Portugal-Brasil: A Força do Destino

Velório de Eduardo Campos, candidato a presidência da República no Brasil, e dos membros de sua equipe, 17 de agosto 2014. Foto Fernando Frazão/Agência Brasil
Velório de Eduardo Campos, candidato a presidência da República no Brasil, e dos membros de sua equipe, 17 de agosto 2014. Foto Fernando Frazão/Agência Brasil

Por Carlos Fino

A morte trágica do ex-Governador de Pernambuco Eduardo Campos, a semana passada em Santos, traz incontornavelmente à memória dos Portugueses o acidente de Camarate, em 1980, no qual faleceu, em circunstâncias idênticas, o então primeiro-ministro português Francisco Sá-Carneiro.
O mesmo tipo de aparelho, um Cessna, o mesmo número de pessoas a bordo – 7, todas igualmente mortas, e acima de tudo uma mesma promissora liderança, súbita e brutalmente interrompida, numa perda chocante e irreparável.
Campos, com 49, e Sá-Carneiro, com 46, vinham de horizontes políticos diferentes – um socialista, outro social-democrata – mas convergiam nas fortes convicções de equilíbrio entre mercado e responsabilidade social, na eficácia da gestão e sobretudo na manifesta seriedade de propósitos.
Qualidades que Campos demonstrou nos anos em que foi Governador de Pernambuco e Sá-Carneiro nos meses em que esteve à frente dos destinos de Portugal. Antes disso, ambos tinham já sido, aliás, deputados e ministros com assinalável trabalho realizado.
No caso português, houve suspeitas de atentado, nunca comprovadas, multiplicaram-se comissões de inquérito, e a dúvida permaneceu alimentada por uma “confissão” de última hora que não pôde ser investigada, uma vez que os prazos legais já haviam prescrito. Tudo realidades que estão ausentes do caso brasileiro.
Para lá das diferenças, no entanto, é impossível não enxergar um claro paralelismo entre os destinos trágicos destes dois homens e o sentimento de esperança – retroativamente ampliada pela morte – que, cada um a seu tempo e modo, soube inspirar nos respectivos países.
Fatores de aproximação
No caso específico de Pernambuco e Portugal, as idênticas extensões de território e densidades de população são fatores suplementares de aproximação, de que é exemplo a recente assinatura de um termo de cooperação visando projetos conjuntos nas áreas do meio ambiente e economia verde.
Cooperação que uma próxima visita de Eduardo Campos a Lisboa, que há algum tempo vinha sendo preparada pelos meios de negócios, deveria consolidar e intensificar, dando assim continuidade no plano económico às excelentes relações antes estabelecidas no plano político entre Miguel Arraes e Mário Soares.
O caso do bispo Sardinha, morto e devorado pelos Caetés, sempre é legitimamente evocado, não sem algum sarcasmo, para sublinhar o confronto histórico do Brasil Colonial, a resistência dos nativos locais à potência externa. Mas depois disso foi também em Pernambuco que se forjou, nas batalhas de Guararapes contra os Holandeses, a aliança entre índios, negros e brancos que daria origem ao Exército brasileiro, assentando os alicerces da identidade nacional.
Apesar da distância física e psicológica que nos separa (“tanto mar, tanto mar”, no dizer de Chico Buarque) e das diferentes opções de política externa que fazem da relação Portugal-Brasil, na expressão do Professor da UnB Amado Luís Cervo, uma “parceria inconclusa”, parece ainda assim haver também – como o mostra a paralela morte trágica de Eduardo Campos e Sá-Carneiro – uma misteriosa força subterrânea que persiste em moldar simetricamente as nossas vidas e os nossos sentimentos mais profundos, mantendo enigmaticamente viva, para lá de todos os afastamentos e estranhamentos, a esperança numa maior aproximação.

 

Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012).

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