Lusodescendente realiza filme para se “apropriar” das raízes portuguesas

Da Redação
Com Lusa

O filme “Menina”, realizado por Cristina Pinheiro e atualmente em exibição em algumas salas em França, nasceu de uma tentativa da cineasta luso-descendente se “apropriar” das suas raízes portuguesas, que temeu perder após a morte dos pais.

Com os atores Nuno Lopes e Beatriz Batarda, o filme conta a história de uma família portuguesa em França, nos anos 1970, através do olhar de uma menina de 10 anos, que já nasceu em França e que é confrontada com uma mãe distante e um pai com problemas de álcool, que lhe confessa que vai morrer.

“O filme partiu da história do meu pai e, durante a escrita do argumento, perdi a minha mãe. Além de ficar órfã, era Portugal que partia também. Foi terrível porque não perdia apenas os meus pais, perdia uma parte de mim e a minha cultura, porque cresci com o chouriço, as filhoses, o fado da Amália Rodrigues e a língua que nunca aprendi”, contou à Lusa a cineasta de 46 anos.

Depois de um percurso como atriz e de ter realizado as curtas-metragens “Morte Marina” (2002) e “Liga” (2012), Cristina Pinheiro quis “regressar” a um Portugal que conheceu a partir de França, para assinar a primeira longa-metragem.

“Quando se nasce em França, com pais portugueses, quando regressamos a Portugal não nos fazem visitar nada, porque é suposto sermos de lá. Mas eu não era de lá, não conhecia nada e só em jovem adulta pedi para visitar. O filme foi uma maneira de me apropriar da minha visão de Portugal, da minha portugalidade, desta coisa que está em mim – apesar de mim -, mas que faz parte de mim”, continuou.

A história, filmada em Port-Saint-Louis-du-Rhône, no sul de França, começa com uma festa de portugueses no 25 de Abril e termina com a festa nacional francesa a 14 de julho, numa escolha simbólica para mostrar os dilemas de uma identidade dividida entre dois países.

“Como é que se gere quando dentro de casa é Portugal e quando se mete o pé lá fora é França? Isto numa altura em que a emigração portuguesa era forte e sentia-se racismo em muitas frases? É como se todos dissessem: tens de escolher entre ser francesa ou portuguesa, entre amar a tua mãe ou o teu pai. Escolhe até a tua revolução! Mas ela não deve ter de escolher, porque ela é as duas coisas!”, explicou à Lusa.

Além da história da “menina”, o filme também se debruça sobre o percurso dos pais, “que vivem numa França que os acolhe”, e mostra “o sentimento de exílio e de dor relativamente ao seu próprio país”.

Na narrativa, a fuga clandestina de Portugal, conhecida como “o salto”, transforma-se numa espécie de conto de encantar nas palavras do pai da jovem protagonista.

“A palavra salto para definir esta emigração é como um salto no vazio, é pura poesia. Até a fotografia rasgada parece uma lenda. É incrível e tão poético. Eu quis explicar ao público francês, como se explica a uma criança, de forma simples e envolvido em muita poesia, algo muito difícil e duro”, acrescentou.

Ao longo do filme, Salazar soa a “Saint Lazare”(Santo Lázaro), uma confusão fonética que a realizadora acredita ter surgido em muitas crianças filhas de emigrantes.

“Salazar e Saint Lazare… Sinceramente, penso que não sou a única. Penso que somos muitos os filhos lusodescendentes a ter ouvido esta palavra. Eu perguntava quem era, mas eles [pais] nem percebiam por que razão eu perguntava e respondiam ‘Salazar é Salazar’. Mas eu não percebia como é que esta figura – que não parecia muito agradável – podia ser santo!”, recordou.

A realizadora revelou, ainda, que quando terminou de montar o filme e o viu, disse à editora: “Durante uma hora e meia ouvi um fado” porque “tudo está suspenso entre o rir e o chorar”, entre “um cenário belo, fadista, selvagem e com uma luz incrível” e um cenário “não tão belo com fábricas e paredes estaladas”.

“Para mim, é exatamente a definição do fado filmado. Poder-se-ia cair no miserabilismo, mas isso não acontece. Não quis fazer um filme de época, quis fazer um filme sobre o sentimento de uma época. Quis que pudéssemos passear na lembrança de uma época. Por isso, as coisas, às vezes, parecem tão irreais”, esboçou.

Cristina Pinheiro considera que, neste momento, os lusodescendentes estão a protagonizar “um despertar” do interesse pela história da emigração portuguesa para França, e já está a escrever o próximo filme onde “Portugal vai estar presente de uma outra forma”.

Para já, a realizadora promete “fazer tudo” para que “Menina” chegue às salas portuguesas, porque “não compreenderia se este filme não aterrasse em Portugal, tendo em conta que, em todas as famílias portuguesas, há forçosamente alguém que partiu para França numa determinada altura”.

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