Novo link submarino de internet vai acelerar cooperação científica

Por Pablo Nogueira

Embora América do Sul e Europa continuem separados por um oceano, a distância digital entre os dois continentes começou a se estreitar em fins de agosto. No dia 30, durante a conferência digital TICAL 2021, ocorreu a inauguração do EllaLink, um cabo de fibra ótica implementado pelo consórcio científico BELLA que conecta diretamente Fortaleza, no Ceará, à cidade de Sines, no litoral de Portugal.

Como parte dos procedimentos de inauguração, a equipe do São Paulo Regional Analysis Center (SPRACE), projeto ligado ao Núcleo de Computação Científica (NCC) da Unesp, conduziu uma série de experimentos para demonstrar o potencial do novo cabo, o qual tem potencial para impactar a colaboração científica entre as duas margens do Atlântico. Durante os experimentos, foram transmitidos dados entre São Paulo e Lisboa, onde está instalado o Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), e entre São Paulo e as instalações do Centro Europeu para Pesquisas Nucleares (CERN). A taxa de transmissão de dados entre São Paulo e os centros de pesquisa europeus alcançou os 100 gigabits por segundo, propiciando um ganho de quase 10 vezes sobre a atual velocidade de transmissão.

Atualmente, a conexão entre o CERN e o SPRACE se dá através de redes que conectam a Europa com as cidades de Nova York e Washington, nos EUA. De lá, os dados trafegam por Atlanta e depois Miami, também nos EUA, antes de chegarem ao Brasil (veja mapa abaixo). Com o cabo EllaLink, os dados viajam por 6,2 mil quilômetros através do Atlântico, a uma profundidade que pode chegar a 4 mil metros, desde a costa brasileira até a Europa. Com a redução de percurso, o tempo para que um pacote de dados viaje de São Paulo até as instalações do CERN e retorne caiu, em valores médios, de 0,256 segundo para 0,106 segundo, menos da metade do valor atual.


Em amarelo, a atual conexão que liga o SPRACE, em São Paulo, ao CERN, na Suíça. Em rosa, o novo cabo EllaLink, do programa BELLA.

A demonstração envolveu o apoio e a infraestrutura de duas redes brasileiras, a rede acadêmica paulista, ou Research and Education Network at São Paulo (Rednesp), e a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Financiada pela Fapesp, a Rednesp chamava-se ANSP até 2020, tendo sido a primeira instituição nacional com acesso à internet. Usando equipamentos ópticos desenvolvidos pela empresa brasileira Padtec, os dados gerados em servidores no NCC foram transmitidos até os ativos de rede da Rednesp, instalados no datacenter da Equinix na cidade de Barueri. Equipamentos de rede de última geração da RNP e da RedClara foram responsáveis por permitir a transmissão entre São Paulo e Fortaleza, onde se situa o link para o cabo submarino do programa BELLA. A transmissão da inauguração da rede contou com a presença do vice-Ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Sérgio Freitas.

Entre os parceiros europeus, a demonstração envolveu o Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas e a Infraestrutura Nacional de Computação Distribuída, ambos de Portugal, e da rede multi-gigabit GÉANT, a principal rede de ensino e pesquisa da Europa. Na América Latina, houve o apoio da Cooperação Latino-Americana de Redes Avançadas (RedClara). O consórcio BELLA é integrado por GÉANT, RedClara e RNP, e investiu 25 milhões de euros no cabo, dos quais 7,5 milhões foram custeados diretamente pela RNP. A maior parte do investimento, estimado em 150 milhões de euros, foi custeada pelo fundo de ações pan-europeu Marguerite II. O novo cabo permitirá a comunicação rápida entre a Europa e sete países ligados a RedClara.

“A nova conexão permitirá pesquisas de alta qualidade, e possibilitará que a comunidade de pesquisadores de física de altas energias responda aos requisitos demandado pelo LHC em sua nova fase, em termos de taxas e volumes de transferência de dados” diz Mário Reale, que atua como senior research engagement officer no Geant. “A GÉANT e a RedCLARA, juntamente com a RNP, a Rednesp, a FCCN e outras redes europeias e sul-americanas, estão empenhados em continuar colaborando estreitamente para alcançar este objetivo, como têm feito com sucesso nos últimos anos.”

Conexão ultrarrápida é essencial para trabalho com o CERN

Além da competência técnica, a escolha do SPRACE para participar do evento de lançamento esteve ligada também ao fato de que o projeto com certeza será um dos principais usuários do programa BELLA, dentre todos os institutos e grupos de pesquisa do continente sul-americano. “O SPRACE já é um dos maiores utilizadores de rede na América do Sul, devido à colaboração com o CERN “, explica o coordenador-chefe da Coordenadoria de Informação da UNESP, Ney Lemke, que é também um dos diretores da Rednesp.

O CERN, situado em Genebra, abriga uma das mais sofisticadas infraestruturas de pesquisa do planeta, se não a mais: o acelerador de partículas Large Hadron Collider (LHC). Em seus experimentos, o LHC realiza colisões de “grupos” de prótons de altas energias a cada 25 nanosegundos. Estas colisões são monitoradas por nada menos do que 150 milhões de sensores, e o resultado é a produção anual estimada de 30 petabytes de dados brutos (um petabyte equivale a um milhão de gigabytes). Para processar tantos dados, o CERN utiliza um sistema de computação distribuída, o Worldwide LHC Computing Grid, que mobiliza 170 nós e 300 mil unidades de processamentos espalhadas por centros de processamento de dados em 40 países. A cada ano, o SPRACE recebe o equivalente a 9 petabytes de dados brutos para processar, e retorna 3 petabytes de dados processados ao CERN. “Sem uma estrutura de computação nestes moldes, levaria décadas para que os pesquisadores pudessem processar os dados que o LHC gera”, explica o professor Sérgio Novaes, coordenador do SPRACE. Parte das ferramentas de software usadas no experimento são as mesmas usadas pela colaboração CMS, responsável por um dos quatro grandes detectores em atividade no acelerador.

Atualmente, o LHC passa por um processo de “upgrade” que vai aumentar exponencialmente sua capacidade de realizar colisões de prótons. A previsão é que isso irá gerar um aumento de até 20 vezes o total de dados que são gerados atualmente.

“Essa conexão de alta velocidade será essencial para que possamos continuar colaborando com a análise e o processamento de dados do CERN neste novo período, que deve começar a partir de 2026”, diz Novaes.

“A participação do SPRACE foi considerada em função de nossa experiência em experimentos de transferência de dados durante as conferências anuais de supercomputação com Caltech e vários outros parceiros internacionais, que já resultaram em três recordes, em 2004, 2009 e 2016, respectivamente a 1G, 10G e 100Gbps”, diz Rogério Iope, engenheiro de sistemas e pesquisador do NCC/Unesp, que participou da demonstração.

“Investimentos constantes ao longo dos anos da Rednesp, da Reitoria e de projetos como o SPRACE e o GridUnesp garantiram à Unesp uma solução satisfatória para o problema da última milha, termo que define a conexão entre o provedor de acesso à internet (no nosso caso, Rednesp e RNP) e as instituições clientes”, diz ele.

Lemke lembra que os benefícios não necessariamente vão se restringir ao universo dos pesquisadores. “De uma hora para outra, vamos poder ganhar muito tempo no trânsito de dados entre os dois continentes. E vivemos numa era em que os dados são um elemento crítico. Diversos processos que se tornarão mais rápidos, causando efeitos positivos na vida de muita gente”, avalia.

 

Do Jornal da Unesp

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: