Eleições: A suposta superioridade moral dos pretensos virtuosos

Por Ronaldo Andrade

“Você vai votar em quem nas eleições? Jura? Não me diga, não acredito nisso… sério mesmo, de verdade? Já considerou mudar de voto?”

Não tenho a certeza se já aconteceu com você, mas comigo já – por sinal, mais de uma vez. Incrédulo, o interlocutor começa a desfiar uma enorme teia de (des) considerações aos (às) candidatos (as) que escolhemos, tentando por A mais B provar que estamos claramente equivocados em nossas decisões.

Ao mesmo tempo, passa a tecer variados elogios aos seus escolhidos, virtuosos do Olimpo (tais como ele) que nos trarão a limpeza ética que a sociedade tanto precisa – principalmente, claro, aos que não escolhem os por ele escolhidos.

Com a onda do politicamente correto e cancelamentos, tal patrulhamento também acontece com as pessoas que admiramos fora da política, como artistas ou esportistas: os pecados (não as virtudes) dos teus candidatos e ídolos passam a ser igualmente teus, seu “passador de pano” imoral e inconsequente.

Para esses “virtuosos”, graças a pessoas como você que pessoas como “aquelas” são galgadas aos postos de poder, perpetuando e normatizando situações degradantes que assim consideram. A versão atualizada da eterna luta do Bem contra o Mal.

Numa atitude intimidatória, passam a assediar os perfis nas redes sociais, seus empregadores, amigos e familiares, espalhando que você é uma pessoa desprezível, que merece ser abolida do convívio social porque compactua e estimula comportamentos abomináveis – sempre na visão deles, claro.

A feroz disputa de narrativas é o pano de fundo desse quase sangrento confronto disputado nas redes sociais, o Coliseu dos tempos modernos. Errada ou correta, justa ou não (com toda a subjetividade que tais afirmações carregam), a visão de mundo defendida por tais pessoas precisam prevalecer – afinal, elas estão “certas”, não você.

Ou seja, a democracia só vale quando os candidatos delas ganham, fora disso é antidemocrático, fake news, não pertencente ao Estado Democrático de Direito, etc.

“Democracia é quando eu mando em você; ditadura é quando você manda em mim” (Millôr Fernandes).

Obviamente, também não somos os guardiões da verdade, da justiça e do saber; desta forma, também vale para nós nos resguardar de tais tentações, as escolhas de candidatos diferentes dos nossos também hão de ser consideradas e respeitadas, gostemos ou não. Democracia.

Um interessante exercício para não cair no mesmo comportamento inquisitório é ouvir o outro lado, não apenas para discordar ou ser convertido, mas para tentar compreender os motivos das escolhas das pessoas que pensam diferente de nós. E, eventualmente, mudarmos de opinião.

 

Por Ronaldo Andrade
Jornalista, fotógrafo e escritor.
Correspondente do Jornal Mundo Lusíada na Baixada Santista desde 2007.
Servidor público. Pós-graduado em Política e Relações Internacionais (Fundação Escola e Sociologia de São Paulo / SP) e em Gestão Pública Municipal (Universidade Federal Fluminense / RJ).

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