Parlamento aprova na generalidade projetos de lei que legalizam a eutanásia

Da Redação com Lusa

 Nesta quinta-feira, a Assembleia da República portuguesa aprovou na generalidade os quatro projetos de PS, BE, IL e PAN que regulam a despenalização da morte medicamente assistida e seguem agora para o trabalho na especialidade.

Na votação dos quatro diplomas posicionaram-se a favor a maioria dos deputados da bancada do PS – incluindo o líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias – e ainda o BE, Iniciativa Liberal e os deputados únicos do Livre, Rui Tavares, e do PAN, Inês Sousa Real.

Votaram contra as bancadas do Chega, do PCP e a esmagadora maioria dos deputados do PSD, incluindo o líder parlamentar, Paulo Mota Pinto, e o secretário-geral, José Silvano.

Partidos

Os líderes do BE, PAN e IL defenderam hoje a segurança jurídica dos diplomas que propõem para despenalizar a morte medicamente assistida e apelaram a que não se volte a adiar a entrada em vigor da lei.

No debate parlamentar dos projetos do PS, BE, PAN e IL, a coordenadora do BE, Catarina Martins, recordou que o parlamento aprovou em janeiro de 2021 a despenalização da morte assistia e que, “desde então o Presidente da República entendeu, por duas vezes, obstar à promulgação da lei”.

“E porque este processo leva já anos e deve agora ter a sua conclusão normal: a promulgação e a entrada em vigor da lei”, afirmou, considerando que o debate de hoje resulta de um “pedido de afinamento terminológico feito pelo Presidente da República”.

Catarina Martins — cuja intervenção foi sendo pontuada por protestos da bancada do Chega – criticou ainda os que “querem tornar o parlamento refém do medo”, dizendo que a lei será aplicada a mais casos do que o que estava previsto, e rejeitou que o atual texto do projeto do BE seja “substancialmente diferente do da lei anteriormente aprovada, porque já não se cinge às situações de terminalidade ou de doença fatal”.

“Com toda a serenidade, reponha-se a verdade: nunca o alcance dos projetos de lei — desde logo os do Bloco de Esquerda — nas suas redações anteriores, foi confinado a situações de fatalidade ou terminalidade”, afirmou, dizendo que o Tribunal Constitucional aceitou esta consagração.

Pelo PAN, a porta-voz Inês Sousa Real defendeu que uma lei justa tem de “servir e defender quem sofre irremediavelmente, quem não tem cura para o seu estado clínico e quem, independentemente da opinião ou crenças de terceiros, tem o direito a tomar decisões sobre a sua própria vida”

“O processo legislativo para regular as condições em que a morte medicamente assistida não é punível foi dos processos mais discutidos e fundamentados que tivemos nesta casa”, afirmou, defendendo já estar assegurado “um reforço do amplo consenso político” e considerando que o Tribunal Constitucional entendeu que “a inviolabilidade da vida humana consagrada na Constituição não constitui um obstáculo inultrapassável para se despenalizar, em determinadas condições, a antecipação da morte medicamente assistida”

“O que não pode é continuar a adiar-se esta questão”, apelou.

Em nome da Iniciativa Liberal, o presidente e deputado João Cotrim Figueiredo lembrou ser a terceira vez que os deputados vão debater esta matéria, que considerou ter estado “em debate alargado e profundo na sociedade portuguesa há vários anos”

“A consagração de um direito como o da morte medicamente assistida não é, repito, não é o mesmo que defender o seu exercício (…) Por outras palavras, não despenalizar escolhas morais é aceitar que existe uma moral coletiva que o Estado pode impor. A Iniciativa Liberal rejeita que tal seja legítimo”, disse.

Cotrim Figueiredo criticou, por outro lado, a iniciativa do Chega que pede um referendo sobre a despenalização da morte medicamente assistida.

“Esta é uma tentativa tosca de fazer duas coisas inaceitáveis. A primeira é de estabelecer um precedente de que direitos fundamentais e liberdades individuais são referendáveis. Não são e nunca deverão ser”, afirmou.

Por outro lado, o líder da IL defendeu que “a via referendária corresponde a uma visão intrinsecamente populista da democracia que é contrária à da democracia liberal” que o partido “nasceu para defender”.

Em outubro de 2020, a Assembleia da República “chumbou” um referendo sobre a morte medicamente assistida, ou eutanásia, apresentado através de uma iniciativa popular com mais de 95 mil assinaturas, mas João Cotrim Figueiredo votou na altura a favor, enquanto o deputado do Chega André Ventura não esteve presente.

Suicídio

Já o Movimento Ação Ética (MAE) considerou que, no caso da eutanásia, “os deputados decidiram aprovar uma lei que, em vez de garantir um fim de vida apoiado nos cuidados paliativos, legaliza e promove o suicídio assistido”.

O MAE critica o fato de os quatro projetos terem sido aprovados na generalidade “apesar dos vários pareceres negativos (Ordem dos Médicos, Ordem dos Enfermeiros, Ordem dos Advogados, Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, etc.)”.

“Infelizmente, a AR continua a desvalorizar as dificuldades da população no acesso aos cuidados de saúde, que foram recentemente agravadas pela pandemia de covid-19. A aprovação desta lei, desvinculada das reais necessidades da população, revela uma obstinação ideológica de alguns deputados e partidos políticos”, acrescenta o MAE em comunicado.

“Esta é uma lei absolutamente desnecessária, pois não foi reclamada por nenhuma associação de doentes, nem tem o apoio dos médicos e de outros profissionais de saúde”, defende o movimento fundado em 01 de janeiro de 2021, por António Bagão Félix (economista), Paulo Otero (jurista), Pedro Afonso (médico psiquiatra) e Victor Gil (médico cardiologista).

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) reafirmou a sua oposição à legalização da eutanásia e do suicídio assistido, distanciando-se de “iniciativas que insistem na sua aprovação, nomeadamente os projetos de lei votados” nesta quinta-feira no parlamento.

“Quando o mandamento de Deus diz ‘não matarás’, todos nós ficamos protegidos. Quando a lei dos homens permite ao Estado – às vezes e em certos casos – tirar a vida, todos nós ficamos expostos”, consideram os bispos católicos portugueses.

A CEP acrescenta, em comunicado, que “a dignidade humana, que deve ser garantida sempre e também no fim da vida, não passa pelo direito a pedir a morte mas pela garantia de todos os cuidados para evitar o sofrimento, como indicam os códigos deontológicos dos profissionais de saúde, reafirmados no contexto das reincidentes iniciativas legislativas de alguns grupos parlamentares pelas respetivas ordens profissionais”.

“Os projetos de lei aprovados representam um alargamento da legalização da eutanásia e do suicídio assistido para além das situações de morte iminente, abrangendo também situações de doença incurável e deficiência, o que aproximará a nossa legislação dos sistemas mais permissivos já existentes, que felizmente são muito poucos”, critica o episcopado.

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