Fado no Brasil: ADEGA LISBOA ANTIGA

Por Thais Matarazzo

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“Se a São Paulo fores um dia

Se sentires a nostalgia

Da tua terra Natal…

Vai ver a ‘Lisboa Antiga’

Vai ouvir uma cantiga

Pra recordar Portugal”.

 

 

Esses versos são do poeta Luiz de Campos, idealizador e fundador do restaurante típico Adega Lisboa Antiga.

Nos anos de 1950, a imigração estrangeira para o Brasil voltou a ser incentivada, criando oportunidades no meio urbano para vários tipos de trabalho. De 1950 a 1963 entraram no país 772.151 imigrantes, sendo 41% portugueses. A comunidade lusa ocupava vários espaços sociais e culturais.

Neste período, surgiram vários restaurantes típicos portugueses na cidade de São Paulo, alguns populares e outros sofisticados, como a Adega do Douro, a Adega da Mouraria, o Marialva, o Solar da Alegria e a Adega Lisboa Antiga.

A “Lisboa Antiga” localizava-se à Rua Brigadeiro Tobias, nº 280, no centro. Ocupava a parte térrea do edifício Bem-Morar e também o subsolo, onde ficava o restaurante. O seu slogan era “Um pedaço de Lisboa no coração de São Paulo”.

O funcionamento acontecia de segunda a sábado, com almoço, jantares e shows. Contava com estacionamento privativo.

O cronista Egas Muniz anunciou a abertura da nova casa em 18 de setembro de 1959, no Correio Paulistano. “A simpática cantora Cidália Meireles traz-nos a notícia de que será inaugurada no próximo dia 29, à Rua Brigadeiro Tobias, a Adega Lisboa Antiga, que é propriedade de um grande amigo da família Meireles, o Sr. Luiz de Campos. Haverá um show especialíssimo na inauguração com os maiores cartazes da música lusitana atualmente entre nós”.

O lisboeta Luiz de Campos (1915-2005) foi poeta, declamador, relações-públicas, e um grande amigo do Fado.

Campos trouxe para São Paulo os maiores nomes da música portuguesa para espetáculos no seu restaurante, como Francisco José, Tony de Matos, Fernanda Batista, Tristão da Silva entre outros.

Homem sensível às artes e à música, Luiz de Campos teve alguns fados gravados no Brasil, em discos 78 rotações: Tejo e Guanabara, parceria com Pedrinho Almeida, por Alcino Ribeiro (1960); Sigo hoje outro caminho, parceria com Joaquim Campos, por Terezinha Alves (1961); Amor sagrado, com G. Prado, de 1955; e História Adormecida, com o maestro Enrico Simonetti, por Raul Mota (1960).

“Não fora Luiz de Campos o bom poeta que é a sua Adega Lisboa Antiga não seria o que é. O ancestralismo de nossa raça tem dimensões ibéricas que caem perfeitamente na sensibilidade íntima. Como é boa a ‘Lisboa Antiga’ em qualquer noite. Contrapondo-se ao nosso samba-canção, está o fado português, na languidez rítmica semelhante e nos problemas do coração que ama também”, comentava Egas Muniz em outubro de 1961.

Nos seus trinta anos de existência, foram muitas as histórias passadas na “Lisboa Antiga” e muitos também foram os seus proprietários e artistas que por lá passaram, encantando o público paulista. Impossível elaborar uma lista completa de todos os intérpretes que lá atuaram, citamos alguns, entre brasileiros e portugueses: Terezinha Alves, Adélia Pedrosa, Florência, Maria de Lourdes, Maria Alcina, Ilda de Castro, Maria Alice Ferreira, Sebastião Manuel, Glória de Lourdes, Moniz Trindade, Raul Mota, Alcino Ribeiro, Abílio Herlander, Cidália Moreira, Quincas Gonçalves, os Três de Portugal, Lídia Ribeiro, Alberto Ribeiro, Mário Rocha, Maria José Villar, Irene Coelho, Adelaide Valério, Maria Tereza Quintas, Fernanda Batista, Trio Boreal, Tony de Matos, Arminda da Conceição, Beatriz da Conceição, Pedro Villar, Gilda Valença, Francisco José, Maria Girão, Mimi Varela, Antônio Campos, Joaquim Pimentel, Pedro Villar, Dam Félix, Manuel Taveira, Dino Moreira, Tristão da Silva, Ângela Maria, Ellen de Lima, Pedro Miguel, Noite Ilustrada, diversos ranchos e grupos folclóricos. Dentre guitarristas e violonistas: Manuel Marques, Leonel Villar, Antoninho, Nelito Marques, Alípio Correia, Silva Júnior, Antero Martins, Aquiles Bernardo, Antônio Rogiero, Waldemar Pilp, Bonfim, Alcídio Guerra, Fernando de Freitas, Mário Rui, entre outros. Enfim, essa casa portuguesa foi palco de grandes espetáculos fadistas na Pauliceia.

