10 de Junho: Refletindo com Sampaio da Nóvoa

Nas recentes cerimônias do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, certamente a convite do Presidente Cavaco Silva, proferiu a usual Oração de Sapiência o Reitor da Universidade de Lisboa, António Sampaio da Nóvoa, tendo o nosso Amigo José Fernandes solicitado um comentário meu sobre a referida intervenção.

Mil e uma razões do dia-a-dia, mormente o caudal noticioso vasto, as marcas desagradáveis do tempo atual e as férias do meu neto, acabaram por determinar um atraso um pouco superior ao tempo por mim inicialmente prometido. Em todo o caso, o tema em causa e o facto de que mais vale tarde que nunca, justificam que só agora venha satisfazer a solicitação do José Fernandes, mas que também seria sempre um tema sobre que me debruçaria.

Apenas a título de curiosidade, vale a pena referir que António Sampaio da Nóvoa é professor catedrático da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, tendo-se doutorado na área da Psicologia, primeiro, e na da História da Psicologia, depois, e por duas universidades distintas da Europa. Além do mais, sucedeu nestas suas atuais funções a um outro expoente da nossa cultura, José Manuel Barata Moura, também catedrático na importantíssima área da Filosofia, e na Faculdade de Letras de Lisboa. E isto para lá de ser membro do Comité Central – se acaso não erro – do PCP. Ou seja: duas personalidades de cultura muitíssimo vasta e superior.

Tratou-se, como é evidente, de um discurso de circunstância, embora duplamente especial: por ter sido proferido na data em causa e no correspondente ambiente e por decorrer no dificílimo e perigoso tempo que passa. Tal, porém, não lhe retirou oportunidade, realismo analítico e visão prospetiva. Mas mais: um discurso que, a ter sido feito pelo Presidente da República, sempre teria sido considerado como crítico face à ação política atual, com os resultados terríveis que se vêm mostrando em crescendo à generalidade dos portugueses.

Tenho para mim duas certezas: que este convite do Presidente Cavaco Silva ao Reitor da Universidade de Lisboa constituiu uma demonstração do essencialíssimo papel do ensino superior para o futuro do País, mas também que, dentro das tradições da diplomacia interna, sempre o Presidente da República terá tido conhecimento prévio das palavras que António Sampaio da Nóvoa iria proferir na cerimóniaem causa. Cresci, desde muito garoto, a tal habituado.

António Sampaio da Nóvoa referiu, e muito bem, um dado nem sempre apontado pela generalidade da classe política, que se defende evitando o reconhecimento, e a reacção em consonância, de caraterísticas típicas de um modo de estar na vida que vem já de longe: uma fragilidade endémica nacional, materializada numa dificuldade de organização interna da própria sociedade portuguesa.

Sem procurar estabelecer comparações ridículas, eu mesmo venho de há muito apontando esta realidade nos meus textos, ao mesmo tempo que estranho que tanta gente da nossa classe política se mostre incapaz de fazer o óbvio, ou seja, adotar, tão amplamente quanto possível, uma grande estratégia nacional, destinada a vigorar por uma ou duas décadas, mas que seja mantida pelos sucessivos condutores da vida nacional durante o funcionamento da vida democrática.

Mas o Reitor tem por igual razão ao salientar que nos falta a ligação entre a universidade e a sociedade, mas logo reconhecendo que pela primeira vez na nossa História se começa a ter uma base para o desenvolvimento do País. E chama ainda a atenção para que nos momentos de dificuldade não cuidámos do trabalho nem do ensino.

Ora, de tudo isto estiveram sempre muito conscientes os anteriores Governos, tendo sido dados passos de gigante pelo responsável político pelos setores do Ensino Superior e da Investigação Científica, José Mariano Gago. Passos que também vêm sofrendo algum tolhimento, e a níveis diversos, embora com recuos e posteriores retomas, mas onde parece estar ausente uma visão estratégica clara, bem como o reconhecimento do que de excelente foi feito pelo Governo anterior. É um setor onde, a ter de haver mudanças, terão estas de ser ditadas pelo desenvolvimento do muito já feito e não por cortes cegos, à semelhança do que se vem vendo em diversas outras áreas da vida pública.

Neste sentido, e procurando contrariar claramente a tendência que se tem vindo a ver por parte do atual Governo, António Sampaio da Nóvoa volta apontar o óbvio: as universidades vivem de liberdade e precisam de ser livres. Uma afirmação que se pode estender, com a máxima naturalidade, ao setor politécnico do Ensino Superior.

Acontece, porém, que a sociedade portuguesa, mais ainda no tempo que passa, vive muito das palavras, que de facto não mudam a realidade, porque só a consciência o pode fazer. Aliás, e como por igual refere, uma sociedade para ser livre não pode ser apenas como hoje é a nossa, porque sendo essencial que existam as liberdades de falar e de viver, é absolutamente fundamental que esteja presente a dignidade social. Um domínio cujo conteúdo os portugueses conhecem muitíssimo bem e com uma terrível dor, seja ela individual ou familiar.

