgiu nos noticiários deste segundo domingo do mês de Setembro, à semelhante de outras tomadas de posição anteriores e inúteis, a defesa, por parte dos monárquicos do PPM, de que a triste ideia de Pedro Passos Coelho, de dar início a mais uma revisão constitucional, deveria vir a contemplar a alteração constitucional que permitisse referendar a natureza do regime constitucional: os portugueses querem viver em república ou em monarquia?
Para abordar este tema, é essencial ter presente o que Salazar decidiu aquando da preparação da Constituição de 1933, uma vez que se tratava de um claro defensor da monarquia, como se sabe bem. De resto, ainda na I República, Salazar foi presente a juízo, sob a acusação de colaborar no derrube monarquia, acabando por ser absolvido.Mas Salazar fez ainda mais: colocou na Constituição de 1933 a norma que impedia de ser Presidente da República quem fosse descendente dos reis de Portugal até à quinta geração. Uma situação que nos coloca a seguinte pergunta: sendo Salazar monárquico, qual a razão de ter mantido o regime constitucional republicano, indo ao ponto de colocar no texto constitucional uma tal norma?
Bom, existiram razões conjunturais, mas existiram, por igual, razões ligadas ao modo português de estar na vida, ou seja, razões ligadas aos traços culturais dos portugueses. Se a situação portuguesa que se viveu por todo o Século XX foi a que se viu, em geral sob bandeira republicana, imagina-se facilmente o que se não teria dado se se vivesse numa monarquia. Pensando apenas em termos de corrupção e de tráfico de influências, teríamos tudo o que sempre se viu, mas muito mais ampliado. Costumo dizer a amigos meus, quando abordo este tema, que eu mesmo tornar-me-ia logo Duque de Califa e Arredores.
Mas aos monárquicos destes dias há uma outra pergunta que deve ser colocada: nos países onde vigoram monarquias, o povo pode também ir a referendo para se manifestar sobre se quer viver num regime republicano ou continuar a viver em monarquia? Fez assim o Reino Unido? E a Bélgica? E a Holanda? E o Japão? E a Espanha? Em que monarquia teve lugar um referendo como o que a nossa minoria monárquica agora volta a brandir?
Além do mais, num regime constitucional monárquico acaba sempre por estar ausente, seja do modo que for, o princípio da liberdade religiosa, como o da natureza laica do Estado. Basta olhar para os regimes monárquicos europeus, e logo se percebe que é esta a realidade.
Cá estaremos para ver o que se determinarão a fazer os partidos políticos que temos, sendo para mim uma certeza que, se a decisão final dependesse só do PSD e do CDS/PP, os poucos monárquicos que temos bem poderiam começar a encomendar o fogo de artifício.
Hélio Bernardo Lopes
De Portugal

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