A Fortuna como Força do Progresso

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Refletir sobre o valor riqueza, considerado nas suas duas vertentes – material e imaterial –, não é, apenas, um mero exercício de teoria ou retórica política mas, bem pelo contrário, trata-se de analisar os reflexos, para o bem e/ou para o mal, que provoca nas sociedades modernas, não tanto pela influência das mentalidades positivo-materialistas e tecnocratas, e mais pelas possibilidades que proporciona ao desenvolvimento, através do investimento e sua rentabilização, e também pela melhoria de vida que introduz em cada pessoa em particular e à comunidade em geral. Desvalorizar a importância da riqueza, invocar princípios segundo os quais “a riqueza não dá felicidade” e outros conceitos românticos, poderá conduzir à apatia, ao comodismo e, em certas situações, à regressão, ou no mínimo, à estagnação.

O ser humano nasce para o desenvolvimento, para o progresso, para o sucesso e para ter uma vida digna, confortável e dinâmica. Então é necessário que todos tenham idênticas oportunidades, que todos sejam tratados com verdadeira justiça social e segundo as suas capacidades, contributos e méritos. Havendo uma mais justa repartição da riqueza nacional, bens e serviços, um maior número de cidadãos pode aceder às oportunidades que vão surgindo.

Quantas situações existem, em que as pessoas que por elas estão abrangidas, não conseguem, por falta de recursos materiais, beneficiar de estudos superiores e altamente especializados? Quantas pessoas existem que, carentes de meios financeiros, não tratam da saúde convenientemente? Quantas pessoas existem que, por falta de capacidade financeira, não conseguem chegar aos fóruns da justiça para verem resolvidos os seus problemas? Quantas pessoas morrem à fome, por não possuírem verbas suficientes para adquirirem a sua alimentação e de seus dependentes? Quantas pessoas vivem na rua, porque não têm capital para adquirir uma casa, ou até mesmo para alugar uma habitação?

Apesar de todas as insuficiências e injustiças apontadas, entre muitas outras que, infelizmente, seria exaustivo enumerar, a verdade é que as Constituições Políticas garantem o contrário, porém, uma vez mais, o homem, Cidadão-Político, governante não só é insensível aquelas situações, como se manifesta, quantas vezes, um ser injusto para com os seus concidadãos e outros seus semelhantes, mesmo quando, egoistamente, exige aos outros que lhe façam justiça.

Vive-se num mundo e num tempo de injustiças, com características e em quantidades tais que se tornaria fastidioso e mesmo impossível identificá-las e enumerá-las todas. Responsáveis pela prática de tantas e tão diversas injustiças é a sociedade em geral, quer representada nas suas múltiplas instituições, quer em cada cidadão, individualmente considerado.

Determinadas elites podem ser responsabilizadas por muitas injustiças, a nível privado, o mesmo sucede em relação às elites político-governantes que, tendo a obrigação moral e ética de administrar a justiça em todas as suas vertentes, nem sempre o fazem, precisamente, com equidade, proporcionalidade e oportunidade.

Em parte, é certo que o Estado, aqui assumido nos respetivos Órgãos e rostos humanos que os dirigem, têm essa obrigação, torna-se imprescindível a sua intervenção, porque: «De facto o Estado continua a ser um instrumento necessário da justiça e o lugar por excelência do qual os cidadãos esperam justiça e um tratamento igualitário em todas as esferas da sociedade, independentemente do lugar que ocupam na sua estrutura. Compete então ao Estado que se queira democrático intervir no sentido da sociedade se instruir como comunidade política adulta, contribuindo antes de mais para que ela seja justa, solidária e livre.» (ESTEVÃO, 2004: 117).

A solidariedade do Estado, em aspetos que envolvem a justiça, qualquer que seja a natureza desta, para com os mais desfavorecidos, é imprescindível: primeiro, como exemplo que deve dar à sociedade; depois, porque, normalmente, possui os recursos adequados para acudir às situações, pelo menos, numa primeira fase.

Uma sociedade justa, solidária e livre, certamente facilita o aumento da riqueza material do maior número dos seus cidadãos, desde que bem cedo na vida de cada um se criem as condições para uma consciencialização coletiva de solidariedade e de justiça.

