Jogos Paraolímpicos – uma lição de humanidade. Por Carlos Fino

Maestro João Carlos Martins ma cerimônia de abertura. Foto OIS COI
Maestro João Carlos Martins ma cerimônia de abertura. Foto OIS COI

Por Carlos Fino

A alegria, o entusiasmo, o elevado interesse dos media e a grande afluência de público com que o Brasil acolhe os Jogos Paraolímpicos 2016, a decorrer no Rio de Janeiro, são um contributo da maior importância para consagrar definitivamente a competição como grande evento desportivo mundial.

Um evento que – para além dos seus elevadíssimos méritos em termos de esforço e superação humanos – produz também, cada vez mais, importantes resultados desportivos, impondo-se `a admiração geral. Não como objeto de condescendência e piedade, como se os portadores de deficiência fossem filhos de um Deus menor, mas nos seus próprios termos – por aquilo que intrinsecamente valem e produzem.

Além da inovação constante nos métodos e na pedagogia desportiva em quase três dezenas de modalidades, para as poder adaptar `a prática de pessoas com carências especiais, os Paraolímpicos trazem, também, a eles associado um esforço permanente de inovação tecnológica que permite desempenhos excepcionais.

Quando, em 1943, ainda durante a última Grande Guerra, o neurologista alemão de origem judaica Ludwig Guttmann, refugiado na Grã-Bretanha, iniciou na pequena localidade de Stoke Mandeville – por encargo do governo de Londres – o seu trabalho de reabilitação de militares feridos no conflito estava certamente muito longe de prever que as competições que organizava entre os soldados se iriam transformar no movimento planetário que são hoje.

Mas o novo método de tratamento, que recorria ao desporto como forma de reabilitação, mostrou-se altamente eficiente e levou o médico a promover competições internacionais que ganharam cada vez maior amplitude.

O grande salto ocorreu em 1959, quando – ainda por iniciativa do próprio Guttman, os Jogos Internacionais de Stoke Mandeville, como se chamavam, então na sua nona edição, se realizaram em Roma, a par dos Jogos Olímpicos desse ano.

A associação com as Olimpíadas conferiu visibilidade e levou `a mudança do nome – Paraolimpíadas tanto pode ser associado ao termo paraplégico como ao facto das competições se realizarem a par dos Jogos Olímpicos.

A falta de acessibilidades levou por vezes `a realização dos jogos noutras cidades e houve mesmo capitais que desistiram de acolher as Paraolimpíadas, casos do México e Munique, em 1968 e 1972, respectivamente, o que dá bem uma ideia do caminho percorrido desde então.

Mas a verdade é que o movimento acabou por se consolidar – hoje em dia os Jogos Paraolímpicos, que também têm a sua versão de Inverno – são praticamente parte integrante da Olimpíada. Já não da Era Moderna, como se dizia, mas cada vez mais da Era Pós-Moderna, com a valoração e respeito integrais pela diversidade que eles representam.

O bem é possível

Este era um dos muitos sonhos que se seguiram `a queda do muro de Berlim e ao consequente colapso do comunismo, quando por algum tempo se pensou que o fim da Guerra Fria poderia abrir uma era de paz e prosperidade, permitindo, pela conjugação de esforços do mundo inteiro, começar a resolver os problemas que mais afligem a Humanidade – pobreza extrema, doenças incuráveis, poluição…

Não foi isso, infelizmente, como se sabe, que aconteceu – as rivalidades pela hegemonia não desapareceram, as guerras continuaram e a cooperação internacional é escassa quando comparada com a magnitude dos problemas com que nos defrontamos. Há mesmo o perigo de voltarmos a ter um novo conflito mundial, não estando sequer excluída uma catástrofe nuclear.

Mas algum progresso foi feito – designadamente no que respeita ao reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência, de que os Jogos Paraolímpicos são talvez a expressão mais eloquente.

Isso prova que apesar do mal nos ser intrínseco, o pior não tem necessariamente que acontecer – e o bem, afinal, também é possível.

O jovial acolhimento que o Brasil, de coração aberto, está a dispensar aos Jogos reforça essa possibilidade.

 

Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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