Especialista em Gestão de Pessoas entre Brasil e Portugal defende RH “estratégico e proativo” para ultrapassar os desafios

Por Igor Lopes

Consolidar novas forma de flexibilização da jornada de trabalho, apostar no bem-estar e em uma cultura de confiança, responsabilidade e impacto social, trabalhar o envelhecimento da força de trabalho e as diferentes gerações, valorizar a capacitação das equipes e gestores, promover o aproveitamento de talentos e fazer com que a área de gestão de pessoas seja trabalhada de forma estratégica e proativa nas organizações. É dessa forma que Marcelo Fernandes, coordenador-geral de Recursos Humanos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) do Brasil avalia as novas diretrizes que vão nortear o RH das instituições públicas e privadas. Este especialista luso-brasileiro garante que os novos desafios nessa área de atuação passam pela emergência de uma nova Era Digital, com os seus diferentes impactos sociais e econômicos.

À frente do RH do INPI desde 2007, Marcelo Fernandes conta com experiência de 30 anos na área de gestão de pessoas, tendo atuado também no ramo acadêmico como professor e pesquisador, além de ter exercido funções como consultor e profissional de RH em empresas públicas e privadas de grande porte no Brasil, como Dataprev e Otis Elevator Company.

Conversamos com esse gestor após a sua participação como palestrante na segunda Conferência Internacional de Gestão de Recursos Humanos em Língua Portuguesa, promovida pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa, entre os dias 14 e 15 de fevereiro. Em entrevista à nossa reportagem, Fernandes ressaltou as atividades na Administração Pública Federal do Brasil, sublinhou os desafios atuais no mercado de trabalho, falou sobre os projetos em andamento no INPI e destacou os principais temas que fazem parte da área de gestão de pessoas no Brasil e em outros países.

Como avalia a atualidade do serviço público no Brasil?
Em todo o mundo estamos vivenciando, em maior ou menor grau, fortes transformações na Administração Pública. Em um cenário cada vez mais conectado, integrado e independente é exigido que a Administração Pública seja mais participativa, com maior qualidade e interação com a sociedade e, no Brasil, é possível ver alguns movimentos nessa direção com uma maior procura pela melhoria da transparência pública e melhoria de acesso aos serviços por meio da maior digitalização e oferecimento dos melhores resultados e experiências.

Como os gestores devem lidar com esse processo de mudança e com a sua complexidade?
Lidar com mudanças em um ambiente com elevada hierarquização, divisão de tarefas, cultura avessa à risco e descontinuidade na alta liderança não é fácil. Vejo a necessidade de se apostar no desenvolvimento de competências para promover a mudança na liderança sênior. Programas de desenvolvimento são essenciais, além de práticas focadas na realidade, fortalecendo a comunicação, o feedback, com olhos voltados para melhores resultados. Além disso, é preciso fortalecer o investimento na capacitação operacional, visando dotar as organizações de competências adequadas ao processo de mudança, hoje com forte viés digital.

E como vê a transformação no mundo do trabalho?
Estamos vivenciando a mudança da Era Industrial para uma nova Era baseada na Inteligência Artificial, ao mesmo tempo em que também experimentamos mudanças no clima e demografia, com consequências humanas, econômicas e sociais. Nesse novo cenário, as pessoas poderão desenvolver novas profissões relacionadas com as novas tecnologias. Assim, as novas funções deverão ser potencializadas nos campos da computação, cuidados humanos e das energias renováveis e limpas. Entretanto, no caso do Brasil, ao contrário do europeu, além do enfrentamento do alto nível do desemprego atual, teremos de enfrentar a melhoria dos índices de qualidade da nossa educação que hoje não permitem que o Brasil possa lidar com essa nova Era com as capacidades necessárias.

Como enxerga o desenvolvimento gerencial na Administração Pública no Brasil?
O Brasil, tendo em vista as suas singularidades e desigualdades, tem procurado o desenvolvimento das pessoas e dos gestores na Administração Pública, visando à melhoria da sua qualidade. Entretanto, os estágios desse esforço e os seus resultados ainda são díspares. No campo da Administração Pública federal, as escolas de governo vêm atuando permanentemente no desenvolvimento dos gestores, como é o caso da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), com sede em Brasília, que possui parcerias com escolas estrangeiras, fruto de um esforço para integrar saberes e alavancar a capacitação. No caso do INPI, desde 2007 estamos trabalhando para fortalecer uma cultura de aprendizagem e, nesse contexto, o programa de Desenvolvimento Gerencial tem dado suporte para que o Instituto consiga obter melhores resultados para a sociedade, bem como contribuir para que o órgão tenha grande destaque no Levantamento de Governança e Gestão de Pessoas do Tribunal de Contas da União (TCU), nos últimos seis anos.

