O discurso de ódio já está em Portugal, diz Anistia Internacional

Da Redação
Com Lusa

O diretor da Anistia Internacional Portugal, Pedro Neto, alertou, em entrevista à agência Lusa, para a presença do discurso de ódio em Portugal, apontando o combate à discriminação como o maior desafio atual dos direitos humanos.

“O discurso de ódio já está presente em Portugal, já há laivos de populismo, que está a ver se consegue ganhar tração e fazer caminho. Já está cá e é preciso que as pessoas estejam muito atentas para não se deixarem enganar”, disse Pedro Neto.

O diretor da Anistia Internacional Portugal manifestou preocupação com “todo este discurso de ódio, de notícias falsas e da escalada da violência verbal nas redes sociais”.

“As pessoas já têm consciência de que os direitos humanos são assuntos de todos, todos os dias, mas há interesses que procuram manipular a opinião pública e conseguem fazê-lo muito rapidamente através das redes sociais. Isso é preocupante. Há interesses não condizentes com os direitos humanos a quem interessa demonizar os direitos humanos e quem os defende” para conseguir avançar as suas ideias, alertou.

Numa entrevista a propósito dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que se assinalam dia 10 de dezembro, Pedro Neto sustentou que existe entre os portugueses “muita consciência” da importância dos direitos humanos, mas ressalvou que, nos casos do discurso de ódio, de interferência em eleições e do populismo, as pessoas acham ainda que só acontece em países como os Estados Unidos, a Rússia ou o Brasil.

As Nações Unidas comemoram ao longo deste ano os 70 anos da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de dezembro de 1948), efeméride a que se associam em Portugal as comemorações dos 40 anos da adesão à Convenção Europeia dos Direitos Humanos (09 de novembro de 1978) e da ratificação (15 junho de 1978) dos pactos internacionais de direitos civis e políticos e de direitos econômicos, sociais e culturais, que lhe dão força jurídica.

Numa avaliação à situação mundial dos direitos humanos, Pedro Neto afirmou-se como um “otimista preocupado” e alertou para os retrocessos registados nos últimos anos.

“Há um momento definidor que é o aumento e o crescimento do discurso de ódio e até da mentira como forma de manipulação mediática”, disse, apontando a eleição de Donald Trump como um marco desse retrocesso.

Reconhecendo que “à escala temporal” de 70 anos a “evolução foi imensa” em matéria de direitos humanos e que “o mundo está muito melhor”, Pedro Neto lamenta que “nos últimos poucos anos” se tenha “andado para trás”.

“A eleição de Donald Trump marca o tempo a seguir no ataque às pessoas, na discriminação generalizada a grupos mais vulneráveis e no recurso à mentira e à manipulação da mentira”, sustentou.

“A sua forma de estar, a retórica de ódio, de conflito, de ir muito à simplificação dos assuntos e dos problemas, um discurso que demoniza as outras pessoas. É uma forma muito concreta de dar azo à discriminação”, reforçou.

O diretor da AI destacou a importância da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que considerou “lindíssima”, mas assinalou que os pactos que lhe dão força jurídica não são subscritos por vários países.

“Isso desresponsabiliza esses países de, através da força jurídica e da lei, protegerem os direitos humanos. Por isso, é preciso que os parceiros diplomáticos e as ONG [organizações não-governamentais] sejam uma voz forte de advocacia social e política para que estes países subscrevam e se submetam à força jurídica dessas convenções”, defendeu.

“Estamos no século XXI e há coisas nestas convenções que nem se discutem de tão magnânimas e aceites que são. Portanto, é a hora da coragem, de meter na força de lei os direitos humanos”, acrescentou.

Para Pedro Neto, os maiores desafios de direitos humanos são hoje o combate à discriminação e à falta de direitos econômicos.

Por um lado, disse, a discriminação de mulheres, refugiados, comunidades LGBTI [Lésbicas, Gay, Bissexuais, Transgênero e Intersexo] e de outra raça, e por outro, a inexistência de direitos econômicos para franjas da população.

“Numa altura em que o mundo poder ser próspero e em que é matematicamente possível que não morra ninguém de fome, que toda a gente tenha um teto para viver e onde dormir, que toda a gente tenha acesso a cuidados básicos de saúde, a questão da pobreza extrema e da pobreza em geral é o outro grande mal”, disse.

Portugal enfrenta, segundo Pedro Neto, também estes problemas de direitos humanos e destaca a violência racial por parte da polícia, as condições prisionais, a discriminação salarial das mulheres e no acesso a cargos de chefia e o problema de acesso à habitação.

“A questão da habitação afeta muitas pessoas em Portugal, já não apenas pessoas pobres, mas pessoas de classe média ou até pessoas com empregos que não pagam apenas o salário mínimo. Em determinadas situações, essas pessoas já têm dificuldades no acesso a uma habitação condigna, principalmente nos grandes centros urbanos”, disse.

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