Expedição: A viagem fluvial pelo Amazonas

Bruno Gouveia

Durante esta última semana o meu contacto com o mundo resumiu-se apenas à paisagem amazónica que me envolveu e ao contacto com as pessoas que comigo dividiam a aventura na subida fluvial entre as capitais dos estados do Pará e do Amazonas, Belém e Manaus, respectivamente.

A viagem fluvial, pelo que aqui se diz, apenas é usada pelas pessoas que não têm recursos para a fazerem de avião. E a diferença de tempo é bem grande. De barco é necessário despender uma semana, enquanto de avião será entre 90 a 120 minutos.

Antes de prosseguir, torna-se imperioso informar que o Pedro Silva teve que voltar a Fortaleza para resolver uma situação que ele considerou imperiosa e que não queria deixar apenas para quando chegássemos à cidade que habita, pelo que no momento estou realizando a viagem só.

Esta viagem fluvial apresentou-me alguns choques. Começou com a chegada ao porto de Belém de onde partiria o barco. Para uma importante ligação entre duas cidades capitais de Estado, o investimento na melhoria da infra-estrutura é fundamental. Isso é urgente para melhorar a imagem de apresentação, mas também para a melhoria das condições dos utentes. Por outro lado, a viagem tem o seu quê de fantástico e diferente que poderia ser muito bem explorada pelo turismo que não se importa de integrar o espaço do “povo” para melhor sentir o seu pulsar.

Agora, algo que, praticamente em todo o Brasil, deverá alterar-se é o modo, que eu chamarei de cultural, de negociar. Poucos são os produtos e serviços que possuem preço fixo. E como a minha percepção de negócio é de que ambas as partes saiam ganhando. Quer a que vende, que deverá fazê-lo com um preço justo e não especulativo, quer a que compra que sinta ter pago o real valor financeiro pelo que adquiriu. No entanto, isso ainda não acontece no Brasil. A especulação é elevada e tratando-se de “gringos” – designação atribuída a estrangeiros, a situação piora muito. E tudo começa pelo facto de se associar estrangeiro a pessoa com forte poder aquisitivo.

No porto de Tamandaré, onde se encontrava o navio Clívia, um estreito acesso de terra prolongava-se para um espaço mais abrangente, também em terra, onde a desorganização de pessoas, carga e estacionamento impera.

Um longo e estreito passadiço de madeira, rectilíneo, leva-me até ao barco ancorado no final do pontão. Pelo meio desvio-me a espaços das carretas de carga, empurradas por homens, que voltavam vazias. Na sua maior parte, os trabalhadores que lentamente empurravam essas pesadas carretas, que se equilibram sobre dois pneus, apresentam-se de calções e tronco nu, calçando as conhecidas chinelas “havaianas”. Por estas bandas tudo é feito com aplicação de força braçal.

Com um atraso de pouco mais de uma hora partimos. Também, como é possível determinar horários para as tarefas quando todas as “máquinas” existentes são humanas e expostas a um desgaste físico impressionante?

Pretendendo jantar, fito atónito com o horário das refeições, que apresenta um desfasamento total com o normal quotidiano, mesmo com os naturais do país: pequeno-almoço: 6/7.30 horas; almoço: 10.30/12; jantar: 16.30/1830.

No “café da manhã” (pequeno-almoço) e apenas no barco que nos transportou até Santarém, havia um tratamento diferenciado entre os passageiros de camarote e de rede. Para os primeiros, tudo à descrição (café, leite, pão, fiambre, queijo e fruta, que era apenas melancia e ananás). Para os segundos apenas um pão com manteiga e café com leite e sempre controlados por uma funcionária (camareira) que não libertava os olhos da mesa onde seis pessoas comiam à vez.

De salientar ainda que o pequeno-almoço para camarotes acontecia junto à casa das máquinas, o que impossibilitava, de todo, qualquer comunicação. Nem mesmo a própria voz era possível escutar.

Creio que as autoridades brasileiras desconhecem, por completo, as condições, em parte desumanas, em que se faz o transporte de pessoas por via fluvial. Existem momentos em que nos sentimos como gado apertado e ironicamente ignorado naquilo que são condições básicas para qualquer ser humano. A higiene é muito precária. Com o início do crepúsculo surge a bicharada esvoaçante, desde borboletas, mosquitos e baratas a que se juntam centenas de aranhas que descem dos tectos e provocam alguns sustos nos passageiros menos habituados a estas andanças.

O mito de que as refeições quentes são sempre arroz e frango não corresponde à realidade, apesar de não ser uma ementa muito variada e de conter no mesmo prato batata, arroz e massa.

A travessia fluvial entre Belém e Manaus foi realizada em dois barcos, embora existisse completo desconhecimento da totalidade dos passageiros nesse facto.

Cremos existir completo desrespeito pelas pessoas, que como muitos passageiros comentaram, não tinham comprado passagem com ligação, mas sim um bilhete directo entre as duas cidades. Falo, claro está, dos que viajavam para além de Santarém, a cidade onde se deu a transferência.

Nisto, há que registar a irresponsabilidade dos barcos que visam apenas o lucro, não se preocupando com condições contratuais para com os passageiros. Aqueles que viajavam com cargas pesadas e/ou volumosas, na transferência de barco, tiveram que voltar a contratar carregadores, algo que, de certeza absoluta, não estava no orçamento. Relativamente a todo o ambiente natural envolvente, ele é realmente magnânime. Existem momentos em que quase não se observam as margens do rio, tal a enorme distância entre elas, como existem outros em que mais parecemos estar num canal estreito.

Ao longo das margens amazónicas, observam-se inúmeras habitações onde se crê que apenas a pesca e a caça de subsistência são o suporte básico de vida das pessoas. Um facto que aconteceu ao longo de vários dias e que parece ser tradição na região, é o aproximar de pequenas embarcações, comparáveis ao tamanho de kayakes, para recolherem ofertas que os passageiros dos barcos lhe atiram para a água. Desde roupa a calçado usados, como também alimentação.

Como o barco sobe o rio muito lentamente, isso possibilita que algumas pequenas embarcações a remos, se aproximem da popa, fixando-se através de corda, para venderem pequenas iguarias no barco, como sacos de camarão. Feito o negócio, soltam a sua pequena canoa e voltam ao seu quotidiano.

À parte das habitações isoladas que margeiam o rio, existem pequenas cidades onde o barco ancorou para largada e recolha de passageiros e carga. Breves, Óbidos, Santarém, Parintins, Juriti, são algumas delas. De salientar ainda que todo o trajecto não é feito apenas num único rio. Existem inúmeros afluentes e rios que fornecem um visual bonito e que se assemelham a caminhos, ruas e avenidas labirínticas de água. Em suma, é necessário conhecer muito bem a região para navegar sem se perder, porque toda aquela área é gigantesca..

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