Autoridade e Bem-Comum

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

A pessoa humana é um ser social e relacional, orientada para outras pessoas e, nessa relação, cada uma toma posição relativamente às outras, por isso, só relacionando-se corretamente é que o homem se realiza com autenticidade. A sociabilidade implica deveres e garante direitos, mas para que estes sejam usufruídos, plenamente, e aqueles cumpridos com rigor, é necessário que cada um trate o outro como pessoa, sua igual, numa dinâmica de “justiça-Amor”.
Estes dois termos do binómio “Justiça-Amor”, serão fundamentais para a formação da pessoa, bem como para o desempenho do papel que socialmente lhe cabe, no âmbito da defesa e dignificação do ser humano, na convivência quotidiana, sejam quais forem os papéis em que ela se verifique.
De entre os inúmeros papéis que se oferecem ao indivíduo em sociedade, interessa agora focar o que diz respeito à Autoridade, principalmente no sentido em que, vulgarmente, é invocada, isto é: no sentido da manutenção da ordem, da segurança, da defesa dos direitos coletivos, na exigência do cumprimento dos deveres gerais que a todos obriga.
A Autoridade desenvolve-se a diversos níveis. Desde já importa referir aquele que se situa na investigação com vista ao esclarecimento da verdade judicial. Este nível, que é quase exclusivo da competência policial, ainda que sob a orientação de um magistrado judicial do Ministério Público, visa obter as provas que conduzem a um resultado de certeza.
A investigação dos factos é uma missão melindrosa e difícil, havendo absoluta necessidade de ter ao serviço, nestas tarefas, mulheres e homens de bem, que encarem o seu trabalho como um apostolado, dispostos a jogar a vida, a carreira e a honra, pela verdade, pela razão e pela justiça. Esta postura significa o drama diário do profissional pundonoroso, num meio que, normalmente, lhe é hostil, e onde muito pouco tem existido para o defender.
É um trabalho árduo, o de agente da Autoridade Policial, pleno de responsabilidade, exaustivo que, habitualmente, culmina com a única recompensa do dever cumprido, sem olhar a sacrifícios e riscos, eventualmente, um reconhecimento público por parte dos superiores hierárquicos e da comunidade.
A Autoridade garante a realização do Bem-comum numa sociedade atuante e concreta, desempenhando uma função mediadora entre os diversos níveis do agir social, numa convergência de pluralidades individuais e de ações, que devem ser normativas e progressivas, em ordem ao bem-estar social.
Há como que uma dependência mútua entre a Sociedade, a Autoridade e o Bem-comum e, neste contexto, a Autoridade seria o princípio impulsionador das vontades particulares para o Bem-comum social. Atualmente, a Autoridade é vista como uma capacidade de influir noutros, graças a certa superioridade por estes reconhecida. A autonomia da razão e a promoção da liberdade, poder-se-ão compatibilizar com o respeito devido à Autoridade, porque esta visa o bem de todos, sem exceções nem discriminações.
Reconhecer que a Autoridade Policial é um indispensável instrumento de unidade dinâmica de qualquer sociedade, e que visa o bem dos que lhe estão subordinados, não é tarefa difícil, e dela resulta a definição do âmbito da sua competência, concedendo-se que é da maior importância que seja corretamente entendida e, correlativamente, aceite no seio da comunidade em geral.
Assim, e como já referido anteriormente, a Autoridade no seu sentido lato, abrange um leque imenso de intervenções e que, como tal, poder ser acatada, embora se possa dividi-la em termos metodológicos em dois grandes níveis: Autoridade Intelectual, que emana do mestre, do especialista, do pensador; Autoridade Social, que é a dos pais, dos dirigentes, dos governantes da sociedade em geral.
É neste segundo nível que se poderá enquadrar a Autoridade Policial ou, simplesmente, a Polícia, qualquer que seja a sua especificidade: judiciária, segurança pública, marítima, prisional, sanidade, trabalho, florestal, entre outras.
