Expedição: Relatos de Uma Aventura pelo centro-oeste do Brasil

Por Bruno GouveiaDa Expedição Brasil-2008

Bruno Gouveia

Ainda antes de deixar Miranda, a cidade do Estado do Mato Grosso do Sul que nos serviu de base para a visita ao Pantanal, o último abastecimento de combustível tornou possível sabermos da existência de um nosso conterrâneo há muito habitante da cidade.

Reconhecendo o nome Funchal, o empregado da gasolineira perguntou-me se éramos da ilha da Madeira. Estupefacto perguntei se ele já tinha visitado a Região. Que não, foi a resposta. E explicou que tinham uma pessoa conhecida que nasceu na Madeira e que há muitos anos vivia em Miranda. E descreveram o senhor, de tal modo saudosista, que sempre que fala na Madeira fica com os olhos mareados. Foi realmente uma pena não termos oportunidade de confraternizar e gerar alegria nas partes.

Mas a hora era de partida, na direcção de Goiás, a antiga capital do Estado de Goiânia.E com boas estradas asfaltadas fomos atravessando as longuíssimas rectas, que por vezes tinham dezenas de quilómetros, ladeadas por extensas plantações que, creio, por informações prestadas, serem de soja e milho. A única certeza era de que o calor se tornava cada vez mais difícil de suportar.

Pouco agradável foi notar, no final da etapa, que a estrutura metálica da mala top-case se tinha voltado a quebrar. O dano primeiro resultou de uma clara suposição de ter incorporado o espírito dalgum piloto do “Dakar”. E com uma moto de 252 kgs vazia, a que se junta uma carga (malas e combustível) e o meu peso, a totalidade deve estar bem próximo dos 400. Se não os ultrapassar! E como algumas estradas de terra, no Estado do Mato Grosso do Sul, convidavam a sentir o prazer de esvoaçar deixando um rasto de poeira no ar e a sentir a adrenalina da moto saltando (baixinho, mas saltando!), ora isso revelar-se-ia nefasto para as estruturas que suportavam toda a carga. Se o motor e a instabilidade do piso me instigavam a acelerar, pois a velocidades elevadas se transpõe melhor alguns obstáculos, o certo é que na fúria do divertimento (a mente apenas se ocupa de tirar partido da situação), de modo silencioso, o equipamento ia-se “queixando”.

Em Miranda, junto de uma empresa da especialidade, já tinha procedido à soldadura da peça. Na ligação a Cassilândia, com 681 kms rodados, todos eles em muito boas estradas asfaltadas, quebrou pelas soldaduras. Não me atrevo a questionar a qualidade do trabalho realizado, mas as dúvidas persistem.

Com o excessivo calor que se começa a sentir, nomeadamente entre as 11 e as 16 horas, o desconforto é gritante. Nomeadamente para o Pedro Silva que usava um fato em cabedal, extremamente quente. Não surpreendeu o facto dele o ter oferecido a um jovem que lhe lavou a moto na concessionária da marca. Ficaram ambos satisfeitos, especialmente o Pedro pelo prazer de ver o contentamento do rapaz.

Não só inebriado pela oferta, o jovem revelaria o seu desconhecimento pela famosíssima marca de roupa internacional que ostenta um crocodilo verde. Sabendo que vínhamos do Pantanal, o moço perguntou ao Pedro se havia comprado a pólo, que no momento vestia, por lá. Respondendo que não, mas contudo não compreendo o porquê de tal questão, o meu colega de viagem retorquiu com uma indagação e a resposta do jovem foi, no mínimo, sugestiva e analogamente correcta: “pensei que a tivesse comprado no Pantanal, porque lá tem jacarés. E como a camisola tem aí um jacaré…”

Passaríamos posteriormente por Goiás, a primeira capital do Estado de Goiânia, mas que perdeu, em 1937, tal posição. No entanto, todo o ano, durante a festa da sua fundação, que ocorre a 25 de Julho, ainda ostenta durante três dias o estatuto de capital de estado. Desde 2001 que é património da UNESCO, o que resultou de um intenso trabalho de restauro, onde uma das medidas foi aterrar toda a rede eléctrica das ruas do centro histórico.

