Ponte para qual futuro?

Michel Temer, após se desvencilhar das mais perigosas tentativas de tirar-lhe o mandato conseguido via impeachment, ou seja, se livrar da cassação de chapa no TSE – Tribunal Superior Eleitoral em junho; depois, com intensas manobras utilizando trocas de integrantes, fazer com que a CCJ  – Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados rejeitasse a denúncia de contra ele em julho e, por fim, no início de agosto, com novos artifícios governamentais envolvendo cargos e liberação de verbas de forma dirigida, se safar na própria Câmara Federal, que arquivou as acusações de corrupção, inocentando-o, não possibilitando qualquer outra investigação, ganhou, então, com estes fatos, um novo fôlego junto aos grupos que participaram da queda de Dilma, para acelerar os objetivos do processo. Alguns já foram conquistados, como a PEC 241, que em fins de 2016 congelou por 20 anos verbas da saúde e educação, entre outros gastos públicos; as vendas de ativos da Petrobrás e facilitação para ações externas no Pré-Sal e também a flexibilização da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, com a relação entre o negociado prevalecendo sobre o legislado para patrões e empregados. São alvos da chamada ‘Ponte para o futuro’, resultado da parceria entre PMDB, PSDB e DEM, além dos partidos menores do chamado ‘centrão’, articulado durante muito tempo por Eduardo Cunha (PMDB/RJ), ex-presidente da Câmara e hoje preso por corrupção. Mas, não bastam. Por exemplo, ainda falta atacar a questão da “deficitária” aposentadoria, que só não avançou porque houve pontual mobilização, acabando por reduzir a velocidade das ações, embora, brevemente voltará à baila no Congresso. Tudo isto, entre outras coisas, porque os gestores deste novo governo dizem querer dar “saúde às contas públicas” e “modernização” ao País. Em outras palavras, reduzir a ação do Estado e permitir o avanço do capital privado. Vale lembrar que, embora Temer fosse o vice de Dilma, a população não votou neste projeto de desmonte. Ele era oferecido em vários aspectos pelo candidato derrotado do PSDB, o senador Aécio Neves. E perdeu. Por isso, Temer ao não dar atenção às demandas populares e simplesmente atender aos interesses do grande capital, recebe da opinião pública uma profunda crítica, que o leva para os mais baixos níveis de apoio da história republicana. Isto apesar de uma paradoxalmente notada fraca movimentação das ruas. A democracia está na UTI. E a plutocracia, dá as cartas, sem a mínima questão da opinião popular.

Não obstante, os grupos que participaram da queda de Dilma disputam as rédeas, ainda em mãos de Temer, que faz o possível para acalmar ânimos dos parceiros e mostrar articulação e firmeza de metas. Se é impopular e pouco carismático às vistas dos brasileiros em geral, como provam as pesquisas, por outro lado, tem longa experiência nos bastidores políticos. Assim, sabe como lidar com os colegas de parlamento e os lobbies empresariais e de segmentos poderosos. Como já citado anteriormente, oferece cargos e liberação de recursos financeiros providenciais para seduzir os parceiros de ‘novo governo’. Exemplo do esforço para permanecer na cadeira presidencial é o perdão de R$ 27 bilhões em dívidas de bancos privados apenas em 2017. Absolvições são relativas a processos apenas do Itaú Unibanco e do Santander. E eles ainda esperam a oficialização de anistia de mais R$ 1,138 bilhão. Temer também editou a medida provisória que ficou conhecida como o Refis do Funrural – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural para o agronegócio. Esta medida, entre outras ações, pode resultar em perdão de 1 trilhão, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social. Ao setor de mineração, publicou dia 24, no Diário Oficial da União, a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados em plena Amazônia, área de 46 mil Km2, maior que a Dinamarca, existente havia 30 anos. E o assombroso: foi surpresa dentro do País a decisão, contudo, desde março, mineradoras canadenses já sabiam da determinação, oferecida aos empresários estrangeiros pelo Ministério das Minas e Energia. E, por aí segue. Então, por medidas como as aqui citadas – representando no caso dos bancos e agrário menos arrecadação –; mais a economia que não anda – Banco Central acabou de afirmar que o PIB de 2017 fica em 0,5% e de 2018, cai da projeção 2,5% para 2% –, o que também representa menos recursos para o fisco; os juros exorbitantes que não estimulam o crédito e as contratações temos, como resultado total, não uma solução fiscal para o déficit e sim um estímulo à sua permanência. Tanto que o Ministério do Planejamento e o da Fazenda anunciaram a revisão das metas de resultado primário para 2017 e 2018. Dada a frustração de receitas, a previsão do governo, que era de déficit primário de R$ 139 bilhões para este ano e de R$ 129 bilhões para 2018, foi elevada para R$ 159 bilhões para os dois anos. O governo, assim, terá que buscar recursos no mercado financeiro – que faz cena em frente às câmeras midiáticas, mas, esfrega as mãos com o que vai faturar com empréstimos – a fim de que as contas sejam fechadas, tamanha as despesas feitas. Então, há elevações na carga tributária, cortes nos aumentos dos servidores públicos e, uma redução de R$ 10, de R$ 979 para R$ 969, na previsão para o salário mínimo ano que vem. Esta redução no mínimo, por exemplo, pretende gerar uma economia de R$ 3 bilhões ao governo em 2018.  Todavia, vale lembrar que cerca de 45 milhões de pessoas no Brasil recebem salário mínimo, entre elas aposentados e pensionistas. Cerca de 66% dos aposentados recebem o salário mínimo. A correção do mínimo também impacta benefícios como a Renda Mensal Vitalícia, o seguro-desemprego e o abono salarial. O Planejamento diz que cada um real de aumento no salário mínimo gera elevação de R$ 301,6 milhões ao ano nas despesas do governo. Mas, quanto esses R$ 10 ajudam na vida desses cidadãos humildes e também na circulação da economia, tão desaquecida? Quanto se deixará de gerar em tributos com isso? E o DIEESE lembra que o salário mínimo ‘necessário’ para suprir as despesas de uma família de quatro pessoas com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência deveria ser de R$ 3.810,36 em julho deste ano. Isto quer dizer que as pessoas não recebem o que manda a Lei. E, pelo visto, vão receber ainda menos, ao invés de corrigir este direito, como vinha acontecendo.

Agora, Temer e companhia aparecem com um novo pacote de privatizações, para cortar gastos e aperfeiçoar a economia e o Estado brasileiro. Falam à grande mídia em possibilidades de recebimento de investimentos na ordem de R$ 44 bilhões. São, ao todo, 57 projetos que serão incluídos no PPI – Programa de Parceria Investimentos para serem colocados à venda ou concedidos ao setor privado. “Administração privada é superior à pública”, repetem a cantilena. Fazem parte dessa lista 14 aeroportos, 15 terminais portuários, 11 linhas de transmissão de energia elétrica e 2 rodovias. Até a Casa da Moeda pode ser inserida na oferta, bem como a já citada área na Amazônia. Em síntese, o negócio é alugar o Brasil. Ou vender.

Em peso, a oposição reclamou. Contudo, não foram registrados, até agora, maiores protestos extra muros do Congresso. As ruas continuam sem movimentos pela corrupção existente, pelos apertos tributários, pelos cortes em educação e saúde ou pelas privatizações sem maiores discussões. E, claro, pela penúria vivida pela população mais simples. Formado majoritariamente por homens brancos e ricos –“a elite da elite” –, o governo do presidente Michel Temer não tem ideia do que é estar desempregado no Brasil, disse à BBC Brasil a economista Monica De Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, de Washington. Segundo Bresser Pereira, ex-ministro e ex-PSDB, há intenso movimento ideológico nas ações, combinado com o desejo de legitimação pelo governo perante as elites brasileiras liberais. É preciso reduzir o Estado. Uma obsessão. A Eletrobrás, que vem sendo construída desde 1953, está valendo R$ 20 bi aos interessados, sendo que consumiu em sua história algo em torno de R$ 400 bi, com mais de 200 usinas entre hidrelétricas, térmicas e eólicas. Não é nem ‘preço de banana’ para o comprador, é quase uma ‘doação’. E é setor estratégico para o País, para o desenvolvimento de sua matriz energética. É questão de segurança nacional. Porém, curiosamente, enquanto isso, o Congresso Nacional é o 2º mais caro do mundo. Cada político leva R$ 10 milhões anuais (Transparência Brasil/2016). O Judiciário também não fica atrás. Custa por ano R$ 68,4 bi (UFRGS/ 2014). Militares, com seus 330 mil servidores, custam R$ 74,4 bi (UFRGS, 2014). Os valores pouco transparentes das pensões de filhas solteiras de militares são exemplo: o Exército diz pagar 70% de pensões que giram em torno de R$ 5 mil por mulher; a Aeronáutica diz que não há nenhuma além de R$ 30 mil; o gasto mensal na Marinha chega aos R$ 46 milhões/ mês com pensões às moças privilegiadas (http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/lucio-vaz/2017/06/27/previdencia-forcas-armadas-pagam-pensao-generosa-filhas-solteiras-setentonas/ ).

Vemos um governo que passa adiante o patrimônio e não mostra esforço para a pesquisa, para a tecnologia a ser desenvolvida aqui, como os cortes nos investimentos em educação demonstram. Que futuro esperar dessas decisões? É a permanência do atraso. Onde fica a democracia, o respeito aos princípios de soberania popular? Onde fica o republicanismo? Onde anda a “brava gente brasileira”? Vemos um povo sem esclarecimentos, absorto e desarticulado que permanecerá pagando por tudo até que desperte para a realidade. Pobre País. São Paulo, 25 de agosto de 2017

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

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