Tudo Como Dantes, por José de Almeida Amaral Júnior

O mais recente capítulo de escândalos políticos nacionais foi escrito no início do mês de agosto. Mês que a história, por algum motivo, agrega fatos impactantes aos destinos do País e que são sempre estudados. Alguns exemplos dessa trajetória: em 1954, no Palácio do Catete, enquanto exercia um governo de caráter nacionalista na redemocratização pós-II Guerra, Getúlio Vargas se suicidou com um tiro desferido no coração; sete anos depois, agosto de 1961, Jânio Quadros, prometendo “varrer a corrupção” renunciou com 8 meses de tumultuado governo e o fato levou o País a uma grande crise política, que passou até por plebiscito sobre a viabilidade do parlamentarismo e o resultado foi a vitória do presidencialismo. João Goulart, então seu vice – naquela época o vice-presidente era de fato escolhido nas urnas –, assumiu e foi golpeado em 1964 porque militares e elites não o aceitavam. Mais tarde, agosto de 1976, em meio ao regime ditatorial, o ex-presidente Juscelino Kubitschek morreu num acidente de carro na Via Dutra, quando sua volta à vida pública era articulada, causando grande comoção e muitas dúvidas sobre a hipótese de ter sido realmente um ‘acidente’. Por fim, em 2016, a primeira mulher reeleita presidente, Dilma Rousseff, sofreu impeachment por crime de responsabilidade devido a ‘pedaladas fiscais’, substituindo-lhe Michel Temer (PMDB-SP).

Neste 2017, a história registrou que Temer, denunciado por corrupção passiva pela PGR – Procuradoria Geral da República, tornou-se o primeiro a responder por crime durante o mandato e foi inocentado pelo plenário da Câmara, mesmo com todo o conjunto de provas apresentados pela PGR, especialmente pautadas pelos detalhes, papéis e áudios oferecidos por Joesley Batista, do grupo JBS. Delatado na Lava Jato pelos favores recebidos junto aos políticos, o conjunto de provas do empresário levou a revista Época a dar capa em junho dizendo “Temer, líder da maior e mais perigosa organização criminosa do Brasil”. Eram necessários que dois terços – 342 parlamentares – votassem a favor da aceitação para a abertura do processo. Wladimir Costa (SD-PA), símbolo dos defensores de Temer, afirmou “a base do governo tem moral para derrubar os incompetentes […] Ele é ético, transparente e tem preparo”. Se fé, família e anticorrupção estiveram nos discursos da queda de Dilma, economia e tranqüilidade política foram lembradas para a permanência de Temer. Resultado: a Casa desprezou a investigação e, simplesmente, o absolveu.

Pesquisa da ONG Contas Abertas mostrou que, de janeiro a junho, o total aprovado de emendas parlamentares por Temer foi de R$ 2,12 bilhões e, nas três primeiras semanas de julho, R$ 2,11 bilhões. A liberação é obrigatória, mas, acabou saindo de forma ostensiva. E não foi só. Nos bastidores, na véspera da votação, Temer almoçou com representantes do agronegócio e foi acertado refinanciamento de dívidas do setor na ordem de R$ 900 bi. Metade dos votos que carecia foi garantida neste grupo. Vale lembrar também que, uma semana antes, PSDB e DEM, importantes sustentáculos deste governo, em jantar em São Paulo entre lideranças, avaliaram que ‘apesar de tudo’ – leia-se, 5% aprovação (CNI/Ibope), histórico recorde negativo – era preciso valorizar que Temer: passou a ‘mover-se mais’ entre os congressistas agradando-os com verbas e cargos; reanimou o ‘Centrão’ na Câmara dos Deputados e, atenção para este item, mesmo revelados áudios vergonhosos vários e vídeos de assessor puxando malas com dinheiro, enigmaticamente as massas não saíram às ruas. Daí, na soma, os riscos com a opinião pública atualmente pareceram ser pouco danosos a eles.

De fato, a classe média com camisa verde-amarela, batendo panelas e andando em massa pelas avenidas sumiu. Isto, mesmo com o aumento de impostos, o parcelamento de dívidas de contribuintes empresariais, o aumento de cargos comissionados, entre outros benefícios, o que aponta para um rombo na propalada ‘meta fiscal’ de austeridade. E, claro, o desemprego bravo reinante. Assim, permanece tudo como dantes.

O País escreveu desta forma mais uma página triste para o mês de agosto. Violentou-se o espírito republicano e a democracia, em meio a letargia popular. E fez valer a velha máxima: cada povo tem o governo que merece.  São Paulo, 10 de agosto de 2017.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: