Em Portugal também temos os nossos Vitkor Orbáns

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas anunciou que, a partir do próximo ano letivo, os filhos de emigrantes que queiram aprender português no estrangeiro terão de pagar uma propina de inscrição de 120 euros.

« Bomba », « risco », « discriminação », « irracional », « injustiças », « monstruoso », « falta de visão », « consequências graves », « destruir », « falta de respeito pelos nossos direitos », « ataque à nossa inteligência » foram apenas alguns dos termos que utilizei nos últimos 3 anos para denunciar os sucessivos atropelos ao direito constitucional das comunidades portugueses relativamente ao ensino.

Que adjetivo poderia utilizar agora ?

Em 2010, um deputado socialista, num momento em que o partido do qual faz parte ainda estava no Poder, pedia-me « calma » e dizia que estava a « exagerar » sem necessidade. Qual será agora a opinião dele, estando hoje na oposição?

Os políticos receberam constantemente avisos vindos do Conselho das Comunidades mas a situação continuou a degradar-se lenta, progressiva e seguramente. Chegar ao ponto em que estamos hoje leva-nos a questionarmo-nos sobre a utilidade da classe política. É como se tivessem ficado completamente inertes durante todo este tempo face à maior injustiça, o maior atentado feito a um direito fundamental das comunidades portuguesas. Praticamente o único. As migalhas que nos restavam.

Pela defesa das comunidades, apresentámos todo o tipo de argumentação possível sem resultado. Os argumentos éticos e afetivos não serviram, tal como não serviram os argumentos culturais ou económicos.

Mas salvo erro, Portugal é um Estado de Direito e existem normas a respeitar. Alguns políticos podem não partilhar os principais valores presentes naConstituiçãocomo o acesso ao ensino ou as liberdades fundamentais, mas enquanto não tiverem uma maioria de 2/3 no Parlamento, não poderão avançar com medidas « à Viktor Orbán », não  poderão violar aConstituiçãoporque até prova do contrário, nenhum homem ou partido está acima das leis no nosso país. Ou estarei enganado ?

É possível verificar na nossa Constituição que :

–          « o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática »

–          « É garantida a liberdade de aprender e ensinar »

–          « o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas »

–          « Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar »

–          « Imcumbe ao Estado […] Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa »

A própria declaração universal dos direitos do homem refere que « Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental ».

Mas já há quem diga que a propina de inscrição não impedirá o acesso ao ensino e que « corresponde quase ao preço do livro ». Só falta terem o descaramento de anunciar que essa medida irá atrair mais juventude ou que irá levar a um aumento de inscrições. É óbvio que nunca o poderão dizer porque todos nós conhecemos as consequências desta medida : num primeiro tempo, haverá uma redução maciça do número de inscrições. Observar-se-há então uma diminuição do número de horários e obviamente do número de professores, formando assim um ciclo vicioso sem fim, até ao momento em que apenas reste uma turma simbólica para ser usada nos discursos oficiais como “prova” de que o Estado “financia” o estudo da nossa língua aos filhos dos emigrantes.

Parabéns ao PS, ao PSD e ao CDS-PP que, em meia-dúzia de anos, conseguiram a proeza de liquidar o mais importante dos nossos direitos !

Passaram algumas semanas desde o anúncio do Sr. Secretário de Estado. Algum tempo passou e pôde-se pensar com calma. Mas a convicção é a mesma : nem um cêntímo. Aprender, ter acesso ao ensino da nossa língua, não pode estar a cargo dos pais porque uma propina de inscrição será sempre um travão representando um recuo brutal e inconstitucional de um direito fundamental.

Qual é o português que ainda crê no discurso dos seus deputados ou dos seus governantes ? Terá o Presidente da República a coragem de denunciar esta barbaridade ? Ou teremos, enquanto cidadãos, a missão de levar a questão ao Tribunal Constitucional ?

A poucos dias do trigésimo oitavo aniversário da revolução dos Cravos, pode-se constatar que o 25 de abril ainda não chegou às comunidades portuguesas. Mas a história mostrou e continua a mostrar que quando os políticos abusam, o povo levanta-se.

 

Por Pedro Rupio
Conselheiro das Comunidades Portuguesas
De Bruxelas

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