A criança e o folclore

Através da comunicação portuguesa e de um ou outro colóquio, lancei a “provocação”: Será que há folclore infantil?Mas que fique bem claro, que não pretendo impor a ideia de que não há folclore infantil, mas tão-somente que o tema seja estudado, analisado, e de fato se chegue a uma conclusão.

Neste momento, é certo, e perante os fatos, eu penso que não há, ou antes, que aquilo que se dança e canta como folclore infantil não o é – mas pode haver uma explicação, que eu, confesso, não encontro, para que a conclusão seja diferente.Incontroverso, é que o assunto não está devidamente estudado, mas o Inspector Lopes Pires diz que “o problema do folclore infantil resolve-se com toda a facilidade, não havendo a seu ver, razões para dúvidas. A primeira coisa é definir, claramente, do que estamos a falar, ou seja, entendermo-nos sobre o que vem a ser folclore.

Atirei o pau ao gato, a triste viuvinha, as pombinhas da Catrina, bate bate padeirinha e tantas outras modas infantis são de fato folclore? Obedecem aos seguintes condicionantes?- Ser popular (ser do gosto do povo… ser da sua predilecção)2) -Ter autor desconhecido;3) -Ser tradicional (passar de geração em geração por via oral);4) -Ser universal (pertencer a uma comunidade cultural significativa e não apenas a uma família ou pessoa).

E o Inspector Lopes Pires conclui que não há Folclore Infantil nem Folclore Adulto, há simplesmente FOLCLORE e ponte final. Alguns dos fatos folclóricos eram praticados só por adultos, outros por adultos e por crianças e outros apenas por crianças.Estou de acordo!

Mas entretanto, o  Prof. Moisés Espírito Santo diz-me:A Triste Viuvinha considera-se folclore infantil por causa da letra, que é infantil e porque a canção é de uma roda infantil em que as crianças davam a mão e giravam num sentido enquanto uma outra circulava em sentido contrário para depositar um lenço ou coisa parecida atrás de uma da roda. Ou um jogo infantil parecido, porque podia haver variantes dos mesmos jogos infantis. A “Atirei um pau ao gato” é infantil por causa da letra e da música. Talvez servisse como “puxa-línguas”, para aprender a falar ou a pronunciar as palavras corretamente.

Mas onde estão as “diferenças” que de região para região marcam o folclore? Encontram-se sem variantes, quanto às respectivas letras, porque são transmitidas literalmente. As crianças repetem lengalengas e outras formas fielmente, rigorosamente. Os mais novos aprendem com os mais velhos e um grupo com um outro. Mas pode ter havido momentos em que alguém escreveu estas cantilenas e fixou definitivamente a peça folclórica.E o conhecido antropólogo remata:

No entanto, o folclore (infantil ou adulto) não nasceu espontaneamente. Localmente, no terreno, podemos ver muitos casos em que uma cantiga ou uma música folclórica tiveram origem num criador local, eventualmente anônimo. O povo apropria-se dessas peças e toma-as como peças “locais”, e passam a genuíno folclore que passa a integrar o patrimônio dos grupos ou ranchos locais. Não tenha ilusões: não há criação coletiva. O que há são apropriações coletivas pelos grupos locais. As danças folclóricas são — vêmo-lo frequentemente — criação de ensaiadores de ranchos ou seus informantes.

Não quero comentar no que respeita ao folclore dito infantil. Mas não posso evitar de referir que todos os que andam a sério no folclore, sabem que “não há criações coletivas", que todo o tema teve o seu autor mas que o mesmo caiu no domínio público enquanto esse mesmo tema nas andanças dos trabalhadores foi sendo involuntariamente adaptado a diferentes maneiras de ser e de sentir. E há, na verdade, "ensaiadores?” que criam aquilo o que chamam folclore sem que o seja. Teremos no entanto que respeitar os que fazem um trabalho sério de pesquisa. Não na procura do genuíno ou do puro, mas do mais representativo possível!

E, claro, estou de acordo com o Inspector Lopes Pires!

Lino MendesDe Portugal; Grupo de Promoção Sócio-Cultural de Montargil
Conselheiro Técnico da Associação de Folcloristas do Alto Alentejo e Conselheiro Técnico Regional (Alto Alentejo) da Federação do Folclore Português; Um dos fundadores e, Coordenador Técnico do Rancho Folclórico de Montargil, colaborador do jornal “Folclore”; há mais de 40 anos ligado ao Folclore e escreve para o Mundo Lusíada Online.

 

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