Sonegação goleia corrupção

A discussão sobre o tamanho do Estado na vida da população é algo que se dá quotidianamente há, pelo menos, 300 anos. Desde que as idéias liberais começaram a se formar, como contraposição à política mercantilista, dos governos absolutistas europeus, o tema não saiu mais de cena. E, dentro deste campo de debate, a questão da carga tributária tem sido um dos itens mais calorosamente discutidos. O quanto se paga de imposto e a contrapartida nos serviços públicos é uma pauta bastante esmiuçada e, geralmente, motivo de intensas críticas pelo setor privado, que se vê como explorado pela gula estatal. O governo é concebido, com muita freqüência, como gastador, pouco eficiente e, mais que isso, corrupto. Em outras palavras, nunca há dinheiro que chegue para bancar os famintos orçamentos públicos.

Não há a menor sombra de duvidas que o setor privado tem razão quanto a necessidade de o setor público ser bem administrado e oferecer serviços de qualidade à população. Ser eficiente. Coisa óbvia. Saúde, educação, transportes etc. tem muitos problemas. Mas, e o outro lado? Cumpre mesmo criteriosamente com a sua parte de forma leal? Espírito cidadão e republicano? Afinal, sem recursos devidos o governo também não funcionará corretamente. E pouco se fala nisso. É muito raro nós observarmos a imprensa comercial tocar sobre sonegação de impostos. Assim, no meio de tanta desonestidade propagada diariamente envolvendo o governo, com desvios, propinas, esbanjamento, tem-se a aparência que o outro lado está tudo ‘barra limpa’, tudo ok. Honestidade cristalina. Será mesmo?

Segundo cálculos do Departamento de Competitividade e Tecnologia da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, o custo anual médio da corrupção no Brasil, em valores de 2013, corresponde a 67 bilhões anuais. Outra fonte é a GOPAC – Organização Mundial de Parlamentares contra a Corrupção, que aponta o custo dela no Brasil chegando à casa dos R$ 80 bilhões por ano. É muito dinheiro, de fato, em qualquer das duas contabilidades. Porém, um vexame se anuncia: cálculos realizados pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional são deprimentes.  A sonegação de impostos no país atinge a casa dos R$ 500 bilhões / ano. Isto representa entre cinco a sete vezes o tamanho, o montante da corrupção. Um escândalo vergonhoso. Só que não causa alarido.

Para chamar a atenção da sociedade para este problema, o Sindicato dos Procuradores inaugurou há dias um ‘Sonegômetro’ em Brasília. E o medidor em sua estréia abriu já contabilizando recursos que não entraram nos cofres públicos desde janeiro/ 2015 com o total sonegado já tocando os 105 bilhões, 80 bilhões dos quais escoados por meio de operações de lavagem ou manipulação de recursos de origem ilegal para retornarem à economia formal com aparência lícita.

Um dos grandes mecanismos para esta situação é a relação do país com empresas registradas em paraísos fiscais. A sonegação é feita tanto por empresas como por pessoas físicas bem aquinhoadas. Um caso recente foi o alvoroço do HSBC na Suíça, com mais de 8000 patrícios utilizando-se de contas secretas ali, driblando em quantias enormes a presença do fisco brasileiro. Aliás, pelo contrário, nas recentes passeatas ‘pró – moralidade política’ viam-se cartazes do tipo “Corrupção é Crime e Sonegação não”. Coisa refinada. Ilícito elegante.

Os impostos indiretos são eficientes porque embutidos nos produtos e serviços e o Imposto de Renda retido na fonte, incidente sobre as pessoas físicas, não permitem a sonegação. Todavia, os outros como o INSS, o ICMS, o imposto de renda e as contribuições sociais pagas com base nas declarações das empresas, são os preferidos para as fraudes. E, quanto maior a fortuna, maior a tendência a fazer esses desvios. É interessante lembrar aqui que até agora não foi regulamentado um princípio constitucional que é ‘quem recebe mais, paga mais’, ou seja, o imposto sobre grandes fortunas.

Em 2012, a Receita Federal buscava captar R$ 86 bi em recursos sumidos. Metade do montante pertencia a 317 grandes empresas que deram calote no fisco, com dívida média de R$ 135 milhões cada. Atenção: os R$ 86 bi eram praticamente o orçamento do Ministério da Saúde ou 4,5 vezes o orçamento do programa Bolsa Família. E mais, no final de 2013, em um ranking publicado pelo jornal Valor Econômico, o Brasil era vice-campeão global em evasão de tributos, perdendo apenas para a Rússia, segundo dados do Banco Mundial, atingindo algo em torno de 13,4% do PIB.

Em síntese: sonegação dá de 6 na corrupção. É uma impostura somente criticar o Estado, o setor público, que se vê prejudicado em seus recursos. Assim, sofrem as pessoas honestas, de caráter, que cumprem criteriosamente com seus papeis de cidadãos e são penalizados pela refinada malandragem alheia. Há muita hipocrisia em cena. Tudo isto é profundamente lamentável.

P.S.: Lei 4729/1965. Art. 1º. Constitui crime de sonegação fiscal:I – prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei […]

Portanto, a ação consciente de omissão contra um tributo devido é, sim, crime. São Paulo, 24 de abril de 2015.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

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