A Saúde, Arnaut e o PS

Os portugueses, na sua enorme generalidade, têm hoje a oportunidade de apreciar o que está a passar-se com o Serviço Nacional de Saúde, (SNS), universal e tendencialmente gratuito, assim estabelecido no texto da Constituição de 1976. Ele está diária e paulatinamente a ser delapidado. Objetivamente, o atual Governo dá passos, a um ritmo diário, que acabarão por saldar-se no que sempre se soube: o fim do que a Constituição da República, pouco depois de 25 de Abril de 1974, garantiu a todos os portugueses num domínio tão essencial como o da Saúde.

Em abono da verdade, porém, não pode deixar de reconhecer-se que esta caminhada atual não se iniciou com o Governo de Pedro Passos Coelho, antes tendo já tido o seu início com os Governos de José Sócrates, e mesmo até com o de António Guterres, já na sua parte final, quando no setor surgiu Correia de Campos. De resto, foi por ser esta a realidade que os grandes interesses sempre tanto apoiaram António Correia de Campos, transformando-o, após a sua saída, num exemplo supremo e mesmo num mártir. Um mártir às mãos de Cavaco e de Sócrates, como ao tempo se dizia. O que o Governo atual fez, isso sim, foi acelerar muitíssimo o processo que vinha de trás.

Não deixam, pois, de ser estranhas as mais recentes palavras de António José Seguro e de António Arnaut, pondo já de parte o quase completo silêncio do Presidente Cavaco Silva neste domínio. Nós sabemos que a atual direita teve sempre como objetivo central passar o domínio da Saúde para a área privada, porque os montantes que aí se movimentam são simplesmente fantásticos. E todos sabiam, mau grado as negativas, que o fim do SNS seria uma realidade se este Governo se viesse a constituir.

Em contrapartida, o PS de José Sócrates, como os que o antecederam, sempre consideraram que o SNS, nos termos constitucionalmente assegurados, eram a sua garantia para com os portugueses. Quer isto dizer que, no mínimo, o PS de António José Seguro deverá agora manter a sua histórica posição. Porque se o não fizer, bom, o que será que tem para dar? Será que o PS, de Seguro ou de pós-Seguro, vai fazer tábua rasa deste baluarte absolutamente essencial à sua diferenciação face à direita publicamente neoliberal? Será que vai continuar a proceder como sempre se viu, ou seja, aceitando todas as mudanças operadas ao sabor dos desejos dessa direita dos interesses?

Muito sinceramente, até pelo que se ouve e vê, é minha convicção profunda que o PS, atual ou futuro, vai deitar todas estas importantes liberdades, que o 25 de Abril e a Constituição de 1976 trouxeram aos portugueses – Saúde, Educação, Segurança Social –, às urtigas. Quase com toda a certeza, e graças à essencial colaboração da grande comunicação social, irá argumentar, num futuro próximo, que a culpa não foi sua, porque foram o PSD e o CDS/PP que destruíram tais conquistas, e que, já com os contratos criados, há o impedimento oriundo dos direitos adquiridos, etc..

Para mim, o estranho, no meio de toda esta fantástica e desumana farsa, é a posição de António Arnaut. Com espanto, eu descobri agora que o causídico pensa que o mal que hoje vai pela Saúde não é criado por Paulo Macedo, mas sim por Vítor Gaspar. Ou seja: se acaso fosse Arnaut hoje o Ministro da Saúde e Gaspar o das Finanças, aquele simplesmente se ficava, porque o Kilas do problema estaria nas Finanças! Por Arnaut, tudo iria na melhor das caminhadas, só que Gaspar o impediria de por aí prosseguir!! E então, com a finalidade de evitar que tudo ficasse ainda pior, Arnaut deixar-se-ia continuar, porque a História da Saúde em Portugal lá viria a reconhecer Vítor Gaspar como o grande Kilas de todo o problema. Simplesmente risível!

Nunca duvidei de que António Arnaut é um homem probo, intrinsecamente honesto e dotado daquelas qualidades humanas que o levam a viver preocupado com a dignidade alheia. Sempre o vi como alguém que vive atento ao que o rodeia. Mas também tenho, por isso mesmo, o direito de lhe exigir um mínimo de coerência, em especial no domínio político e das respetivas ideias. É, pois, tempo de perceber que o PS já nada tem que ver com o ideário socialista, nem mesmo social, até porque em tudo sempre cedeu aos gritos e às exigências da direita dos interesses. E assim vai de novo proceder, embora se não perceba quando será.

 

 

Por Hélio Bernardo Lopes
De Portugal

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