Qual é o papel do gestor nessa nova Administração Pública que está surgindo?
Em vista da complexidade, exigência por maior participação da sociedade no dia a dia da Administração Pública e necessidade de melhoria da sua agilidade e apresentação de melhores resultados, há uma grande responsabilidade por parte do gestor público brasileiro. Tal e qual os EUA e Canadá, e diversos países europeus, o Brasil está preocupado com o desenvolvimento dos gestores para a nova realidade em um mundo digital. Na minha opinião, o gestor público deverá desenvolver a sua capacidade de trabalhar em um ambiente mais dinâmico, fortalecendo as equipes e a fluidez da comunicação e o feedback contínuo, desenvolver também a capacidade de relacionamento e aprendizagem, facilitar a identificação de talentos e compartilhar visão e estratégias.

Que perfil o profissional de RH deve ter para agir frente à essas mudanças?
Nos próximos anos, vamos experimentar o convívio de cinco gerações diferentes no ambiente de trabalho, o que é um desafio para as áreas de recursos humanos públicas e privadas. Precisaremos de um RH capaz de conjugar os desafios organizacionais com uma atuação mais segmentada e singular em atenção aos anseios dos diferentes grupos geracionais. Na área pública temos avançado com ações que privilegiam a qualidade de vida no trabalho, por meio de programas específicos. No desenvolvimento de pessoal também há um grande esforço, mas que carece ainda de maior flexibilização e agilidade para atender os anseios dos mais jovens. Um ponto de destaque nos últimos tempos é o atual foco em flexibilizar a jornada de trabalho com o programa de Teletrabalho, o que auxilia a qualidade de vida e a produtividade. Entretanto, alguns pontos que merecem atenção são a estrutura e o plano de carreiras, que necessitam ser repensados. As carreiras precisam ser mais flexíveis, além de serem instrumentos que permitam valorizar o engajamento das pessoas.

A gestão de recursos humanos do INPI é então ator e objeto de transformação do Instituto?
Ao longo dos últimos 12 anos, tivemos, inicialmente, o desafio de desenvolver uma equipe recém-chegada e promover políticas estruturantes de RH que possibilitassem o desenvolvimento organizacional. Trabalhamos com foco no desenvolvimento de um ambiente de aprendizagem e mais integrado, com a preocupação de se ter um bom ambiente de trabalho, voltado para a colaboração e confiança mútuos. Mais recentemente, trabalhamos para consolidar as questões voltadas para os aspectos comportamentais, flexibilização da jornada de trabalho com a implementação do Teletrabalho, reestruturação da capacitação gerencial e para fortalecer a capacitação tecnológica na área de Patentes, bem como aprimorar o programa de qualidade de vida dos servidores, além de promover a melhoria dos processos internos da área. O nosso foco tem sido atuar no sentido de dar o suporte aos desafios estratégicos atuais e futuros do INPI.

Que desafios a Administração Pública no Brasil irá enfrentar nos próximos anos na área de gestão de pessoas?
Além do necessário aumento de investimento na capacitação para enfrentar a realidade de um mundo digital, nos paradigmas da indústria 4.0, vejo que a flexibilização da jornada de trabalho, por meio do programa Teletrabalho, é uma tendência que nos acompanha de perto no RH. Outro ponto que merece destaque é a necessidade de uma forte atenção à gestão do conhecimento na Administração Pública, um grande repositório de experiências, conhecimentos e competências, o que é algo a ser visto para enfrentar os desafios que surgem. Precisamos agir à frente das mudanças que estão chegando. A área de recursos humanos deve se antecipar aos impactos que a tecnologia e a inteligência artificial irão gerar nas organizações e às configurações económicas, sociais e demográficas.

Por fim, que temas o gestor de RH deve considerar como fundamentais atualmente?
Estamos em um mundo interdependente e conectado, onde a revolução digital transforma o sistema produtivo, mercado de trabalho, relações e dinâmicas humanas, económicas e sociais, com maiores exigências e empoderamento por parte dos diversos atores envolvidos. Nesse contexto, as empresas, tanto quanto a Administração Pública, se deparam com maior necessidade de considerar e interagir com a sociedade nas suas ações e decisões. Para lidar com a exigência de maior transparência, responsabilidade e impacto social, qualidade, resultados, novas tecnologias produtivas e novas configurações da força de trabalho, o gestor deverá focar nos temas como diversidade, bem-estar, carreiras mais flexíveis e as experiências singulares de capacitação, bem como disponibilização de serviços ágeis. Também deverá considerar todo o ecossistema, devendo apoiar o desenvolvimento de cultura e competências alinhadas com as entregas que a sociedade exige.
Assim, os gestores precisam ter uma preocupação holística, trabalhando os pilares da excelência administrativa, para alcançarem o funcionamento ágil e seguro da área, além do desenvolvimento de um ambiente positivo, meritocrático e de diversidade, apostando na gestão de carreira, de talentos e das competências necessárias às organizações.

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