De Angola à Contracosta Política

Por Francisco Seixas da Costa

O antigo primeiro-ministro angolano, Marcolino Moco, não gostou de declarações que proferi sobre Angola e disse-o numa entrevista a “O Sol”, em que cita o que eu referi à Lusa, à TSF e ao Jornal de Notícias.
Eu havia notado, à Lusa e TSF, que não me parece correto procurar comparar Angola com modelos políticos europeus ou latino-americanos, dado que o país deve ser avaliado à luz do resto de África. Repetindo o argumento ao JN, fui de opinião que o regime angolano não deve ser posto em paralelo crítico com sólidas democracias existentes noutras geografias, como a Noruega ou a Suíça, mas que, posto lado-a-lado com outros regimes africanos, como a Guiné-Equatorial ou a República Centro-Africana, é uma evidência que a Angola atual compara positivamente.
Marcelino Moco entende que o que eu escrevi me coloca “a falar sempre a favor do regime angolano” e que isso são “bitolas para baixo”, tratando os angolanos como “seres inferiores” que “têm de se contentar com qualquer coisa”.
Estamos aqui perante perspetivas diferentes.
Desde logo, eu discordo de Marcolino Moco quando ele fala de “seres inferiores” a propósito de comparar Angola com outros Estados africanos. Há aqui, parece-me, alguma sobranceria assumida face a vizinhos, que não são “qualquer coisa”, atitude que não fica bem a alguém que já teve fortes responsabilidades em Angola.
Além disso, eu entendo, errado ou certo, que o regime angolano, saído há 15 anos de uma sangrenta guerra civil, que se sucedeu a uma das mais traumáticas transições coloniais de toda a África, fez uma evolução importante, desde o regime de partido único de inspiração marxista-leninista para um modelo democrático, seguramente ainda muito imperfeito, mas que representa, em si mesmo, um indiscutível avanço.
Sem ironias, esse foi um “salto” similar ao que o próprio Marcelino Moco efetuou, desde os tempos em que foi primeiro-ministro dessa República Popular de Angola. Recordo-me de como defendia então um regime assumidamente totalitário, tendo evoluído até às posições democráticas em que hoje se revê, que legitimamente assume e que o coloca em oposição aos seus antigos camaradas de ideologia. E os Estados, como Marcolino Moco deve reconhecer, são como as pessoas.
Angola é, goste-se ou não, um regime politicamente em transição, como há muitos pelo mundo – um regime que partiu do totalitarismo para uma abertura democrática. A única questão é saber se essa abertura se fez ou está a fazer de modo correto e a um ritmo razoável, ou se há uma excessiva lentidão e deficiências graves nesse processo.
Podemos discutir isso, mas, repito, é insensato tentar aplicar a Angola uma matriz de exigência como a que se aplicaria a sólidas democracias, com muitas décadas de cultura democrática. Mais: nem só é insensato pedir isso, como é uma óbvia realidade que Angola está, infelizmente, ainda longe desses países com essa solidez democrática.
Esta minha constatação não absolve ninguém em Angola, ao contrário do que Marcelino Moco e alguns “futungólogos” lusitanos parecem julgar. É que, gostem eles ou não, ainda há em Portugal vozes independentes a olhar para a situação política angolana, que não são nem seguidistas do regime nem estão conquistados pela bondade das oposições.

 

Por Francisco Seixas da Costa
Diplomata português, ex-embaixador de Portugal no Brasil.

1 Comment

  1. Em primeiro lugar há que dissipar um qui pro quo que terá havido entre mim e o entrevistador da revista Sol, ao telefone.
    A falar verdade, eu não me referia ao Embaixador Seixas da Costa, que não conheço nem nunca o ouvi ou li a falar sobre a Angola política actual, comparada aos piores países do continente africano. Eu tinha em mente um outro embaixador, o Dr. António Martins da Cruz, useiro e vezeiro de tal tipo de comparações, que efectivamente não gosto. Ainda há dias esteve a falar na nossa televisão pública, com esse tipo de argumentos, num meio de comunicação em que eu e muitos outros angolanos, não temos o direito de nos podemos fazer ouvir com as nossas posições críticas tão legítimas quanto às dos que acham que com José Eduardo dos Santos dos últimos 15 anos tudo que houve de pior é perdoável.
    Quanto ao essencial, o senhor Embaixador Seixas com certeza que tem todas as suas razões ao contemplar a nossa vida política através dos olhos do passado e do pior que temos em África. Eu, ao invés, tenho o grande defeito de evoluir. E luto para que meu país e continente possam evoluir, sem voluntarismos, é claro. Todo o meu discurso cívico e académico reflecte, justamente, isso mesmo.
    O senhor Embaixador e alguns outros notáveis portugueses empurram-nos tanto ao passado, enquanto Portugal avança, que um dia desses vê-los-emos a aplaudir o nosso desembocar no nosso passado pré-colonial. Isto porque, nesta minha evolução em pensamento e ideias, chego a admitir que nem tudo foi negativo com a colonização portuguesa, que quanto mais não seja, deu origem ao nascimento de Angola como nação moderna.
    E a vossa vontade de regresso ao passado de Angola é tanta que o Senhor Embaixador descobriu uma verdade inexistente. Essa de eu ter sido primeiro-ministro da República Popular de Angola que nunca fui. A República Popular de Angola vigorou entre 1975 a 1991 e eu fui primeiro-ministro da II República (República de Angola), com a ideia auto-crítica, certamente influenciada por factores exógenos, de que o sistema anterior estava esgotado, entre 1992 a 1996. São muitos anos, de facto! Para os senhores me continuarem a vincular a esse tempo, esse sim, de guerra. A II República terminou em 2010, quando o presidente José Eduardo dos Santos, de forma ardilosa, alterou os princípios consensuais da ordem constitucional então vigente, e passou para práticas como entregar a administração de meios públicos de comunicação social a filhos, criar um fundo soberano entregando a sua gestão a um filho e, finalmente, nomear uma filha para gerir a gigantesca estatal Sonangol; só para lhe recordar algumas enormidades a que temos assistido. São esses problemas, entre outros, que tenho criticado, que eram impensáveis tanto na I como na II repúblicas. E não me venha o Senhores Embaixadores dizer que tenho que engolir este descarado nepotismo, porque na Guiné Equatorial acontecem coisas piores ou porque saímos da guerra há apenas 15 anos. Em muitos países africanos, acredite, isso levaria o céu a cair. Não falo de Portugal europeu.
    Entusiasma- vos muito que as eleições em Angola corram tão bem no próprio dia, graças ao carácter pacífico do povo angolano e dos actuais actores políticos, mas não se preocupam com o que se passa depois dessa mera formalidade, porque acham que o povo pacífico merece as irregularidades tão ostensivas dos governantes que supostamente elege no meio de tão evidente opacidade.

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