Naquilo que se previa ser uma etapa relativamente curta e que se chegaria ao destino ainda antes do sol se colocar, eis que tudo se inverte e a nossa orientação é afectada por algo que, supomos, ter sido ausência de alguma placa indicadora. Até ganha uma certa graça dizermos que saímos de Goiás rumo a Brasília e quando nos apercebemos estávamos entrando em Goiânia, a capital do Estado com o mesmo nome. Brasília é uma cidade com menos de 50 anos, tendo sido construída de raiz em apenas três. Por isso, à medida que nos aproximávamos de Goiânia custava-nos a crer que Brasília fosse daquele modo, pois foi uma cidade completamente projectada para ser modelo e ser a capital do Brasil, porquanto situar-se no centro geodésico do país, embora possua hoje o dobro da população para a qual nasceu.

Resumindo e concluindo: depois da nossa passagem pela cidade de Anápolis, Brasília ficaria para um lado e nós fizemos todo o trajecto, de 53 kms, em sentido contrário. Mais 106 kms que nos levaram a entrar em Brasília de noite e sem grandes opões de escolha de alojamento, o que resultou, necessariamente pelo adiantado da hora, num hotel cujo preço triplica a média que habitualmente pagamos.

No manhã seguinte a habitual visita para registos de imagens, o que não fugiu muito da longa e larga avenida de 6 faixas para cada lado, e que a chegar à Praça dos Três Poderes alberga a Esplanada dos Ministérios. Destaca-se antes de lá chegar a Catedral Metropolitana, para a Praça dos Três Poderes. De salientar também que estando próximo ao Palácio do Planalto, onde o se encontra o gabinete presidencial de Lula da Silva, fui o primeiro a registar em vídeo uma tentativa de invasão do palácio, por parte de um cidadão descontente que alegava querer falar com chefe da nação brasileira. Imediatamente a eficiente segurança controlou a ocorrência. Num ápice chegaram operadores de câmara e fotógrafos, que se encontravam nas redondezas, e que certamente deram amplitude informativa ao assunto.

Após Brasília levaríamos mais dois dias para percorrer os quase 2.200 kms rumo à capital do Pará – a cidade de Belém, sendo que as últimas duas etapas superaram em 5 e 3 kms, respectivamente, os 900 kms.

Nem mesmo pelo facto de ser domingo se a chegada a Belém acontece de um modo mais abençoado. Ironias à parte, cremos que mesmo que até o fomos e agradecemos esse facto. Com o intuito de não chegarmos de noite, pois o crepúsculo aproximava-se insistentemente, encetamos uma corrida contra o tempo. A estrada, de pista dupla, com muito bom asfalto eleva-nos a confiança. Acelerar é tarefa que não assusta. Mas eis que, seguindo o Pedro Silva, não visualizo uma enorme cratera, que ele também viria a passar. A Honda Falcon, mais leve e apenas com uma mala nada sofreu.

Num ápice um “pum” violentíssimo ecoa e senti-o verdadeiramente nas mãos e braços, retransmitido pelo guiador. Tudo tão rápido que nem me apercebi de nada. Nem tempo houve para um susto! O pensamento imediato foi de que a frente da moto se havia desestruturado totalmente. Porque tudo senti na frente e não consegui identificar a proveniência de tão elevado estrondo. Atordoado com a situação, que ainda não tinha identificado, reparei que rolava normal, o que me satisfez e confortou-me solenemente. Estaria tudo bem com a moto?! Parando na berma da estrada, ainda tenho tempo de ver as duas malas laterais saltitando pela pista. Acompanhei-as visualmente aguardando que parassem. Algo de bom aconteceu: ambas terminaram a sua trajectória fora da estrada, o que facilitou enormemente a sua recolha.

Os danos? A quebra de um dos três apoios em ambas as malas e o partir da estrutura de suporte de uma delas. A perda da estrutura metálica de protecção aos faróis. E uma fissura insignificante numa pala, junto ao pneu traseiro, que funciona como guarda-lamas.Se atrasados estávamos, atrasadíssimos ficámos.

Agradecemos ainda o facto desta situação ter ocorrido num momento em que estaremos viajando para Manaus. Subiremos o rio, durante 6 dias, de barco e regressaremos a Belém de avião.

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