ONU adota pacto que visa construir um “futuro melhor” para a humanidade

Da Redação com Lusa

 

Os Estados-membros das Nações Unidas (ONU) comprometeram-se hoje a traçar “um futuro melhor” para a humanidade afetada pelas guerras, pela pobreza e pelo aquecimento global, apesar da oposição de alguns países, incluindo da Rússia, à adoção deste acordo.

Em causa está o “Pacto para o Futuro”, adotado hoje em Nova Iorque no arranque da “Cimeira do Futuro”, um evento projetado pelo secretário-geral da ONU em 2021 e apresentado como uma “oportunidade única” para mudar o curso da história.

Depois de duras negociações até ao último minuto, a Rússia manifestou hoje a sua oposição ao texto, sem, no entanto, impedir a sua adoção por consenso.

“Isto não pode ser considerado multilateralismo, ninguém está satisfeito com este texto”, declarou o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Vershinin.

A Rússia, apoiada pela Bielorrússia, Irão, Coreia do Norte, Nicarágua e Síria, quis apresentar uma emenda ao projeto, defendendo que a ONU “não pode intervir” nos assuntos “internos” dos Estados, mas a maioria da Assembleia recusou-se a aceitar esta proposta.

Antes da Cimeira, António Guterres tinha revelado uma certa frustração com o conteúdo do texto, apelando aos Estados para que demonstrassem “coragem” e “ambição máxima” para fortalecer as instituições internacionais “obsoletas”, que já não são capazes de responder eficazmente às ameaças atuais.

No Pacto, os líderes comprometem-se a fortalecer o sistema multilateral “para acompanhar um mundo em mudança” e “proteger as necessidades e interesses das gerações atuais e futuras” ameaçadas por “crises contínuas”.

“Acreditamos que existe um caminho para um futuro melhor para toda a humanidade”, diz o texto.

O Pacto apresenta, em mais de 20 páginas, 56 ações em áreas que vão desde a importância do multilateralismo ao respeito pela Carta da ONU e à manutenção da paz, desde a reforma das instituições financeiras internacionais até à do Conselho de Segurança da ONU, ou a luta contra as alterações climáticas, o desarmamento e o desenvolvimento da inteligência artificial.

Em negociação ao longo de vários meses estiveram também o “Pacto Digital Global” e a “Declaração sobre as Gerações Futuras”, que foram anexados ao “Pacto para o Futuro”.

Mesmo que existam algumas “boas ideias”, “este não é o tipo de documento revolucionário que reforma totalmente o multilateralismo que António Guterres tinha apelado”, avaliou o analista Richard Gowan, do International Crisis Group (ICG), antes da adoção.

Vários diplomatas duvidaram da ambição do texto e do seu impacto.

A luta contra o aquecimento global foi um dos pontos delicados das negociações, tendo a referência à “transição” para abandonar os combustíveis fósseis desaparecido do projeto durante várias semanas.

Os países em desenvolvimento, em particular, exigiram compromissos concretos sobre uma reforma das instituições financeiras internacionais, para facilitar o acesso de alguns deles ao financiamento preferencial para lidar com desafios como os impactos das alterações climáticas.

O projeto também inclui certos “compromissos importantes” nesta área, comentou a organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch, saudando elementos sobre “a centralidade dos direitos humanos”.

Mas “os líderes mundiais devem fornecer provas de que estão prontos para agir para garantir o respeito pelos direitos humanos”, insistiu Louis Charbonneau, especialista na ONU da ONG.

O “Pacto” e os seus anexos – Pacto Digital Global e Declaração para as Gerações Futuras – são não vinculativos, levantando a questão da sua implementação enquanto alguns dos princípios apresentados, como a proteção de civis em conflitos, são violados diariamente ao redor do mundo.

Acordos históricos

O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, saudou a adoção de “três acordos históricos” na Cimeira do Futuro, advogando que o objetivo daqueles é uma mudança radical que permita tirar o “multilateralismo do abismo”.