A distribuição equitativa dos bens materiais pelos cidadãos, quando tais riquezas são património ou o produto de todos, constitui um imperativo universal, que as pessoas, as instituições e o Estado devem assumir. A distribuição das riquezas (materiais) quaisquer que sejam, conjuntamente com riquezas de natureza subjetiva, como a felicidade, a beleza, a religião e outras, em tudo o que for possível distribuir, seguramente contribuirá para um certo bem-estar geral e individual.

É claro que as elites, e o Estado é uma elite, no conjunto dos cidadãos que integram os seus diversos órgãos, têm uma posição que: tanto pode ser ajudar a reduzir as diversas misérias; como a agravá-las, sendo insensato e, em muitas situações injusto, excluir ou pretender acabar com tais elites, nem esse é o objetivo do presente trabalho, muito menos o pensamento do seu autor.

A distribuição da justiça implica, necessariamente, regras bem definidas e em todos os bens, que devem ser aplicadas, o contrário, conduziria à arbitrariedade, à parcialidade e, concomitantemente, à injustiça. Riquezas materiais e imateriais estão sujeitas, na sua distribuição, a critérios, habitualmente em função de binómios: existência-necessidade e situação-disponibilidade, também aqueles, assentes em valores ético-morais: liberdade, segurança, propriedade privada, solidariedade, paz, felicidade, obedecem a tais regras na distribuição que em relação a determinadas riquezas são estabelecidas pelo Estado, pelas instituições e/ou pelo próprio cidadão, de que resulta que: «As regras da justiça prescrevem, inclusive, o respeito à liberdade.» (GOMES, 2000: 54).

O direito à justiça, nas suas múltiplas aplicações, não apenas no seu sentido mais divulgado, a justiça dos tribunais, mas em todas as dimensões da vida humana, constitui, por si só, uma riqueza insubstituível e que a par de outras, como a graça de Deus, a saúde, o trabalho, entre, ainda, muitas outras de diversificada natureza, que podem ser mais ou menos desejadas, definem o grau de desenvolvimento e bem-estar de uma comunidade ou de uma pessoa.

Na circunstância, a justiça na distribuição da riqueza é parte integrante desse mesmo bem-estar, porque as pessoas, consideram-se objeto de um tratamento igual, face àquelas que são iguais, perante a lei. Exigir uma justiça igualitária, indistintamente da situação, necessidade, mérito e contributo de cada um para o bem-comum, tornar-se-ia numa autêntica injustiça, mas viver numa sociedade justa, tendo a justiça como valor orientador para a distribuição de todas as riquezas materiais e imateriais, implica sólida preparação de todos os intervenientes da sociedade e a todos os níveis de intervenção comunitária, o que eleva a justiça ao grau de outros valores superiores, porque: «A justiça representa um ideal de hierarquia superior». MACHADO, 1983:55).

A Justiça distributiva das riquezas, materiais e/ou imateriais, deve ser uma prática corrente em todas as elites, cujo exemplo e expoente máximos se consubstanciam nos detentores dos cargos públicos do aparelho de Estado, seguindo-se, imediatamente, todos os agentes que, de alguma forma, têm um papel a um nível idêntico.

A par de outras medidas político-sociais-económicas, a distribuição justa das riquezas, por todos produzidas, impõe-se como um desígnio universal que urge iniciar-se, desde já, como o principal contributo para acabar com as maiores chagas que envergonham a humanidade, dotada de recursos nunca antes disponibilizados, mas cada vez mais são manipulados e usufruídos por algumas elites.

Cada pessoa viverá, apenas, uma ínfima parte do tempo que a humanidade terá e já teve. Prepare-se, então, o futuro das gerações que sentem constantes dificuldades e enfrentam as mais cruéis injustiças. Isto é o mínimo que as atuais gerações, nos diversos poderes: familiar, educacional, formativo, político, empresarial, económico, financeiro, cultural, religioso, têm o dever ético-moral de fazerem.

 

Bibliografia

ESTEVÃO, Carlos V., (2004). Educação, Justiça e Autonomia: Os Lugares da Escola e o Bem Educativo. Porto: ASA Editores.

GOMES, Maria Cristina Leite, (2000). “Johm Stuart Mill: Felicidade, Justiça e Liberdade, in Phrónesis, Campinas: PUC-Pontifícia Universidade Católica, Vol. 2 (1) pp. 49-61, Jan/Jun., 2000

MACHADO, J. Baptista, (1983). Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra: Livraria Almedina

 

 

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Acadêmico de Letras e Artes de Portugal

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