Tenho, porém, dúvidas sobre se a classe política que temos, e até com o tal modo português de estar na vida, e que é de todos nós, consegue aproveitar a natural e omnipresente energia interna que também existe no seio da sociedade portuguesa. Num tempo com a extraordinária omnipresença dos media, a verdade é que deverá existir uma opção deliberada, e que não é só do tempo de hoje, virada para a manutenção de metodologias de comando da sociedade que nunca poderão suscitar grandes vontades nacionais nem aproveitá-las. Só assim os portugueses reconhecerão que a justiça social está presente e se materializa, e a todos os níveis, numa sociedade mais justa, mais igualitária e com um muitíssimo menor fosso social, que é o inverso do que se está a dar.

Por tudo isto, o Reitor deitou mão do exemplo de Roosevelt, no seu discurso de 1941, onde apontou a necessidade de uma objetiva igualdade de oportunidades, de emprego para os que possam trabalhar, de segurança para os que dela precisem, do fim dos privilégios para poucos e de liberdade para todos. Pelo que todos nós hoje vamos podendo ver, por cá e por esse Mundo fora, este magnífico e humanista ideário de Roosevelt encontra-se hoje completamente subvertido pelo modelo neoliberal, naturalmente potenciado pela globalização. De resto, a recente cimeira do Brasil veio mostrar, precisamente, que a defesa do próprio Planeta foi bastante secundarizada, para mais depois do razoável incumprimento das medidas anteriores. Uma realidade que se ficou a dever à supremacia do económico sobre o político, como também salientou o Reitor.

Tem muitíssima razão o académico ao referir que não é a pequena dimensão do País a nossa grande limitação, porque são muitíssimo mais essenciais os fatores conhecimento e ciência. A realidade, porém, é que toda a atual política vai no sentido de isolar, ainda mais, o interior de Portugal, hoje já com uma desertificação muitíssimo acentuada.

Como se torna evidente, por quanto se referiu antes, mas também pela política hoje prosseguida pelo atual Governo, e quase em nada posta em causa pelo principal partido da oposição, nós estamos hoje pior do que ontem. Uma realidade que é válida desde a queda do anterior Governo, mas que é também uma marca muito longínqua no seio da sociedade portuguesa, sob muitos aspetos fazendo lembrar um gráfico em dentes de serra no âmbito de seu desenvolvimento e da sua posição relativa no seio da Comunidade Internacional.

Como é hoje evidente e tantas vezes eu mesmo salientei a tempo e horas, uma enorme parte dos portugueses e das suas famílias vive hoje com situações de dificuldade e de pobreza, e de desemprego crescente e de que se não vislumbra o fim. É já uma enorme parte da comunidade nacional, mas que não para, infelizmente, de se alargar.

Mas António Sampaio da Nóvoa aponta que precisamos de ideias novas, de alternativas, acreditando que as há sempre. É bom não esquecermos o tempo que passa, que também nos mostrou que o poder das populações está longe de poder determinar o destino do País, mesmo naqueles domínios ligados à sua soberania ou mais essenciais à defesa da dignidade humana. A democracia está hoje subvertida, e um pouco por todo Mundo.

Estas foram, em boa verdade, as causas do fim do tal contrato social, cuja regra de ouro se materializa na defesa dos mais desprotegidos, e que se constitui num compromisso com os outros que nos torna humanos. E, de facto, o que hoje se nos vai mostrando a cada dia que passa é a horrorosa sociedade do salve-se quem puder e a qualquer preço. Não vai ser fácil sair deste lodaçal tipificado numa completa ausência da tal regra de ouro referida por António Sampaio da Nóvoa.

Por fim, o Reitor salienta que a Europa não é uma opção, é a nossa condição. Muito sinceramente, não penso nem pensei nunca deste modo. E, até onde sei, também muita gente alemã, dos patamares político e técnico superiores, pensam poder subsistir e competir, mesmo que sozinhos, enquanto Estado independente. Suportam-se, neste seu pensamento, no que António Sampaio da Nóvoa referiu na sua oração: conhecimento e ciência, com as correspondentes aplicações. Mesmo fora da Europa, embora a ela não fechados – nunca estivemos –, nós podíamos estar hoje muitíssimo melhor, assim tivessem os nossos políticos tido a vontade e a arte e o engenho que sempre estiveram ao nosso alcance, e cuja falta tem materializado o tal nosso mal endémico.

Mas será que os portugueses são capazes de corresponder àquele convite cantado por José Afonso, no sentido se construirmos um País solidário, onde haja o direito às coisas básicas e simples? A uma primeira vista, a cava histórica que hoje nos atinge, e que será muito longa, mostra que será precisa muita vontade nacional para se conseguir tal desiderato, o que, em última análise, sempre acabará por depender dos que dirigirem a Nação, e cuja escolha depende dos eleitores.

Tudo depende, pois, dos eleitores portugueses, cujo exemplo, ao longo destas quase três décadas da nossa III República, está longe de se nos mostrar como um potencial de escolha democrática ponderada e objetiva. Para o bem e para o mal, e vivendo intimamente a alegria de ser português, com a infinda riqueza da nossa Nação, estou longe do otimismo expresso pelo Reitor da Universidade de Lisboa, António Sampaio da Nóvoa, e certo de que os portugueses ficarão a anos-luz de dar à nossa classe política a resposta que bem merece e se pôde observar na Grécia.

 

Por  Hélio Bernardo Lopes
De Portugal

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