Em 1º de março de 1962, a “Lisboa Antiga” chegou à televisão. O programa Dentro da Noite, da TV Record, Canal 7, apresentou um especial transmitido ao vivo do restaurante de Luiz de Campos, que declamou suas poesias rodeado pelos amigos e clientes. Cantaram os fadistas Moniz Trindade, Silvia Maria e Tristão da Silva, acompanhados pelo guitarrista Manuel Marques e o viola Antoninho.

O nome da fadista Terezinha Alves está intimamente ligado à “Lisboa Antiga”. Ela foi a primeira artista contratada da casa, em 1959, e lá permaneceu até o seu fechamento.

Terezinha cantava e apresentava os convidados. Sobre sua permanente atuação, o cronista Egas Muniz minutou em sua coluna de A Gazeta, em 3/11/1969: “Terezinha é a fadista da ‘Lisboa Antiga’ desde a sua inauguração. Ficou sendo uma espécie de ‘mascote’, até hoje. Por isso, pode fazer (como faz agora) mais uma temporada no tradicional endereço português da Rua Brigadeiro Tobias. Entre uma temporada e outra, Terezinha aproveita para ir cantar para patrícios que moram em Portugal. (…) Sempre em dia com os lançamentos de Lisboa, para manter o seu sucesso no Brasil. Além do fado porque é triste, feliz porque fala de amor, Terezinha também interpreta canções brejeiras. E entra com disposição nas ‘desgarradas’, provando a sua versatilidade. Entre nós o fado tem melhor interpretação com Terezinha Alves, o fado castiço, autêntico, tem sua preferência, quando ela canta dá entonação necessária às palavras”.

Uma surpresa na noite paulistana aconteceu em julho de 1969, quando atendendo a uma sugestão do jornalista Vander Pratt, a Adega Lisboa Antiga contratou o sambista José Domingos, que até então limitara-se a apresentar somente artistas da música popular portuguesa. Sua estreia deu-se em 14 de julho, e na mesma noite debutou também, em nova temporada, a fadista Maria Alcina, vinda da Guanabara.

Em junho de 1971, foi a vez do sambista Noite Ilustrada dar o ar da sua graça na “Lisboa Antiga”, que vinha programando com alguma assiduidade atrações brasileiras. “Noite” era companheiro de microfone dos fadistas Manuel Taveira, Terezinha Alves e Maria José Villar.

Interessante matéria sobre o restaurante foi publicada no O Estado de S. Paulo, no Caderno de Turismo, em 27/10/1974, com o título Uma noite em Portugal, na Adega Lisboa Antiga. “Adélia Pedrosa e Terezinha Alves, figuras altas de fadista, alternam-se com o popular Manuel Taveira, todas as noites, na ‘Lisboa Antiga’, uma das casas típicas portuguesas de audiência em São Paulo.

No dia 29 de outubro, completa 15 anos de existência a casa fundada em 1959, por Luiz de Campos, e conquistou enorme êxito com a apresentação de espetáculos de folclore lusitano, isto é, além do fado, canções populares do meio rural e grupos de bailado.

À frente da ‘Lisboa Antiga’ está Terezinha Alves. Seu primeiro trabalho foi como datilógrafa num escritório. Estimulada por Irene Coelho, que na época tinha um programa de rádio, resolveu seguir a sua verdadeira vocação: ser cantadeira de fado.

A festa de 15 anos, intitulada Uma noite em Portugal, apesar da designação dela vão participar brasileiros e portugueses e grupos de bailados. Haverá distribuição de brindes e as famosas ‘desgarradas’, em que cada um, partindo de um mote, improvisa respostas que tanto podem resultar em ‘cantigas de amigo’ ou ‘de amor’ ou ainda ‘de escárnio e mal dizer’, à velha maneira dos trovadores medievais.                                       (…) Lisboa é longe, mas na Adega Lisboa Antiga, com seus fados, guitarristas, canções, cozinha típica portuguesa e internacional, fica perto, ali na Brigadeiro Tobias, a dois passos do Correio central, em plena São Paulo antiga”.

A fadista Terezinha Alves nos conta que em fins da década de 1980, o restaurante foi vendido a diversos proprietários e a música ao vivo deixou de existir, decaindo bastante a frequência da clientela, até que no início dos anos 1990, a Adega Lisboa Antiga encerrou suas atividades.

O prédio que abrigou o restaurante ainda existe e as dependências antes ocupada pela “Lisboa Antiga” hoje virou um estacionamento para automóveis.

 

 

Por Thais Matarazzo
Trecho do livro “O Fado nas Noites Paulistanas…” (2015), de Thais Matarazzo, Editora Matarazzo (São Paulo-SP).

3 Comments

  1. Fiquei muito contente de ver essa reportagem, sobre está casa de fados,sou sobrinha de um dos guitarristas que tocava na casa Alípio Corrêa, um brasileiro que amava o que fazia e por sinal o fazia muito nem,a sua vida foi dedicada ao dedilhar com todo amor as cordas de sua guitarra portuguesa. Saudades eterna.

  2. Gostava de saber qual o percurso da fadista Maria Tereza Quintas no Brasil – era natural de Barcelos, sei que sua filha teria regressado às origen, Barcelos, há muitos anos…

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