Globalmente considerada, a Polícia é instituída para manter a ordem pública, a liberdade, a propriedade, a segurança individual, a fiscalização de atividades diversas, tendo por isso um caráter fundamental de vigilância, de inspeção, de repressão e de investigação.
Num dos conceitos possíveis, ainda que, atualmente, insuficiente, a polícia define-se como sendo: «A forma de actuar da Autoridade Administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objectivo evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir.» (CAETANO, 1969:247).
Modernamente, em termos constitucionais, num regime democrático, a polícia tem por funções, entre outras: «Defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.» (CRP, 2004: Art.º 272º N. 1. Pág.19). Em todos os domínios a atividade policial deverá constituir um processo jurídico de desenvolvimento da Administração Pública, para o bem do cidadão e da sociedade, e jamais uma discricionária manifestação de força armada, desproporcionada para os objetivos a alcançar, perante uma dada situação imprevista.
É no domínio da investigação dos crimes contra o Estado, a propriedade e as pessoas, que a atividade policial tem grande importância e se sente a sua necessidade, na medida em que a utilização das táticas policiais, como estudo da aplicação dos métodos de investigação mais convenientes, conjugados com a técnica psicológica e processual, possibilitam, com muita frequência e eficácia, a descoberta da verdade e a consequente punição dos autores materiais e morais da violação das leis em vigor.
Se a ação policial não se mostrar apta a combater o delito, principalmente o crime organizado e as grandes organizações criminosas, assistir-se-á: por um lado, ao revigoramento da criminalidade, com destemor e audácia, por parte dos delinquentes; e, por outro lado, verificar-se-á um fenómeno de intranquilidade individual, coletiva e social, de descrença na proteção pública das pessoas e bens, instalando-se um sentimento generalizado de terror.
A polícia não pode descurar a luta contra o crime organizado, nem a prevenção, nem a repressão que se impõe com caráter permanente, nos métodos de vigilância e fiscalização, não devendo, em circunstância alguma, ser argumento ou causa de desânimo, perante alguns factos ainda por esclarecer.
Não se poderá ignorar que o êxito policial, no respeito pelos direitos individuais de cada pessoa, anda associado ao espírito de sacrifício, dedicação, competência, tolerância e humanismo, bem como à utilização dos meios de repressão e investigação, disponíveis em cada momento, mantendo sempre a proporcionalidade e adequação dos mesmos.
Este espírito, de sacrifício e dedicação, deverá ser a qualidade primordial do funcionário de polícia, o qual procurará, com afinco, o sucesso que servirá: por um lado, para restabelecer a ordem pública, a segurança, a liberdade, a justiça individual e social; por outro lado, prestigiar a corporação a que pertence, porque não bastará proceder à recuperação material, sanar o prejuízo emergente do crime, mas ainda porque à polícia incumbe restabelecer a ordem jurídico-penal, perseguindo e reprimindo a delinquência que, diariamente, prolifera a todos os níveis na sociedade moderna.
Ao agente de polícia, qualquer que esta seja, para além da sua formação específica, deverá também ser-lhe incutido um espírito de tolerância para com determinado tipo de infratores e pequenas transgressões, que muitas vezes decorrem de dificuldades físicas, ignorância da Lei (embora este argumento não justifique a contravenção).
Para o bom desempenho das suas funções, o agente da Autoridade, em geral deverá posicionar-se sempre, sem quaisquer preconceitos de “dono da verdade e da razão” e, pelo contrário, ele, que na maior parte dos casos, também é oriundo do povo humilde, deverá compreender, esclarecer pedagogicamente e saber perdoar os pequenos delitos que, afinal, não causam prejuízos a ninguém.

Bibliografia

CAETANO, Marcelo, (1969). Direito Administrativo, Vol. II, Coimbra: Almedina
CRP: CONSTITUIÇÃO DA REPÚIBLICA PORTUGUESA (2004). Versão de 2004, Porto: Porto Editora.

Venade/Caminha – Portugal, 2020

 

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
NALAP.ORG

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