“Estamos aqui para trazer o multilateralismo de volta do abismo. (…) Convoquei esta Cimeira porque o nosso mundo está a descarrilar e precisamos de decisões difíceis para voltar aos trilhos”, instou Guterres.

“Os conflitos estão a alastrar-se e a multiplicar-se, do Médio Oriente à Ucrânia e ao Sudão, sem fim à vista. O nosso sistema de segurança coletiva está ameaçado por divisões geopolíticas, postura nuclear e o desenvolvimento de novas armas e teatros de guerra. Recursos que poderiam trazer oportunidades e esperança são investidos em morte e destruição”, lamentou.

O líder da ONU frisou que, apesar das dificuldades atuais, não existe uma resposta global eficaz para ameaças emergentes, complexas e “até existenciais”, acrescentando que as ferramentas e instituições multilaterais são incapazes de responder efetivamente aos desafios políticos, econômicos, ambientais e tecnológicos de hoje.

Guterres criticou ainda o próprio Conselho de Segurança da ONU, considerando-o “desatualizado” e com a “autoridade a desgastar-se”.

“A menos que a sua composição e métodos de trabalho sejam reformados, ele acabará por perder toda a credibilidade”, alertou.

Frequentemente considerado obsoleto, o Conselho de Segurança da ONU já é alvo de pedidos de reforma e expansão há décadas, com países emergentes como a Índia, África do Sul e Brasil a pretenderem juntar-se aos cinco membros permanentes.

Em geral, quase todos os países da ONU consideram necessário reformar o Conselho de Segurança, mas não há acordo sobre como fazê-lo, com diferentes propostas na mesa há anos, sendo que algumas englobam uma representação africana permanente no Conselho.

“O nosso mundo está a passar por um momento de turbulência e um período de transição. Mas não podemos esperar por condições perfeitas. Devemos dar os primeiros passos decisivos para atualizar e reformar a cooperação internacional e torná-la mais conectada, justa e inclusiva — agora. E hoje, graças aos vossos esforços, nós fizemos isso”, comemorou Guterres, após a adoção dos três acordos.

O Pacto para o Futuro, o Pacto Digital Global e a Declaração sobre as Gerações Futuras “abrem caminhos para novas possibilidades e oportunidades”, avaliou o ex-primeiro-ministro português.

“Saúdo esses três acordos históricos — uma mudança radical em direção a um multilateralismo mais eficaz, inclusivo e em rede. Tenho lutado pelas ideias neles desde o primeiro dia do meu mandato. E estarei totalmente comprometido com sua implementação até ao último dia”, assegurou diante de dezenas de Chefes de Estado e de Governo.

“Ao longo da minha vida — seja como ativista político ou na ONU — aprendi que as pessoas nunca concordam sobre o passado. Para reconstruir a confiança, devemos começar com o presente e olhar para o futuro. As pessoas em todos os lugares esperam por um futuro de paz, dignidade e prosperidade. E elas veem as Nações Unidas como essenciais para resolver esses desafios”, acrescentou.

Apesar da adoção por consenso destes três acordos, a Cimeira do Futuro arrancou hoje em Nova Iorque sob grande polémica após uma intervenção da delegação russa, que rejeitou categoricamente o “Pacto para o Futuro” – que vinha sendo negociado durante meses – e pediu para que fosse alterado.

“Não houve nenhuma reunião em que todas as delegações se sentaram para estudar o documento parágrafo por parágrafo. Apenas foram apresentadas alterações para beneficiar os países ocidentais. Isto não pode ser chamado de multilateralismo. É um grande fracasso para o princípio da ONU de igualdade soberana dos Estados”, advogou a representação da Rússia.

A posição de Moscou foi reforçada por países como a Venezuela, que aludiu a uma “atitude arrogante” dos países ocidentais que não contempla “o princípio sagrado da não ingerência nos assuntos de outros Estados”.

A Rússia tentou boicotar o “Pacto para o Futuro” através de uma alteração ao texto, que acabou rejeitada pela maioria da Assembleia-Geral da ONU.

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