A Democracia pode vir a ser posta em causa

Tomei há dias conhecimento do que já ouvira falar um pouco antes, ou seja, que Mário Soares se prepara para lançar um seu novo livro, não propriamente de memórias, mas onde se assume como político e expõe o seu ponto de vista sobre muito do que a História, Portuguesa e do Mundo, vem registando. E está, naturalmente, preocupado.
Muito em particular, o histórico líder socialista mostra-se muitíssimo preocupado com o rumo que o País está a levar, porque também já deverá ter percebido esta realidade simples: esse rumo, em termos de grande estratégia, simplesmente não existe. E então desabafa, apreensivo, com as palavras que constituem o título que adotei para este meu texto: a democracia pode vir a ser posta em causa.
Bom, sendo tal uma realidade, eu mesmo de há muito questiono se ainda se vive entre nós, de facto, numa democracia representativa. A minha opinião é que já quase se não está nessa situação, mas apenas num regime onde os órgãos do poder são escolhidos por sufrágio universal, que vai funcionando razoavelmente bem, mas sem um ínfimo de valor de eficácia nem de credibilidade. Sobretudo, nos domínios moral e ético.
Simplesmente, nós sabemos hoje bem que boa parte da responsabilidade desta situação, por cá como lá por fora, se ficou a dever aos partidos do (dito) socialismo democrático e da social-democracia, que se deixaram capturar pelos engodos do ambiente ideológico capitalista que se desenvolveu depois do colapso do comunismo, cuja génese está ainda hoje por explicar capazmente. Um fenómeno em que quase tudo foi estranho…
Tive já a oportunidade de salientar que, entre nós, e quase desde a Revolução de 25 de Abril, a atitude política do PS e dos seus dirigentes, se pautou por esta regra: a direita gritava e exigia, o PS aceitava e cedia. Uma realidade que, de resto, continua aí bem viva e à vista de todos. Basta que se acompanhe o que está a ter lugar com os essenciais setores da Saúde, da Educação e da Segurança Social: a atual maioria não teve um ínfimo de dúvida, começando a destruir o que foi feito nestes trinta e sete anos de democracia, e instaurando, aos poucos, uma estrutura essencialmente neoliberal.
Em contrapartida, os atuais dirigentes do PS, e os que os vierem a suceder, depois de andarem anos a defender o que diziam ser o seu ideário, nunca serão capazes de o vir reimplementar se, por um acaso, dentro de umas décadas, regressarem ao poder. Ou seja: a atual maioria, de um modo quase linear, sabe o que quer e aplica um programa em conformidade, mesmo que desumano, mas se o PS agora regressasse ao poder, ficaria a anos-luz do que sempre o ouvimos defender. Bom, ganha aquele, perde este último. A lógica das coisas.
De resto, não esqueço nunca o infelicíssimo papel de Mário Soares na última eleição para deputados à Assembleia da República, onde ajudou a criar junto dos eleitores uma aceitação da pessoa política de Pedro Passos Coelho, sabendo que este dizia de José Sócrates e do PS cobras e lagartos, como usa dizer-se. O resultado, pois, está à vista.
Diz Mário Soares que a democracia pode vir a ser posta em causa, o que eu secundo plenamente, mas com o senão de considerar que a mesma, ao nível representativo, está já à beira do seu fim. E se os portugueses, com o seu modo próprio de estar na vida, nunca se mostraram muito interessados na democracia, hoje praticam-na por dever de ofício, porque não sendo parvos, de há muito perceberam que os fundamentos do mecanismo democrático estão hoje completamente postos em causa, para não dizer que são impossíveis de funcionar capazmente.
Entre nós, temos aí, dentro de poucas horas, uma greve geral, mais que justificada, mas a verdade, ao nível do comportamento político do PS, e dos seus dirigentes, é a de sempre: não vai apoiar, antes se ligando, naturalmente, aos partidos hoje no poder. Uma realidade que se mostra completamente alinhada com a recente decisão do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que, depois de considerar que os cortes são ilegais e inconstitucionais, pensando um pouco, decidiu… não aderir à greve. Uma realidade mais que esperada e que me traz ao pensamento a histórica crise académica do início da década de sessenta: à última da hora, embora à tangente, lá se decidiu… ir aos exames.
Lá por fora, aí está o expectável silêncio do PS perante a brutalidade do totalitarismo americano face ao movimento Ocupar Wall Street, ou em face da colocação de tropas norte-americanas no Norte da Austrália, ou quando qualquer um minimamente interessado se dá conta de que os Estados Unidos se preparam para uma guerra preventiva contra o Irão. Tal como da outra vez, com Durão Barroso e as armas de destruição maciça do Iraque, que nunca haviam existido, também agora o PS nada diz do que nunca ninguém viu: as tais armas nucleares do Irão. É caso para dizer: mais palavras para quê?!

Por Hélio Bernardo Lopes
De Portugal

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