Contratempo: Um náufrago numa ilha deserta

Por Bruno GouveiaDa Expedição Brasil-2008

 

Bruno Gouveia

Extremamente atribulada é a adjectivação que poderei atribuir à última semana.

Com o Pedro Silva aguardando-me em Fortaleza, no Estado do Ceará, o meu regresso de Manaus, de avião, após a travessia fluvial da Amazónia, que aconteceu na madrugada do dia 23 de Setembro, deveria colocar Belém como cidade para apenas mais uma pernoita.

No entanto, as tarefas inerentes ao arranjo das malas laterais demorou um pouco mais de tempo que o desejado. Mas nunca se poderá afirmar que é perda de tempo, pois um desenrasque célere para ganhar tempo poderá vir a tornar-se num problema que se repetirá ou até poderá constituir-se num dano mais gravoso.

A oficina de Daniel na capital do Pará reconstituiu excelentemente as peças das maletas que se haviam quebrado. E sob a minha orientação, pela experiência de utilização, tornou-se necessário refinar o “retoque”.

Quando me aprestava mentalmente para deixar a cidade, o que o faria na manhã do dia seguinte, uma sinfonia desagradável ecoava do motor. A moto emitia vibrações nunca antes apercebidas. De novo na oficina de Daniel, ele recomenda-me um mecânico muito conceituado na cidade. Para esse dia já não daria tempo para encontrar a oficina de Maurício e de Calado.

Por isso, adiamento da partida por mais um dia. Não aparentava ser um problema grave. Contudo, não resolver de imediato poderia tornar-se grave. Assim pensava eu.

Em conversa de conferência telefónica por sistema informático, com duas referências actuais do motociclismo de aventura do Brasil, Edgard e Marcelo, o primeiro de São Paulo e o outro do Paraná, várias ideias foram avançadas e discutidas.Apesar disso, no dia seguinte, facilmente Maurício encontrou a solução: havia um retardamento da abertura das válvulas de um lado relativamente ao outro, que derivava na vibração referida.

Com o problema solucionado, eis que partir era o desejo mais premente. Assim, na manhã de segunda-feira saí de Belém com a intenção de chegar à capital do Maranhão – São Luís, com passagem, de permeio, por Alcântara, que é também cidade do mesmo estado.Contrariando a vontade de galgar quilómetros rapidamente, na passagem pela cidade de Castanhal, decido-me por uma paragem no concessionário de uma marca de motos japonesa. Boni, o empresário que dinamiza o negócio era um dos contactos brasileiros que já possuía há mais de um ano. Havia o interesse mútuo no conhecimento. Por coincidência, com Boni estava um casal que dá corpo a uma nova revista de motos brasileira. Visivelmente interessado nesta aventura em terras do Brasil para colaborações posteriores, de um modo extremamente informal acertámos pormenores, não apenas para os objectivos da revista, como também para projectos pessoais que poderão advir desta odisseia no Brasil.

Entretanto o tempo urgia e havia que retomar a estrada, procurando recuperar o tempo investido em Castanhal. Em manifesto excesso de velocidade, aproveitando o parco trânsito da estrada, ia deixando para trás imensos motivos de registo de imagem, crendo sempre que mais à frente surgiria algum, de tal modo arrebatador, que me faria parar.

E isso aconteceu na passagem por Boa Vista do Gurupi. Duas mulheres davam à manivela para retirar água, num balde, de um poço. Nessa pequena cidade do Pará, já o símbolo de bateria no painel de instrumentos me fornecia indicações de que algo não estaria bem.Confiando em demasia no equipamento e crendo que daria para chegar a alguma cidade mais bem estruturada, não me deixei ficar por ali. Avancei.

A uns 11 quilómetros da cidade anterior e a mais de 40 da posterior, a bateria descarrega completamente e o motor engasga-se. Os 140 kms/h em que seguia, que denotavam uma aceleração saudável, rapidamente se transformam num deslizamento amorfo que terminou na beira da estrada.

Os poucos veículos que passavam não acediam aos meus pedidos de auxílio. A sua segurança pessoal assim ditava. Aliás, viria a saber mais tarde que aquela estrada tem um historial pouco recomendado para passeios e paragens prolongadas.

Finalmente um camionista, que seguia na direcção contrária, manifesta solidariedade. Pelo menos ouviu o meu pedido.

Aguardei que um mecânico ou um reboque chegassem até ali – uma estrada que pela direita e pela esquerda só apresentava mata. Continuava a insistir nos gestos de auxílio para com os condutores que passavam. Ninguém parou.

Apesar de ainda faltarem algumas horas para que a noite caísse, observava a moto e olhava para estrada e ambiente envolvente tentando encontrar uma solução de emergência para o caso de não ser auxiliado por alguém. E esta era claramente uma hipótese que eu cada vez mais acreditava.

Desgostava da exposição cada vez mais permanente e insistente que a minha presença marcava no local. Dificilmente estas coisas terminariam bem. No entanto, agarrava-me, mentalmente, à ideia de que “a sorte protege os audazes”.

Pouco menos de uma hora depois surge um reboque no horizonte. Algum alívio apoderou-se de mim. A velocidade contínua a que o carro se aproximava da moto, marcou claramente a ideia de que aquele carro não vinha em meu auxílio mas que, casualmente, passava por ali.Não podia desistir! Qualquer veículo que passasse levaria sempre um potencial ser solidário.Necessitava urgentemente de alguém que me acudisse, porque se as horas avançassem sem que nada de substancial acontecesse, precisaria de muita lucidez para decidir o que de melhor fazer.

Jamais poderia empurrar sozinho, naquele calor sufocante, uma moto de mais de 300 quilos. Transportar a carga a pé e deixar a moto, também seria tarefa impossível, porque duas mãos não dariam para transportar 7 volumes que deveriam totalizar praticamente o meu peso.Senti-me um náufrago perdido numa ilha deserta acenando a todo o barco que passasse.E o tal reboque que não era para mim sempre parou. Sem capacidade de negociação, os 200 reais (80 euros) apresentados como custo até me soaram baratos. Porque a moto foi transportada por mais de 200 quilómetros até à cidade de Pinheiro, já no Estado do Maranhão.

E aqui surge uma nova aventura. Uma concessionária de motos japonesas acolhe a moto, mas pela política interna da marca no Brasil não o poderia fazer. Com regulamentos internos extremamente rígidos, isso seria o suficiente para, num extremo muito vincado, aquela empresa de Pinheiro perder a concessão.

Mas o chefe de serviços do departamento de pós-venda referiu-me o seu argumento: “não estamos consertando uma outra marca, mas sim auxiliando uma pessoa”. Jamais esquecerei esta frase imbuída que volumosa solidariedade.

Diagnosticado o problema que advinha da correia do alternador, havia que encontrar uma tão simples peça. A cidade foi vasculhada de fio a pavio. Não havia.No Brasil, a BMW apenas tem 4 concessionárias e a mais próxima delas ficava a quase 3.000 quilómetros de distância (São Paulo).

Mas seria de São Luís, a cidade onde agora me encontro, que a peça viajaria.Por tudo isto o contra-relógio iniciou-se, e as etapas passarão, necessariamente, por serem longas no tempo de condução e de distâncias percorridas.

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