Corrida à “ciência da pandemia” passou por Portugal em dois anos de Covid

Da Redação com agencias

A pandemia de covid-19 completa neste dia 11 dois anos, e o sobe e desce das curvas de casos e óbitos ao longo deste período teve dois fatores como protagonistas: as variantes e as vacinas.

Os últimos dois anos diante do vírus desencadeou uma corrida a recursos para combater e compreender a doença e entender os seus impactos, que em Portugal se materializou no desenvolvimento de medicamentos, vacinas, equipamentos e outros projetos.

Em Cantanhede, a empresa de biotecnologia Immunethep desenvolveu uma vacina inovadora, administrada através do nariz, que lhe permite concentrar o efeito imunitário nas mucosas dos pulmões, a via principal de entrada do coronavírus SARS-CoV-2 no organismo humano.

Os ensaios não clínicos feitos em animais terminaram em julho, mas o projeto continuava em janeiro deste ano à espera de financiamento do Estado para passar para a fase dos ensaios clínicos, necessários para se poder pensar em introduzi-la no mercado,

A empresa estima que sejam precisos 20 a 30 milhões de euros para se concretizar esta vacina, cujo desenvolvimento começou ainda em 2020, mas que não beneficiou de investimento adiantado como outras vacinas que se generalizaram, como a da empresa BioNTech, que em conjunto com a Pfizer beneficiou de investimento do governo alemão.

No Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa (ITQB NOVA), uma equipe coordenada pela pesquisadora Cecília Arraiano foi por outro caminho e descobriu três compostos que atacam o SARS-CoV-2 independentemente da resposta do sistema imunitário da pessoa infetada, avançando que cada um deles reduz até 70 por cento a atividade do coronavírus.

A partir de abril de 2020, a equipe foi procurar entre os milhares de compostos químicos nas bases de dados internacionais por aqueles que pudessem encaixar em duas ribonucleases do vírus, moléculas com um papel determinante na sua replicação.

A perspectiva é de que ao limitar a multiplicação do vírus, se reduza a gravidade da covid-19, que, na ausência de outras complicações de saúde graves, se manifestaria como uma constipação.

Ainda antes da variante Ómicron, mais contagiosa e geralmente menos virulenta, os três compostos estavam em agosto de 2021 em fase de registo de patentes, com dois deles aprovados de antemão pelo regulador dos medicamentos norte-americano para uso em outras doenças.

Na reação à primeira vaga da pandemia, em março de 2020, o CEIIA- Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Matosinhos, criou em 45 dias o primeiro ventilador português, numa altura em que estes equipamentos estavam em alta procura para as vítimas de formas mais graves da covid-19 que requeriam internamento e respiração assistida.

O “ventilador português” foi batizado de Atena e recebeu apenas uma autorização excecional condicionada para ser utilizado nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde face à escassez de aparelhos.

A equipe do CEiiA pôs-se a desenvolver uma segunda versão do aparelho com tecnologia mais evoluída.

Também em 2020, surgiu com assinatura portuguesa uma máscara de pano com capacidade de inativar o SARS-CoV-2, criada numa colaboração entre várias empresas e universidades portuguesas.

No combate à pandemia Portugal investiu através da Fundação para Ciência e Tecnologia mais de 15 milhões de euros em apoios extraordinários para projetos científicos neste âmbito.

O mecanismo Research4Covid-19 distribuiu 3,8 milhões de euros por 121 projetos que abrangeram áreas como a genética, investigação em saúde pública e ciências sociais.

O investimento público na “ciência covid-19” contemplou ainda projetos de inteligência artificial e processamento de dados na administração pública, o estudo do impacto da pandemia em termos de gênero e a promoção de escolas de verão em instituições de ensino superior, de acordo com informações da agencia Lusa.

Já no Brasil, a Fundação Fiocruz foi a primeira aprovada como produtora do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), após a transferência de tecnologia da AstraZeneca, em uma vacina Covid-19 100% nacional ao Ministério da Saúde.

Vacinas e Variantes

Servidor da Fiocruz prepara vacina de Oxford/AstraZeneca para a primeira aplicação no Brasil. Foto Agencia Brasil

A pandemia acumula, em termos globais, quase 450 milhões de casos e mais de 6 milhões de mortes, além de 10 bilhões de doses de vacinas aplicadas e 4,3 bilhões de pessoas com duas doses ou dose única, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Integrante do Observatório Covid-19, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Raphael Guimarães explica à EBC que, ao se multiplicar, qualquer vírus pode evoluir para uma versão mais eficiente de si mesmo, infectando hospedeiros com mais facilidade. Quando a mutação dá ao vírus um poder de transmissão consideravelmente maior que sua versão anterior, nasce uma variante de preocupação.

“O que a gente vive dentro de uma pandemia é uma guerra em que a gente está tentando sobreviver, e o vírus também está tentando”, resume Guimarães. “Cada vez que a gente dá a ele a chance de circular de forma mais livre e tentar se adaptar a um ambiente mais inóspito, o que ele está fazendo é tentar alterar sua estrutura para sobreviver.”

O presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, acrescenta que impedir que um vírus sofra mutações ao se replicar é impossível, porque isso é da própria natureza desses micro-organismos. Apesar disso, é possível, sim, dificultar esse processo, criando um ambiente com menos brechas para ele circular. E é aí que as vacinas cumprem outro papel importante.

“A gente pode reduzir esse risco aumentando a cobertura vacinal no mundo inteiro. A Ômicron apareceu na África, que é o continente com menor cobertura vacinal”, lembra ele. Enquanto Europa, Américas e Ásia já têm mais de 60% da população com duas doses ou dose única, o percentual na África é de 11%. “Se a gente conseguir equalizar a cobertura vacinal nos diferentes países, a gente tem um menor risco de ter uma variante aparecendo dessa forma”, diz Chebabo.

É unânime entre os pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil que, se as ondas de contágio podem ser relacionadas à evolução das variantes, o controle das curvas de casos e óbitos se deu com a vacinação. A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Flávia Bravo, afirma que é inegável o papel das vacinas na queda da mortalidade por covid-19 ao longo destes dois anos.

“No início, vacinaram-se os idosos mais velhos, para depois ir descendo por idade e para pacientes com comorbidades. E, se olhar no miúdo a interferência da vacina no número de mortes, fica evidente, a partir da vacinação desse grupo das maiores vítimas, uma queda coincidindo com o aumento da cobertura”, avalia ela, que também resume a pressão das variantes no sentido contrário, aumentando os casos: “Começamos no Brasil com a cepa original, depois a Gama começou a predominar, foi substituída pela Delta, veio a Ômicron, e esse balanço nas nossas curvas foi acompanhando justamente essas novas variantes que foram se espalhando pelo mundo.”

A pediatra considera que problemas na disponibilidade de vacinas no início da imunização e a circulação de variantes também levaram o Brasil a ser um dos países mais afetados pela pandemia de covid-19, com mais de 650 mil mortes causadas pela doença, o segundo maior número de vítimas do mundo, e uma taxa de 306 mortes a cada 100 mil habitantes, a segunda maior proporção entre os dez países que mais tiveram vítimas da doença.

“Se a vacinação tivesse começado mais cedo e com uma oferta de doses maior desde o início, com certeza o panorama que a gente vivenciou teria sido diferente. Mas, ainda que tenhamos atrasado o início e a disponibilidade de doses também tenha demorado, chegamos a coberturas tão boas ou até melhores que muitos países, inclusive com esquema completo”, afirma a diretora da SBIm, em entrevista à EBC.

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